Café Brasil 1000 – Orgulho de ser brasileiro.

A câmera, frenética, acompanha uma galinha desesperada. Ela corre, pula, escapa das mãos das pessoas que a perseguem pelas vielas estreitas e empoeiradas da Cidade de Deus. E de repente, fica encurralada entre uma gangue e a polícia, os dois grupos apontando armas um para o outro. Entre eles, um garoto. Buscapé. Em meio ao caos, ele também está preso ali, sem saída aparente. O tempo congela e a câmera gira em torno do menino que só queria contar histórias através da sua lente, mostrar ao mundo que havia mais do que violência naquele lugar esquecido.

Quem não viu essa cena, né? É do filme Cidade de Deus, do diretor Fernando Meirelles. Lá de 2002… Três anos antes do Café Brasil nascer.

Buscapé, paralisado.
A galinha, em desespero, tenta escapar do abate.
É o Brasil.

Metáfora perfeita de um povo
sempre às voltas com a própria identidade.
Tentando escapar da violência do dia,
do cansaço que não passa,
das divisões que não param de crescer.

É assim que muita gente se sente hoje.
Como num beco sem saída.
Presa entre dois lados
que insistem em partir o país ao meio.
Esmagando nossa alma entre rótulos,
ideologias,
tribos,
bandeiras,
cor de pele,
preferência sexual,
classe social.

Grupos em guerra,
irmãos que não se enxergam mais como irmãos.

Transformamos o Brasil num ringue.
E nesse ringue, ninguém vence.
Só perdemos.
Perdemos o essencial:
a amizade,
a alegria,
a solidariedade.
Aquela capacidade mágica que sempre tivemos de resistir…
juntos.

Hoje, famílias se separam.
Amizades se rompem.
Brasileiros torcendo contra brasileiros.
Que loucura é essa?

O veneno do ressentimento escorre pelas redes.
O ódio, às vezes disfarçado,
às vezes escancarado,
vai matando aos poucos
aquilo que fazia o Brasil… ser Brasil.

Nossa gargalhada alta.
Nosso ombro amigo.
Nossa força coletiva,
mesmo quando tudo parece perdido.

Nossa arte de transformar dor em dança,
tragédia em samba,
cansaço em festa,
desgraça em piada.
Nossa fé inabalável de que, no fim, vai dar certo.
Porque sempre deu.

Estamos esquecendo quem somos.
E isso é muito   grave.

Mas ainda há tempo.
Tempo de lembrar.
Tempo de reencontrar o que nos une.

Porque o Brasil…
é maior que o barulho das redes.
Maior que os discursos inflamados.
Maior que as fronteiras que querem nos impor.

O Brasil é o povo.
É a praça.
É a feira.
É a roda de samba.
É o terreiro.
É o campo de futebol.
É o abraço depois da briga.
É o churrasco no domingo.
É a música que junta,
a comida que acolhe,
a fé que consola.

É a gente —
quando a gente decide caminhar junto,
de mãos dadas,
olhos nos olhos,
corações abertos.

O Brasil é a gente.
E a gente pode mais.

Você está ouvindo Assim Assado, que os Secos & Molhados lançaram lá em 1973, num dos momentos mais duros da nossa história.

Uma canção que, como a Cidade de Deus, aborda a questão da divisão da sociedade em grupos, e o Estado, através de seus representantes, usa a força para promover ainda mais divisão e controle do povo.

Na letra, um velho humilde anda de madrugada com um terno velho, até ser abordado pelo “guarda belo”. O guarda, uma metáfora para a repressão de 1973, não se importa com quem o velho realmente é. Não enxerga a humanidade ou a dignidade daquele homem. Decide julgá-lo pela aparência, pela classe social, pela cor da pele. Decide que o velho não é alguém digno de respeito e proteção. Porque ele é diferente. O guarda quer um velho “assado”, quer exercer sua autoridade sem critérios, com violência e injustiça. O resultado é a repressão, o abuso e a morte.

Essa metáfora, dolorosa e poderosa, representa o Brasil que sempre tivemos dificuldade de encarar: um país onde a mão pesada do Estado se abate sobre o povo, com um discurso de defesa da democracia, mas que na verdade promove divisões entre ricos e pobres, pretos e brancos, “bons cidadãos” e “maus cidadãos”. Uma sociedade onde a injustiça é uma ferramenta de controle, onde o lema é “dividir para conquistar”.

Parece existir uma mão invisível segurando a gente para que não tenhamos a menor chance de dar certo.

Essa canção já tem mais de 50 anos… E me diga aí: não é exatamente o que estamos vendo hoje?

O resultado é um país paralisado, incapaz de avançar para um futuro melhor. Um país vivendo permanentemente no estado de “assim assim”, porque tudo é feito “assim assado”: apressadamente, superficialmente, sem respeito pela dignidade humana.

Precisamos reagir.

Por isso, hoje aqui no Café Brasil 1000, eu quero propor uma trégua.

Um tempo sem pensar em política. Um tempo sem dividir o Brasil em dois. Um tempo para respirar fundo, olhar ao redor e reconhecer tudo aquilo que ainda temos de bonito, profundo e genial neste país. Não interessa o lado, a cor, a riqueza ou o sexo dos brasileiros.

Proponho um tempo para reencontrar nosso orgulho de ser brasileiro. E pra isso vou te levar por uma gangorra de emoções…

Bora?

Bem vindo ao Café Brasil 1000. Que só poderia ser sobre… Brasil!

Bom dia, boa tarde, boa noite, este aqui é o Café Brasil 1000 e eu sou o Luciano Pires. Posso entrar?

Muito bem… vamos combinar as regras, hein? Voê já viu que hoje vamos por caminhos estranhos. Este aqui é o episódio 1000 do Café Brasil. Significa 1000 semanas. 230 meses. 19 anos. Algo em torno de 30.000 minutos, ou 500 horas de conteúdo publicado. Se você começasse a ouvir todos os episódios agora, sem parar nem pra ir no banheiro, só terminaria daqui a 20 dias.

Nem nós aqui temos a dimensão do tamanho disso…

Olha, preparar este episódio aqui foi como atravessar um rio de lembranças —

com a dor na bagagem e o prazer como horizonte.

Tantas ideias disputavam lugar, cara:

um mergulho em Songs in the Key of Life, do Stevie Wonder…,
… um tributo aos Beatles,
… uma seleção de canções que mudaram o tempo,
… um encontro ao vivo,
… uma retrospectiva vibrante… era um monte de opçoes

Mas, no fim, venceu outra força.
Venceu o Brasil.
Venceu a urgência de dizer, alto e em bom som:
cara, ainda vale ter orgulho de ser brasileiro.

O que você vai ouvir a seguir é uma ode,
um canto,
um suspiro de amor à terra que nos deu voz.

As músicas não seguem ordem cronológica.

Elas surgem como quem surge num samba:
pra dar o tom, provocar a memória,
fazer cócegas na alma.

E no portalcafebrasil.com.br, vamos deixar a playlist,
para quem quiser seguir cantando depois do fim.

Mas antes, é preciso tirar a trilha, Lalá.
Quero que escutem o meu silêncio.

Porque, enquanto eu escrevia estas linhas,
o mundo lá fora ardia.

O calor da política subiu feito febre.
O assassinato de Charlie Kirk acendeu faíscas de intolerância.

As redes sociais viraram ringues.

Artistas que antes me encantavam —

músicos que embalaram minha vida —
viraram arautos de um rancor sem tamanho.

Doía ouvir suas vozes.
Doía mais ainda imaginar suas mãos,
que outrora compunham esperança,
apontando dedos como se fossem armas.

E eu pensei: cara, eu vou tirar essa turma desse episódio.
Eu não quero suas canções aqui
Não quero brindar memórias com quem despreza o próprio povo.

E eu tirei.
E o episódio ficou oco.
Com falhas, com buracos que nem a melhor edição conseguiu disfarçar.

