As Engrenagens da Produtividade: Itaú, Unilever e os Bolsões de Mediocridade

Você provavelmente já viu a notícia: o Itaú, maior banco privado do Brasil, demitiu nesta segunda-feira, 8/9, cerca de 2.000 funcionários. A justificativa? Falta de produtividade e problemas de “aderência cultural”. O comunicado oficial dizia, em tom frio, que a decisão foi “criteriosa, considerando diversos aspectos do trabalho e a aderência às necessidades atuais do banco”. Bonito, não? Traduzindo: tinha gente ligando o computador, mas não trabalhando.

Enquanto isso, a Unilever, gigante global dona de marcas como Dove, Hellmann’s e Magnum, anunciou que vai substituir 25% de seus 200 principais executivos. O CEO Fernando Fernandez falou em “bolsões de mediocridade”, “organização inchada” e “cultura de desempenho inconsistente”. Em paralelo, já cortou 18% dos cargos administrativos e promete mais facão até 2026.

Duas histórias diferentes, dois continentes, duas culturas corporativas. Mas um fio condutor as une: a intolerância com a mediocridade.

O verniz corporativo

As empresas desenvolveram uma habilidade invejável: transformar tragédias pessoais em comunicados assépticos. “Aderência cultural”, “produtividade”, “desempenho inconsistente”. Parece manual de boas práticas, mas esconde o óbvio: gente está sendo dispensada porque não entrega.

Peter Drucker dizia que “o que pode ser medido, pode ser melhorado”. O problema é que no home office brasileiro, muitas vezes, nem se mede, nem se melhora — finge-se. No Itaú, a maioria trabalhava em casa. Sem chefe por perto, muitos simplesmente simulavam atividade. E como produtividade não é horas na frente da tela, mas entrega concreta, o banco decidiu que era hora de usar a foice.

Na Unilever, o diagnóstico foi outro