Mas aí veio a madrugada.
Veio a reflexão.
Veio aquele velho conselho que eu aprendi com a vida:
não se joga fora a beleza por causa da feiura de quem a criou.

Vou repetir,
não se joga fora a beleza por causa da feiura de quem a criou.

Eu voltei atrás.
Incluí cada um. Ou quase.

Não por eles —
mas por mim.

Pelas lembranças, pelas histórias, pelos significados.

Porque ninguém tem o direito de roubar minhas memórias.
Nem mesmo os próprios autores delas.

Eu sei que muita gente vai deixar o ódio vencer.
Vai esquecer que a arte é ponte,
não trincheira.

Paciência.

Este episódio não é manual de instrução.

É um convite.

É um abraço.

É uma celebração.

Então aqui vai o aviso:
deixe o cérebro na geladeira.

O Café Brasil 1000 é para ser ouvido com o coração.

Ouviu? Com o coração.

Deixe de fora as paixões políticas e permita que a riqueza do Brasil tome conta. Se não for assim, não vai valer a pena. Você será apenas uma galinha encurralada. Ou então um garoto perdido entre tribos.

E, cá entre nós… Somos muito mais que isso.

Se você perguntasse a um europeu do século XIX o que era o Brasil, talvez ele dissesse que éramos um erro. Um experimento que não deu certo.

Um país tropical, atrasado, analfabeto, exótico. Onde brancos, negros e índios se misturavam — e isso, na cabeça deles, era sinônimo de degeneração.

O Brasil nasceu como um escândalo para os padrões do mundo ocidental.

Porque não obedecia a lógica da pureza.

A miscigenação, que para os europeus era um problema, virou a nossa maior virtude.

Porque o que nasceu dessa mistura foi uma das culturas mais complexas, ricas e originais do planeta.

É isso que Gilberto Freyre percebeu lá nos anos 1930, em Casa-Grande & Senzala, quando escreveu assim ó:

“O Brasil é a mais complexa e original obra de mistura de raças que o mundo moderno conheceu.”

E mais: ele dizia que essa mistura não apagou as origens africanas, indígenas e europeias.

Pelo contrário: elas se intensificaram no convívio. Se chocaram, sim. Mas se transformaram.

“— O que é aquele berço?”
“— É mais um Severino
que chega para lutar
por um lugar no chão.”

“— E o que ele vai encontrar?”
“— O mesmo que encontrou
seu irmão que já morreu:
fome, sede, cal e chão.”

“— Mas então por que nasceu?”
“— Porque a vida é assim:
do mesmo jeito que vem
o sol, a noite e o capim.”

Recitei um trecho de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, um dos momentos mais potentes da literatura brasileira.

É a fé sem dogma, sem altar, sem liturgia, mas que insiste em existir: uma esperança que resiste mesmo diante da miséria e da morte.

É o Brasil profundo, que nasce porque “a vida é assim”, e segue vivendo com fé — ainda que sem explicação.

No Brasil, a fé não é apenas uma convicção religiosa. Ela é uma estratégia de sobrevivência.

Você pode não ir à missa, ao culto ou ao terreiro, mas cedo ou tarde vai ouvir alguém dizer assim: “Vai com fé.” Ou: “Deus há de ajudar.” Ou “Deus lhe acompanhe!” Ou simplesmente: “Vai dar certo.”

Essa fé que brota do chão rachado do sertão, do asfalto quente da periferia, das filas de hospital e das contas atrasadas.

É a fé do brasileiro — não é teológica, mas é vivida. Não é dogmática, mas é visceral.

E ninguém traduziu isso melhor do que Gilberto Gil, com a sua Andar com Fé.

Gil não fala de uma fé institucional, mas de uma força invisível que empurra o povo pra frente. Uma fé que está no samba, na feira, na reza baixa, no cafezinho com pão e manteiga. Uma fé que é movimento, que é resiliência, que é cultura.

“Fé na maré
Fé no calor da mulher
Fé na lâmina de um punhal…”

https://youtu.be/nzOi3WxLUEU?si=BhS0X9iNZ4HMlVHg

O Brasil é a nação onde o povo acredita que a fé não costuma faiá. E destruir essa crença é muito difícil.

Rubem Alves escreveu assim: “Tudo o que vive é pulsação do sagrado. As aves dos céus, os lírios dos campos… até o mais insignificante grilo, no seu cricri rítmico, é uma música do Grande Mistério. É preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-lo sem nome no assombro da vida.”

Aqui, Cristo divide as ruas com Xangô,
Maria caminha ao lado de Iemanjá.
E ninguém briga por isso.

Cada um tem seu canto, seu culto, sua oferenda.
No terreiro tem tambor.
Na igreja, tem sino.
Mas no coração do povo… tem os dois.

Porque aqui o sagrado é generoso,
e o brasileiro é especialista em acolher.

Um povo que, ao invés de apagar o outro,
aprende a cantar junto.

No Brasil, a fé não tem fronteira:
tem mistura, tem dança, tem sincretismo.

É o Evangelho com dendê,
é o candomblé com terço,
é a reza com atabaque.

Tudo é prece, tudo é ponte.
Tudo é Brasil.
E o brasileiro reza com música.

Aliás, se tem um traço que atravessa o Brasil de ponta a ponta, é a fé.

Ela está nos terreiros e nas catedrais. Nas romarias do sertão e nas casas de oração das grandes cidades. Nos rituais indígenas, nos cultos evangélicos, nas ladainhas católicas, nos toques de atabaque, nos mantras budistas, nos silêncios do espiritismo.

O Brasil é, talvez, o único lugar do mundo onde um católico vai ao terreiro pra “dar uma olhada no karma”, e um evangélico canta “Ave Maria” num casamento sem achar que ofende a própria fé. Onde um ateu respeita a procissão porque sabe que aquilo ali é mais que religião — é identidade. É laço comunitário.

Então, depois de uma toada que emociona a porção vaqueiro nordestino de cada um de nós, você está ouvindo pai e filho, Pery Ribeiro e Herivelto Martins cantando Ave Maria No Morro, composição de Herivelto, um clássico da devoção católica popular nas favelas e subúrbios do Rio de Janeiro…

Nossa religiosidade é diferente. Não é teológica — é visceral. É vivida no corpo, no gesto, na festa, na comida. Não se aprende num tratado, mas no colo da avó.

É uma fé misturada, sincrética, mestiça — como o Brasil.

Claro que há conflitos. Há intolerância, há fanatismo, há abuso da fé. Mas há também algo único: a convivência possível. Em nenhum outro lugar do mundo as religiões africanas resistiram tanto ao tempo e à perseguição quanto aqui. Em nenhum outro lugar as imagens de santos convivem com folhas, ervas e batuques, sem que isso soe absurdo. Em nenhum outro lugar a fé tem tanta cor, som, cheiro e sabor.

No Brasil, fé não é gritaria de púlpito nem promessa de milagre fácil. Fé, pra muita gente, é um silêncio doído. Um deserto necessário. E Gilberto Gil entendeu isso como poucos. Aqui na voz de Margareth Menezes.

“Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz…”

Se Eu Quiser Falar Com Deus é um mergulho. Um esvaziamento. Gil descreve o caminho da fé como uma descida — tirar as sandálias, rasgar vaidades, despir desejos. Encarar a própria pequenez. E talvez por isso essa música fale tanto ao coração do brasileiro.

Porque a fé que a gente conhece por aqui não se faz só de hinos ou cultos. Ela se faz de luta, de perda, de espera. Fé que resiste mesmo quando Deus parece mudo.

Com Deus e Eu No Sertão, que Victor e Leo definiram como “uma canção bela, que fala da relação dele, Victor, e Deus no sertão, em perfeita harmonia, sem exageros, apenas uma linda vida simples no mato”.

Uma linda vida simples no mato…

Ah, essa tradição de acolher o diferente, de partilhar o sagrado, de compreender que ninguém precisa crer igual para caminhar junto. Num mundo que se fragmenta, que se odeia, que transforma crença em trincheira, o Brasil ainda guarda — no fundo da alma — um mapa de convivência. Basta ter coragem de ler.

A gente não nega a herança — a gente cozinha ela até virar feijoada.

E aqui tudo se mistura: o sangue, a fé, a fala, o tambor.

Mas esse “erro” vira arte.

É… quando a fé vira música, dá nisso aí. Elis Regina cantando o Brasil de Renato Teixeira, que caminha de joelhos, que reza, que tropeça, mas que não larga o andor.

“Sou caipira, pirapora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda o trem da minha vida…”

Quem já passou por dor de verdade sabe que essa canção é uma confissão coletiva.

E isso é a música brasileira:

Não é só entretenimento.

É crônica. É denúncia. É memória.

É o grito de quem foi silenciado.

É o aceno de quem ficou.

É o reencontro de quem nunca desistiu.

E é por isso que, em 1939, um brasileiro chamado Ary Barroso compôs aquela que talvez seja a mais ousada canção nacionalista da história da nossa música popular.

“Aquarela do Brasil” nasceu antes da bossa nova,
antes da Tropicália,
antes dos porões da ditadura e dos delírios do ufanismo.

Nasceu no tempo de Vargas,
quando o país ainda engatinhava na ideia de si mesmo,
tentando se olhar no espelho sem baixar os olhos.

Ary Barroso pintou com notas e versos
o que os pincéis ainda não ousavam traçar:
um Brasil que não era vergonha,
um Brasil que podia ser orgulho.

Ele viu um país tropical,
abençoado por Deus e bonito por natureza —
mas não apenas de paisagem vive a beleza.

Ele viu um povo que samba, que reza, que luta e que canta.
E compôs uma oração profana,
um hino paralelo,
um quadro em movimento onde o Brasil,
pela primeira vez, parecia se reconhecer.

E sabe de uma coisa, cara?
Acho que deu certo.
Mesmo que por instantes,
mesmo que entre os compassos de uma orquestra imaginária,
nós nos sentimos grandes.
Nos sentimos Brasil.

Essa música rodou o mundo. Virou trilha da Disney, do cinema americano, virou jazz, virou tema de desfile, de comercial.

Ary Barroso transformou a selva, o céu, o coqueiro e o batuque… em símbolos universais.

O que o povo brasileiro faz com seus traumas é coisa de artista.

A gente apanha e compõe.

Leva rasteira e dança.

Leva esculacho e escreve.

E ainda ri de si mesmo com uma ironia que um não brasileiro nunca vai compreender.

Rararararara… Essa é a Inezita Barroso com a composição imortal de Ochelsis Aguiar Lareano, Marvada Pinga.

Rararar… ninguém ri das nossas mazelas como nós. Bote uma cerveja, uma carninha e pronto! Tá tudo certo…

Aliás… Como é que um país que tem nas raízes a escravidão inventa um ritmo como o samba?

Cara… Como é que um povo que viveu tanta dureza canta com tanto suingue, hein?

Como é que da dor nasce uma festa?

A resposta é simples e assustadora ao mesmo tempo: a gente fez do sofrimento matéria-prima da cultura.

Como escreveu Darcy Ribeiro, em O Povo Brasileiro:

“O Brasil é uma nova Roma. Mas sem imperador, sem coliseu, sem senado. Uma Roma tropical. Morena. Feita de luta, suor e música.”

Só que a nossa Roma é de barro.

E barro, você sabe, quando seca, racha.

Mas quando está vivo… molda. Transforma.

E o brasileiro tem mãos de oleiro.

O Brasil é um país que nunca foi uma coisa só.

Nem branco, nem negro. Nem índio, nem europeu.

Nem moderno, nem arcaico. Nem conservador, nem revolucionário.

O Brasil é… tudo ao mesmo tempo agora.

E essa bagunça aparente, quando a gente olha com atenção, tem ritmo.

Tem cor.

Tem alma.

Tem Tom.

Tem Tim.

Como o povo de Macunaíma, de Mário de Andrade:

Um herói sem nenhum caráter — no bom sentido.

Sem uma identidade fixa, mas cheio de sabedoria e malandragem.

Que reclama, que foge, que ama, que come jabuti com mel.

Um herói que não quer ser europeu nem americano.

Quer ser ele mesmo. Brasileiro.

Ah, Jorge Mautner com seu Maracatu Atômico…

Essa canção nasceu após Jorge ver uma apresentação de maracatu em São Paulo. Com Nelson Jacobina, criou um mosaico de imagens que fala da nossa América tropical. Maracatu Atômico é o grito de quem acredita que o Brasil é cultura viva. É a prova de que podemos juntar raízes, tecnologia e reinvenção sem perder a alma. É o Brasil que quem odeia acha impossível — mas que está pulsando aqui.

Pois é. Queremos ser nós mesmos: brasileiros… E é por isso que, ao contrário de muitos povos que tentaram apagar suas origens, o brasileiro inventou de celebrar as suas.

Aqui a gente não esconde o candomblé — a gente bota o orixá pra dançar com o santo.

A gente não repele o sotaque — a gente inventa um novo.

A gente não traduz Shakespeare — a gente coloca Shakespeare dentro do cordel. E usa como inspiração pra criar nossas próprias narrativas.

Esse é o milagre brasileiro.

Não é um milagre político.

Não é econômico.

Não é institucional.

É cultural.

E por isso é invencível.

A mistura que criamos aqui é irreversível.

E ela é a nossa obra-prima.

Bem, o comentário do ouvinte hoje será diferente, cara. Vou trazer aquele que mais me impactou nestes 19 anos de Café Brasil. Foi publicado num episódio lá de 2015, se não me engano. Eu me lembro do dia em que recebi essa mensagem e dos longos minutos de reflexão depois de ouvi-la.

Prepare-se.

Olá, Luciano. Meu nome é Giana e esse é o meu depoimento do melhor podcast do Brasil.

Em dezembro de 2011, meu filho Pedro, de um ano e onze meses, internou para fazer transplante autólogo de medula. Estava em tratamento há oito meses, buscando a cura de um câncer, neuroblastoma. Eu e ele ficaríamos internados trinta dias.

Numa noite difícil de extrema solidão e dor, um amigo me mandou o link do seu Café Brasil e escreveu: ouça o episódio 275.

Agora ao contar posso reviver cada detalhe daquele momento. Estava deitada de costas, apoiada num travesseiro. Pedro estava deitado de bruços sobre o meu peito. Coloquei o fone e apertei o play. Minha alma estava destruída. Eu estava exausta. 

Ao som de sua voz chorei. Chorei. Chorei por mim, pelo Pedro, por minha filha e meu marido que estavam longe.

Foi como se a música e eu, e algum momento, tivéssemos nos unidos. Eu era a dor daquele homem, mas não tinha matado ninguém. Foi inexplicável.

Quando acabou, coloquei o Pedro na cama e ouvi o 275, Bohemian Rhapsody mais duas vezes seguidas. Passei dezembro, experimentando outros episódios e repetindo esse.

Depois da alta, em janeiro de 2013, nunca mais ouvi nenhum podcast seu. Não consigo explicar, só não dava. Hoje, voltei a ouvir sua voz no famoso 275 e pude sentir o peso quente do corpinho frágil do meu pequeno Pedro, que partiu há 11 meses e 18 dias.

Pude sentir as lágrimas daquele momento, que foi um extravaso dos meus sentimentos e emoções de tudo que vivia naqueles dias tão difíceis.

Hoje, me senti feliz por ter voltado a ouvir só agora, por ter guardado essa relíquia durante todo o tempo que a vida mais me amargou.

Agora, estou pronta para ser sua mais nova ouvinte e não apenas uma seguidora de Facebook.

Obrigada Luciano pelo 275.

Pois é. Não sei por onde anda a Giana, depois de 10 anos. Não tive mais contato com ela, espero que a vida lhe tenha sido generosa. Tanto quanto ela foi ao enviar aquele depoimento, que tinha de marcar este episódio 1000. Giana, muito obrigado.

O comentário do ouvinte é patrocinado pela Vinho 24 Horas.

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O brasileiro não copia. Ele devora.
Engole o mundo e devolve diferente.
Mistura jazz com batuque, rock com tamborim,
o divino com o profano, a missa com o candomblé.
Somos filhos de mil mundos —
mas é aqui que tudo vira festa.

Aqui, cultura não se choca. Se abraça.
A gente tempera, transforma, reinventa.
É a velha antropofagia de Oswald —
não como selvageria, mas como criação.

E O “Trenzinho do Caipira” que nasceu sem palavras,
mas já dizendo tudo.
Villa-Lobos compôs em 1930
uma viagem sem mapa —
a mistura do barroco de Bach
com a poeira vermelha do Brasil profundo.

É trem que vem de longe,
cortando o mato,
gritando nos trilhos,
anunciando com apito
um país que acorda cedo.

Não é só música não –
é retrato de um Brasil que chacoalha,
que range, que geme,
mas não para.

Lá vai o trem,
cruzando cidades pequenas,
estações esquecidas,
vidas inteiras em movimento.

É o Brasil real,
que não está nas manchetes,
nem nas hashtags,
mas nos vagões lotados de esperança.

Um Brasil que vai —
mesmo devagar,
mesmo no sacolejo —
mas vai.

Décadas depois, Ferreira Gullar escreveu um poema para essa melodia, que foi gravado pelo Boca Livre:

“Lá vai o trem sem destino
Correndo entre as estrelas
E o luar

Vai levando quem sonhou
Vai levando o que já foi
Vai levando essa vida

Devagar…”

Existe uma música que se ouve com os ouvidos.

E outra que se ouve com o corpo.

Mas no Brasil… a música se ouve com a alma.

Porque aqui, a música não é só arte: é linguagem de identidade.

Ela diz quem somos, o que sentimos, de onde viemos.

A música brasileira não foi construída em conservatórios.

Ela nasceu nas senzalas, nos terreiros, nos bares, nos becos, nos acampamentos, nas igrejas de pau a pique.

Ela é filha do improviso, sobrinha do riso, neta da dor.

Fala a verdade: Roberto é Roberto, né?

Quando Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira compuseram Asa Branca, eles não deram apenas à luz uma canção: ergueram a certidão de nascimento emocional do sertão moderno. Um documento invisível, mas gravado no peito, que cada brasileiro deveria carregar para não esquecer de onde brota a nossa fibra.

“Quando olhei a terra ardendo…” — cinco palavras, e já se abre um desfiladeiro de dor: a seca, a partida forçada, a alma em pedaços de quem vai embora sem conseguir soltar as raízes.

Asa Branca é carta de exílio e promessa de retorno. É geografia transformada em canto, economia em lamento, fé em sobrevivência. No sopro da sanfona, o vaqueiro vira diplomata do seu povo, levando respeito, trabalho e dignidade para além da caatinga.

Asa Branca lembra que orgulho não é euforia, é memória com responsabilidade. É olhar para o sertão e enxergar potência onde só parecia haver poeira. É ver o milagre de quem arranca água da pedra, de quem transforma ausência em método, saudade em mapa de retorno, dor em música.

Quando essa sanfona ressoa, o Brasil inteiro aprende que Norte e Sul cabem no mesmo peito.

E que sem o Nordeste, o Brasil desafina.

“Seu dotô os nordestino
têm muita gratidão
pelo auxílio dos sulista
nessa seca do sertão.
Mas dotô, uma esmola
a um homem que é são
ou lhe mata de vergonha
ou vicia o cidadão.”

Patativa do Assaré falou da caridade desumanizadora que humilha e cria dependência, e Gonzaga incorporou a sua Vozes da Seca. Ambos deram voz a um povo.

E esse povo, antes ignorado, virou símbolo.

O forró deixou de ser só festa. Virou geopolítica da emoção.

Que delícia, cara! Esse é o Eliezer Setton, lá de Maceió, com seu Eu Sou O Forró. O Eliezer é um amigo que o podcast me deu, e que sabe fazer do forró, alegria…

E se do sertão veio a seca cantada, da roça veio a filosofia silenciosa.

Aquela sabedoria que não se aprende em faculdade.

Aquela que fala pouco, mas diz tudo.

Pois é… este trecho do texto aqui era para ser falado em cima da canção. Mas o dia em que você me ouvir falar em cima de Tocando Em Frente, você pode me internar, viu?

“Cada um de nós compõe a sua história, e cada ser em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz.”

Tocando em Frente, de Almir Sater e Renato Teixeira não é uma canção não. É uma oração caipira.

Uma oração.

Um lembrete de que a simplicidade não é pobreza: é escolha estética.

É resistência contra o excesso.

E por falar em excesso…

Ahhhh… o Brasil sempre foi um país mesclado, cheio de metamorfoses ambulantes e malucos beleza.

Gente que, como Raul, desafia os enquadramentos, ri da própria desgraça, inventa moda, faz música com sucata e filosofia com piada.

Um povo que não gostava de ser mandado, mas também não vivia de ódio.

Não gostava. Não vivia.

Que desconfiava do poder, mas acreditava piamente no vizinho.

Esse espírito irreverente, livre, criativo — que transformava adversidade em arte — parece que está sumindo.

Em nome de uma guerra que não é nossa, estamos deixando o maluco beleza que existe em cada brasileiro ser domesticado.

Estamos virando fiscais do pensamento alheio.

Nos vigiando, nos enquadrando, nos calando.

Uns aos outros.

Cara, que porrada… Eu já ouvi Cálice um milhão de vezes, mas ela me arrepia até hoje. Eu acho que porque também foi composta como uma oração à liberdade.

O Chico Buarque e o Gilberto Gil que escreveram Cálice, lá em 1973, eram Chico e Gil muito diferentes dos de hoje.  Em 1973 o Brasil vivia tempos muito estranhos. A canção nasceu como uma oração sufocada: um pedido de silêncio que dizia exatamente o contrário. “Pai, afasta de mim esse cálice” — repetido como mantra — é ao mesmo tempo súplica e grito de resistência.

Cálice é oração à liberdade. É hino dos que não aceitam ser emudecidos. É lembrete de que quando se tenta calar o Brasil, ele responde cantando.

Quando um povo é calado e perde a leveza, perde também a capacidade de sonhar junto.

Perde a utopia. Perde a festa. Perde o samba.

E aí, meu amigo… corremos o risco de perder o nosso Brasil.

Cartola escreveu os versos de o Mundo é um moinho, que Cazuza canta, depois de uma vida de trabalho pesado, pobreza, abandono.

Ele transformou o amargor em arte.

E que arte.

O mundo tritura, e o brasileiro compõe.

Com samba, com bossa, com forró, com baião, com embolada, com repente.

Em cada canto do país tem uma música que carrega a memória da terra.

E a gente se joga de corpo e alma…

Djavan, lá das Alagoas, criou uma música que mais parece um código.

É uma combinação de acordes impossíveis e palavras inventadas que fazem sentido mesmo quando a gente não entende.

Porque o Brasil também é isso:

Nem sempre lógico, mas sempre sensível.

“um filho teu não foge à luta…”

Essa frase, isolada, já valeria um hino.

Fé no que virá.

Mesmo sem garantia. Mesmo sem contrato.

Todos juntos, numa só voz, ritmo e esperança. De norte a sul.

Almondegas, lá do Rio Grande do Sul, mandando o recado de José Fogaça, de esperança e de resistência: o vento negro não é destruição pura, mas força vital que limpa o caminho para o novo.

Por isso, toda vez que alguém diz que tem vergonha do Brasil, eu pergunto assim:

– Você já ouviu Luiz Gonzaga?

– Já sentiu Elis cantar?

– Já viu uma criança dançando frevo?

– Já viu uma roda de samba que começa num boteco e termina em lágrimas?

Pois é, cara.

Quando a política falha, a cultura popular segura.

Quando o Estado falta, o povo canta.

E enquanto houver música neste país…

Ainda haverá Brasil.

Pena Branca, Xavantinho e Milton Nascimento… pode isso, hein?

O brasileiro vive na borda.

Na borda da lei.

Na borda da estrutura.

Na borda do orçamento.

E é dessa borda que ele puxa soluções que nenhum engenheiro projetaria.

Porque aqui, quando falta peça, a gente inventa.

Quando não tem manual, a gente improvisa.

Quando tudo desaba… a gente dá um jeito.

Devagar…devagarinho…

Rarararar… o brasileiro é isso.

Devagar, devagar, devagarinho a gente acredita que chega lá.

O brasileiro acredita. Deus há de ajudar. O santo há de segurar. Nossa Senhora há de zelar.

O brasileiro parece ter um estoque infinito de esperança.

Aliás, Zeca Pagodinho talvez tenha escrito a maior filosofia popular brasileira dos últimos tempos:

“Deixa a vida me levar, vida leva eu.”

Parece conformismo, cara. Mas não é.

É resiliência existencial, rararararar

É o jeito brasileiro de dizer: “tá ruim, mas eu vou junto. Eu me viro. Eu não paro.”

Isso não é pouca coisa não.

O brasileiro acredita na sorte.

“Ano passado eu morri, mas esse ano aqui eu não morro”…

Belchior, com Sujeito de Sorte, aponta que cada dia, milhões de brasileiros precisam ser criativos pra sobreviver. Fala de resiliência.

Não pra inovar no Vale do Silício, mas pra pagar o gás, reaproveitar o feijão, colar a chinela com prego, dar aula sem quadro negro, montar barraca de pastel com caixote de feira.

A cultura do improviso nasceu da escassez.

Mas virou marca registrada.

A gente ri de tragédia, transforma palavrão em piada, improvisa meme em menos de 10 segundos.

O brasileiro vive num eterno episódio de stand-up coletivo, com roteiro colaborativo e final aberto.

Chico Buarque captou a resiliência no operário da Construção.

Aquele que “morreu na contramão atrapalhando o tráfego”.

Um homem simples que sustentava o mundo com cimento e poesia.

E quando caiu, ninguém viu.

Mas a música viu.

A arte viu.

E é isso que a cultura faz: ela eterniza o que a sociedade descarta.

Sabe aquele menino da periferia que monta computador com sucata?

A mulher que cria três filhos com salário de diarista e ainda faz bolo pra vender?

O vendedor de sinal que faz mágica com bolinha de sabão?

Pois é. Esses são os gênios invisíveis do Brasil.

Fico louco, xingo, quebro o pau
Só você me faz a cabeça
A gente sofre tanto, vive muito mal
Espero que você não se esqueça

Itamar Assumpção no Lira Paulistana… que privilégio ser brasileiro naquela hora…

O improviso, que tanta gente ridiculariza, é a prova da inteligência emocional, prática e estética do povo.

É claro, o “jeitinho brasileiro” também foi corrompido.

Virou desculpa pra furar fila, burlar regra, enganar o outro.

Mas esse é o lado degenerado da coisa.

O jeitinho original… era arte.

Era criatividade.

Era gambiarra como solução e não como fraude.

E essa capacidade de improviso está em tudo.

No carnaval, quando um carro alegórico quebra e a escola continua sorrindo.

No futebol de várzea, quando o campo é de terra e a trave é de chinelo.

No teatro de rua, quando a iluminação é o sol e a cortina é um lençol preso com pregador.

Cara, tinha tudo pra dar errado…

Enquanto o mundo valoriza o planejamento metódico, o brasileiro responde com improviso harmônico.

Enquanto lá fora a inovação vem de laboratórios, aqui ela vem do quintal.

Tudo é superlativo, excessivo, grandioso… e ao mesmo tempo raso, rápido e com quase nenhum senso de proporção.

Ariano Suassuna faz um raio X perfeito: “do mesmo jeito que o brasileiro me entusiasma, a arte distribuída é de quarta categoria”.

Sim… estamos nos transformando naquilo que comemos.

E quando tudo parece perdido… a gente dá risada.

Parece alienação.

Mas é estratégia de sobrevivência emocional.

Como dizia Ariano Suassuna:

“O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso.”

O brasileiro é esse realista esperançoso.

Como cantam Sá e Guarabyra,

Quer virar pássaro e rolar no ar no ar
Quer virar pássaro e sumir ir ir ir
Pois sabe que a realidade é dura, mas continua rindo.
Improvisando.
Criando.
E seguindo

https://www.instagram.com/reel/DM75FieM6dH/?utm_source=ig_web_copy_linkv

Você ouviu Caçador de Mim, na interpretação sofrida de Chelsea Shemale, numa madrugada em uma rua qualquer de São Paulo.


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Vamos então ao nosso merchan? Mil episódios depois eu continuo lembrando que o Café Brasil é uma produção independente, sem ligação com sites poderosos, com editoras, com milionários, com bilionários, com jornais, com qualquer organização poderosa. Aliás, se tivesse qualquer relação de dependência, eu duvido que conseguisse fazer um episódio como este.

Aqui é nóis por nóis, nóis e ocês. Você faz ideia do que é seguir com este projeto por 19 anos? Bancando do jeito que dá? Quantas vezes dá vontade de parar… mas a gente levanta e segue.

Sem você a gente não consegue ir muito longe, sabe? A gente precisa muito de quem gosta do nosso trabalho, mas que faça mais do que simplesmente ouvir e dar tapinhas nas costas, dizer muito bem, muito bem. Não cara, você tem que ir além.

Aperta o botão aí: mundocafebrasil.com. Escolha um plano, torne-se um assinante do Café Brasil. Vários ouvintes juntos são vários assinantes juntos, cada um pagando um pouquinho a gente faz um poucão e continua a tocar esse trabalho aqui adiante. Rumo ao 2000. que tal?

Vai lá: mundocafebrasil.com.

Nenhum povo pode se orgulhar de si mesmo se não souber contar sua própria história.

E aqui no Brasil, quem contou nossas histórias com mais verdade, mais beleza e mais brutalidade… foi a literatura.

A gente costuma pensar que literatura é coisa de elite, de vestibular, de erudição.

Não, não é.

A literatura brasileira é sangue escrito.

É o que resta da alma quando tudo o mais já foi saqueado.

Guimarães Rosa não escreveu romances.

Escreveu desertos de linguagem, onde o sertão é menos lugar e mais destino.

Onde cada palavra parece inventada — mas na verdade, estava oculta dentro da fala do povo.

Em Grande Sertão: Veredas, Riobaldo filosofa mais do que muito professor de universidade:

“Viver é muito perigoso.

“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa. Sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”

É isso, meu amigo.

A vida quer da gente coragem.

E o brasileiro… ah, esse já nasceu de parto difícil.

Quem mais canta dor de cotovelo que nem brasileiro, hein? Aliás, qualquer dor…

E quem entendeu essas dores com precisão cirúrgica foi João Cabral de Melo Neto, em Morte e Vida Severina.

Um poema dramático em que o retirante se apresenta assim:

“Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina
a de abrandar estas pedras
suando muito em cima.”

Aqui não tem lirismo escapista.

Tem a poesia da sobrevivência.

A vida miúda. A morte cotidiana.

Mas ainda assim… um fio de esperança que brota como mandacaru depois da chuva.

E se João Cabral tratava a vida com secura, Carlos Drummond de Andrade tratava com ironia e melancolia.

Em “José”, ele pergunta cara:

“E agora, José?”

Uma pergunta que serve para todas as manhãs de segunda-feira no Brasil.

E em A Máquina do Mundo, Drummond nos convida a ver o invisível, a caminhar mesmo sem mapa, mesmo sem garantia.

Tem gente que acha que Drummond é triste.

Mas tristeza também é uma forma de lucidez.

Porque amar o Brasil não significa achar que ele é perfeito.

Significa não desistir dele, apesar de tudo.

Como aquele parente complicado que te envergonha no churrasco, mas que você defende se alguém de fora falar mal.

Os Mutantes, lá em 1970, já anunciavam uma inquietação que atravessa gerações de brasileiros:

“não vou mais ser João-Ninguém
eu vou correndo
buscar a glória, a minha glória…”

Era o grito debochado de uma juventude que se recusava a caber em caixinhas, que rejeitava o destino medíocre de ser apenas mais um. Um Brasil que queria se reinventar, mesmo tropeçando, mesmo sem saber bem para onde ia.

E então surge Clarice Lispector, como se respondesse a esse mesmo chamado — mas em sussurro de alma:

“Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar.

Se os Mutantes cantavam a recusa de ser “João-Ninguém”, Clarice mostrava a fluidez de ser “muitos alguéns”.

Clarice não descreve o Brasil de fora pra dentro: ela abre a carne e expõe a contradição que pulsa por dentro.

Sua escrita é como um dedo tocando a ferida invisível: essa angústia flutuante que todo brasileiro conhece — a de ser demais e de ser pouco ao mesmo tempo, de ser forte e frágil, de ser brisa e ventania, de não caber em nenhum molde… mas ainda assim insistir em existir.

Algo que Tom Jobim e Aloysio de Oliveira deram de presente pra Elis…

Agora Heitor Villa Lobos pelo Quinteto Armorial, que é uma obra de… Ariano Suassuna.

O profeta da brasilidade.

Um sujeito que se recusou a se render à lógica da importação cultural.

Que acreditava que o sertão era mais complexo que Nova York.

“O Brasil real é o Brasil do povo. O Brasil oficial é uma caricatura importada, artificial, de um país que não existe,” dizia ele.

Ariano fundou o Movimento Armorial.

Um esforço para mostrar que o Brasil profundo — aquele da viola, do aboio, da xilogravura — é sofisticado, é filosófico, é universal.

E ele disse mais:

“O grande problema do Brasil não é ser atrasado. O problema é ele querer ser moderno com base numa modernidade que não nos pertence.”

Olha só.

Ele já estava denunciando o copy-cola cultural que assola a alma brasileira.

Rarrarararar… Baby Consuelo ou Baby do Brasil, cantando Carmem Miranda.. só podia ser aqui, né? No Brasil.

Pois é… Ler a literatura brasileira é recuperar nossa dignidade simbólica.

É lembrar que temos uma linguagem própria.

Um ritmo.

Um modo de contar.

E que isso, por si só, já é motivo de orgulho.

O brasileiro cria como quem improvisa receita na cozinha: começa com dois ingredientes que fazem sentido e, no meio, mistura tudo o que vem à cabeça. Foi assim que Chico César contou ter escrito À Primeira Vista. Ele tinha um começo e um fim — “Quando eu não tinha nada eu quis” e “quando vi você me apaixonei”. O resto, no meio, eram delírios, frases soltas, “quandos” esquisitos que ele mesmo chamou de maluquices da cabeça. Até perceber que, no fundo, havia uma lógica escondida: era uma canção de amor.

É assim que a gente cria, sem partir de um manual, mas da intuição. Do tropeço, do improviso, do excesso. No meio da aparente bagunça, uma linha secreta vai costurando tudo. E de repente o que parecia incoerência vira obra. O samba nasceu assim. A feijoada também. O jeitinho brasileiro de criar é esse: não é método científico, é alquimia cultural.

O brasileiro cria como quem vive: aos solavancos, misturando Hendrix e Salif Keita com o forró da Paraíba, Prince com o aboio da roça. E desse caldeirão sai uma coisa universal.

Talvez seja esse o segredo: a gente não planeja a perfeição. A gente se joga — e a beleza aparece no meio do caos.

Por isso dá orgulho… Orgulho de ter Machado de Assis, o mulato pobre que fundou a Academia Brasileira de Letras com a pena mais afiada do século XIX.

Orgulho de ter Cecília Meireles, que escreveu como um anjo letrado.

Orgulho de ter Elomar, que escreve como um trovador do Sertão, inventando palavras como quem planta árvores.

Orgulho de ser Zé…

O Brasil se escreve em muitas vozes.

E todas elas têm algo a dizer.

Quem lê a literatura brasileira, quem ouve a canção brasileira com atenção… não sente vergonha.

Sente pertencimento.

Sente admiração.

Sente orgulho de existir aqui.

Quando alguém diz que sente vergonha de ser brasileiro, cara, eu não discuto.

Eu escuto.,

Porque essa vegonha não vem à toa.

Ela nasce do desencanto.

Da repetição.

Da sensação de impotência diante de um país que insiste em girar em falso, onde parece que nada melhora, nada se sustenta, nada se corrige.

Mas eu costumo fazer uma pergunta:

Vergonha de quê, exatamente, hein?

Da política?

Da economia?

Dos escândalos?

Do noticiário?

Pois saiba que isso não é o Brasil inteiro, não.

Isso é a superfície.

É o ruído.

É a espuma.

É desilusão.

Paulinho da Viola e Marisa Monte cantam: desilusão brasileiro cura com dança…

O Brasil de verdade está nas camadas mais profundas.

Está no povo que acorda cedo e dorme cansado.

No mestre de capoeira que ensina disciplina com ginga.

No músico de rua que toca Villa-Lobos sem saber que é Villa-Lobos.

Na mãe que cria filho sozinha sem perder a ternura nem o tom de voz.

O Brasil de verdade não grita no Twitter, aliás, no X.

Ele sussurra no terreiro.

Ele reza em romaria.

Ele chora na beira do rio.

Ele dança quando chove.

Ele canta no ônibus.

Ele escreve poesia em papel de pão.

Gonzaguinha afirmou:

“Eu fico com a pureza da resposta das crianças: é a vida, é bonita, e é bonita.”

Pois é.

O Brasil é bonito.

Não o Brasil das propagandas de banco.

Mas o Brasil que inventa beleza com o que tem.

Que não desiste.

Que zomba da própria dor sem perder a fé.

E isso, meu amigo, é poder.

O orgulho de ser brasileiro não é automático não.

Não é herança.

Não vem no RG nem na camiseta da Copa.

Ele é construído.

Com cultura.

Com memória.

Com escuta.

Com leitura.

Com coragem de olhar pros nossos próprios olhos e dizer assim:

“Sim, somos falhos. Mas também somos imensos.”

O sucesso de Disparada é o retrato do Brasil. Theo de Barros e Geraldo Vandré compuseram uma crítica social poderosa com a metáfora do gado e o boiadeiro.

E deram para um sambista, Jair Rodrigues, cantar.

Cara… nada a ver! Um sambista? O resultado foi o primeiro lugar no II Festival da Música Popular e um dos mais poderosos gritos já compostos no Brasil.

Como disse João Ubaldo Ribeiro, em Viva o Povo Brasileiro:

“O povo brasileiro é um povo difícil de governar, mas também é um povo difícil de destruir.”

Difícil de destruir porque canta.

Porque dança.

Porque inventa.

Porque sonha — mesmo com um pesadelo ao lado.

Porque vive — e vive com força.

Este episódio do Café Brasil não é um panfleto.

É um lembrete.

Um lembrete de que o Brasil que importa não se resume aos que mandam, mas aos que fazem.

Um lembrete de que cultura é resistência.

Que arte é permanência.

Que memória é ferramenta de reconstrução.

E que somos irremediavelmente simples…

Nós somos os que regam, os que semeiam, os que esperam.

E, às vezes, os que choram ao ver a colheita que nunca vem.

Mas continuamos plantando.

Porque um dia… ela vem.

Orgulho de ser brasileiro não é não ver os defeitos.

É ver todos eles — e ainda assim amar.

Porque o amor verdadeiro não é cego.

Ele é teimoso.

E se você ouviu até aqui…

Talvez esteja lembrando que o Brasil ainda vale a pena.

Que o Brasil ainda pulsa.

Que o Brasil ainda canta.

E que, no fundo, ele é você.

Eu sou brasileiro.

Com tudo que isso significa.

Com dor, com riso, com vergonha, com esperança.

Com os pés no barro… e os olhos no infinito.

E se for pra ter orgulho de alguma coisa neste mundo…

Que seja de continuar aqui.

Com os olhos abertos.

Com o ouvido afinado.

Com a alma inquieta.

E com a voz — brasileira.

 

“A abelha fazendo o mel, vale o tempo que não voou”.

Beto Guedes e Ronaldo Bastos, numa frase só, numa só, definiram o que é ser brasileiro.

Bom, agora preciso sair um pouco da poesia para botar os pés no chão.

Olha… como análise crítica, tô correndo o risco neste episódio de cair na idealização passiva. Talvez eu tenha te emocionado em alguma medida, mas eu não posso deixar você, ouvinte, sem uma âncora prática — uma direção clara de como resgatar esse orgulho em ações cotidianas. Isso é comum em projetos que apostam no afeto como resistência: eles emocionam, mas às vezes não mobilizam. É como a crítica que sempre faço sobre o brasileiro usar esperança como estratégia…

E agora, depois de duas horas respirando cultura, beleza e pertencimento, eu tenho que fazer o que sempre fiz aqui no Café Brasil: provocar.

Não adianta se emocionar com Cartola, Milton ou Suassuna… e continuar compartilhando mentiras no WhatsApp, humilhando quem pensa diferente ou tratando o Brasil como um campo de guerra ideológica.

Se você quer ter orgulho do Brasil cara, vai ter que suar pra isso. Porque orgulho não nasce de grito de torcida, nem de hashtag. Ele é construído em silêncio, no dia a dia, no esforço pessoal de não ser mais um idiota útil a serviço de quem lucra com a nossa divisão.

Você quer saber por onde começar? Tem que ser pela alma…

Quando Ivan Lins cantou “O amor é o meu pais” lá em 1970, a canção se transformou quase num manifesto íntimo. Aquele também era outro Ivan…

Não tem grito de guerra, não tem bandeira, não tem slogan e nem hashtag. Mas tem pátria. Uma pátria construída no campo do afeto. “De você fiz o meu país” — dizia ele. E o país aqui não é um território, não é uma ideologia, não é um projeto de poder. É uma relação.

E é exatamente isso que está faltando no Brasil de hoje: uma relação saudável entre o cidadão e a sua terra. Nós transformamos o país numa abstração burocrática — algo que só existe pra ser explorado ou culpado. E esquecemos que o país somos nós.

O Brasil é a gente.

Quando Paulo Diniz cantou “I don’t want to stay here, I wanna go back to Bahia”, lá em 1969, ele estava homenageando Caetano Veloso que estava autoexilado em Londres. Logo mais ele, Caetano, lutaria pela anistia…

Paulo Diniz fala metaforicamente de um deslocamento interno — aquele sentimento que muitos de nós temos quando perdemos o contato com a cultura que nos formou.

Essa canção é um convite silencioso para abandonar a alienação política e retornar ao sentimento vivo de pertencimento. Assim como a galinha da Cidade de Deus, o país inteiro parece perdido. E é nesses desejos íntimos — mais do que nos gritos — que encontramos a possibilidade de reencontro.

Então… que tal se reconectar com a sua comunidade, hein? Parando de achar que patriotismo é discurso inflamado? Patriotismo é cuidar da calçada, é respeitar o professor da escola pública, é ajudar o vizinho antes do Estado chegar. O Brasil começa na sua rua.

Cara: isso que você ouviu não é inteligência artificial, não. É Elis Regina em 1980, emocionada com o assassinato de John Lennon. Cara… Parece que foi ontem…

Então… É preciso lembrar do que está em jogo quando esquecemos o que é o Brasil de verdade.

E nada melhor que começar a refletir com a voz de Wilson Simonal ao fundo. Simonal foi vítima quando a política se tornou uma guerra de facções.

Quando o Estado se transformou em torre de vigilância.

Quando a sociedade escolheu punir antes de compreender.

Um Estado que só sabe punir, vigiar, apontar e crucificar os seus próprios filhos, não se salva. Ele se deteriora. Ele  apodrece.

Talvez o verdadeiro orgulho de ser brasileiro comece aí: na recusa firme de deixar que o medo, a intolerância e a estupidez sejam nossa lei maior.

Você ouviu um de nossos artistas mais subestimados, Oswaldo Montenegro, com a interpretação definitiva do Hino de Duran, do Chico Buarque. Você prestou atenção, hein?

“Se tu falas muitas palavras sutis
Se gostas de senhas, sussurros, ardis
A lei tem ouvidos pra te delatar
Nas pedras do teu próprio lar”

Não é só sobre ditadura não. É sobre o poder de rotular, de excluir, de vigiar — que sobrevive mesmo depois que os generais saem de cena.

É sobre o risco de normalizarmos o ódio ao “infrator”, ao “diferente”, ao que desafia o discurso dominante.

“Se pensas que pensas
Estás redondamente enganado…”

Bem, você ouviu lá atrás Oswaldo Montenegro cantando Chico Buarque que fala do Brasil vigiado, punido, humilhado. E agora está ouvindo Tony Bizarro dando o grito de alguém que foi marginalizado, sufocado, calado — mas que não perdeu a esperança. E, mais que isso, recuperou a capacidade de dizer: “Vale a pena. Eu ainda estou aqui.”

Essa canção não é sobre fuga. É sobre reconquista. Sobre o momento em que a alma brasileira se recusa a se dobrar.

É como se cada brasileiro que ainda acredita, que ainda constrói, que ainda perdoa, dissesse:

“Se estou sozinho nessa história
E tentei de tudo pra não ficar
Acho que é hora de viver em paz.”

No fim das contas, é isso o que este episódio quer mostrar:

Que apesar de tudo — da política, da ignorância, da raiva, da injustiça —

Ainda há um Brasil vivo. E ele vale a pena.

Saia da bolha, cara. O Brasil real não cabe na sua timeline.

Vá ler João Cabral. Ouça Elis, Jackson do Pandeiro e Belchior. Vá a um centro cultural no Capão Redondo, no Pelourinho, em São José do Egito. Pare de consumir só o que já confirma o que você pensa.

Foque na educação pela beleza. Se a única coisa que você compartilha é meme agressivo, desinformação ou sarcasmo, você não está ajudando. Apresente uma ciranda, um poema, um samba de raiz para uma criança. Isso é plantar Brasil.

Recuse o ódio como linguagem política. Discordar faz parte. Mas quando você começa a torcer pela desgraça alheia só pra ter razão, cara… perdeu a humanidade. Seja duro nas ideias e generoso nas relações. Nenhum extremismo constrói país.

Retome os símbolos. A bandeira é sua. A língua é sua. O vermelho amarelo é seu. A história é sua. Não entregue isso pra partido nenhum. Quem cede os símbolos da identidade nacional está pedindo pra ser colonizado de novo — ideologicamente, culturalmente, economicamente.

Pratique o Brasil. Ser brasileiro não é torcer pra seleção. É pagar os impostos sim, mas cobrar o resultado, sim! É não furar fila. É não se corromper “só porque todo mundo faz”. É parar de chamar de “jeitinho” o que, na verdade, é desonestidade.

Olha, são recomendações pra quem quer ser simplesmente… feliz.

Rarararara…  os Originais do Samba, Do lado direito da rua direita… você viu. Por um segundo, você viu.

Como num sonho, entre vitrines coloridas, brilhou aquele Brasil que a gente sabia que existia.

E, quando tentou se aproximar… perdeu de vista.

Essa canção é sobre um desencontro. Mas é também sobre a esperança de reencontro. Sobre voltar, olhar de novo, procurar entre os rostos desconhecidos aquele que um dia brilhou.

E para manter a pegada do Café Brasil nestes 1000 episódios: seja intransigente com a burrice e com a estupidez. Tolerância não significa conivência com o absurdo. Não aceite que ignorância travestida de opinião vire padrão. Não normalize a estupidez arrogante que rejeita estudo, história, ciência e cultura. Não tenha medo de corrigir, de argumentar, de defender o óbvio. Ser paciente com quem está disposto a aprender é virtude. Ser complacente com a burrice militante é covardia. Quem ama o Brasil não pode mais passar pano para a mediocridade.

Muito bem. Depois de mais de duas horas tentando resgatar nosso orgulho, nossa memória, nossa música, nossa cultura… eu tinha de incluir neste Café Brasil 1000, o Coração Civil, de Milton Nascimento e Fernando Brandt, na voz de Ney Matogrosso e por uma razão singela.

Lá numa sexta feira treze, de maio de 2005, essa foi a primeira canção que tocou no primeiro Café Brasil, quando ainda era só um programa ao vivo na rádio Mundial.

E Coração Civil resume tudo o que ainda precisa ser dito.

“Quero a utopia, quero tudo e mais
Quero a felicidade dos olhos de um pai
Quero a alegria, muita gente feliz
Quero que a justiça reine em meu país…”

Coração Civil foi feita no início dos anos 1980, quando o Brasil buscava sair das sombras. Quando a gente ainda sonhava junto.

É uma canção que não grita, mas abraça. Que não acusa, mas convida. Que não impõe, mas propõe.

Ela fala de um povo que já sofreu demais — e mesmo assim não desistiu.

Fala de um país onde a vida ainda pode ser reinventada.

Um país onde ninguém vai nos tapar a boca. Onde ninguém vai nos calar. Onde ninguém vai nos fazer odiar uns aos outros para sempre.

Porque o Brasil que eu amo ainda está vivo, cara.

Basta a gente querer ouvir.

Não trate com cinismo o que ainda pode ser salvo.

A pior forma de decadência é a da inteligência que desistiu.

Então… não desista.

O Brasil está ferido, mas não está morto.

E se você ouviu até aqui, é porque, no fundo, ainda acredita, cara.

E isso já é um começo.

Olha, eu quero agradecer a você que nos acompanha há muito tempo. Ou que chegou agora. Eu não sei bem definir o que é isto aqui que a gente faz aqui, cara. Não é um trabalho… não é um hobby… tá mais pra missão.

Espero que esta viagem pela cultura do Brasil tenha alavancado um pouco, um pouquinho, um tiquinho só de orgulho em você.

Eu também estou apreensivo com o que tenho visto e ouvido no Brasil. Mas estou chegando aos 70 anos. Já vivi cada crise que parecia a última. E por isso mesmo, acho que eu tenho razão em manter a esperança.

Entendo que se a gente conseguir se desligar desse vírus maldito da política partidária, da mesquinhez ideológica, da sede por dinheiro e poder, talvez possamos retomar aquele espírito dos anos 70, 80 e 90…

Aquele Brasil que, apesar das dificuldades, parecia ter um futuro brilhante diante de si.

Estávamos todos juntos no barco, e sabíamos disso.

Sabe…

No fundo, no fundo, o Brasil nunca saiu de nós.

Ele tá ali… no cheiro do feijão que sobe da panela da vizinha.

Tá na gargalhada solta da criança brincando na calçada.

Tá na lágrima contida diante de uma escola depredada.

Tá no samba, na sanfona, no tamborim…

e também no beat eletrônico que sacode a quebrada.

Tá na umbanda, na missa, no culto evangélico, no candomblé.

No respeito que a gente aprendeu — ou devia ter aprendido — pela fé alheia.

Tá no gesto anônimo de grandeza.

No gari que acorda cedo,

na mãe que não desiste,

no jovem que insiste.

A gente é feito de barro e de ouro, de dor e de festa,

de dúvida e de fé.

E por mais que tentem, por mais que zombem, por mais que destruam,

não vão arrancar de nós o amor por este país.

Fizeram de tudo.

Nos ensinaram a rir da nossa cara,

a ter vergonha da nossa cultura,

a trocar arte por meme,

cidadania por consumo.

Mas a gente não foge da luta.

Porque o Brasil… o Brasil não é Brasília.

É Brumadinho, é Belém, é Bento Ribeiro.

O Brasil é a bodega da esquina,

o barulho da feira,

calor de roda de capoeira.

Se o Brasil tá machucado,

a gente trata.

Se tá injusto, a gente luta.

Se tá preso

A gente solta.

Se tá esquecido, a gente lembra:

o Brasil somos nós.

Nós, que escrevemos a próxima página.

Nós, que cantamos o amor, a dor, a comida, o riso, a fé.

E se tem um hino que vale pra encerrar este episódio mil,

que seja o que nos lembra:

verás que um filho teu não foge à luta.

E que nem teme, quem te adora, a própria morte.

É isso.

A história ainda tá sendo escrita.

E a caneta…

tá na nossa mão.

 

Luísa Sonza, cara? Pois é…

É claro que eu não poderia terminar este episódio 1000 com outra canção, não é? Aliás, é um hino…

Quando Jorge Benjor canta que “moro num país… aliás, quando Jorge Ben canta que “eu moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”… ele não está negando os problemas.

Está lembrando a cada um de nós o motivo pelo qual ainda estamos de pé.

O Brasil aguenta por causa da leveza.

Da ginga.

Da malandragem boa, aquela que não é trapaça, mas sabedoria de sobrevivência.

Jorge Benjor não é um cantor. É um alquimista sonoro.

Ele mistura batuque, groove, futebol, religião e mulher — e sai poesia.

O brasileiro, aliás, é isso:

Tristeza com harmonia.

Ironia com esperança.

Dor com prazer.

Tudo ao mesmo tempo, agora.

Se você tiver dúvidas, ouça outra vez este episódio. Aprecie a riqueza da nossa arte, da nossa poesia, da nossa literatura. As canções que ficaram de fora são suficientes para fazer mais uns 20 episódios como este aqui, mantendo o padrão…

Ouça a riqueza das vozes que nos moldaram, os ritmos que nos sustentaram, os sonhos que nos uniram.

O Brasil não é só a maravilha que Deus fez, não.

O que faz uma nação são as pessoas.

O resto são prédios, árvores, montanhas e animais. Cenário, natureza e obras. Que não têm uma ação racional, intencional e definida na modelagem do futuro. Tudo isso que aí está, ficará como é. Quem escreve a história de um país somos nós. Eu e você.

Progresso, esperança e evolução são coisas de seres humanos.

E é por isso que eu insisto, cara: o orgulho de ser brasileiro precisa ser reconquistado.

Não por ufanismo cego, mas por reconhecimento lúcido.

Afinal, como disse o Buscapé naquela abertura da Cidade de Deus, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

Então não tem alternativa. Precisamos voltar a olhar nos olhos uns dos outros e dizer:

“Tamo junto, cara!”

Porque se o Brasil conseguir se unir…

Ninguém segura.

E lembre-se: na livrariacafebrasil temos mais de 15 mil títulos muito especiais, para quem quer conteúdo que preste! Inclusive o Merdades e Ventiras e o Lderança Nutritiva que acabou de ser lançado e que complementa este episódio aqui de mão cheia. mundocafebrasil.com.

O Café Brasil é produzido por quatro pessoas, às quais eu preciso agradecer neste episódio 1000. A primeira sou eu, Luciano Pires, na direção e apresentação. Muito obrigado pela resistência. Aliás, é antifragilidade mesmo…. A outra é o Lalá Moreira na edição, desde o episódio 70, 40? 46, mais ou menos. Obrigado Lalá, a sua arte sempre fez a diferença. A outra é a Ciça Camargo na produção, desde antes da chegada do Lalá. Tia, muito obrigado.

E a quarta pessoa é você aí, que completa o ciclo. Sem você não existe razão para fazer o Café Brasil. Chegamos no 1000. O que vai acontecer daqui pra frente, sinceramente, não sei.

De onde veio este programa tem muito mais. Torne-se um assinante e mergulhe dentro do Café Brasil Premium no mundocafebrasil.com.

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Para terminar, uma frase de Fernando Brant na voz de Elis Regina:

“Mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre.”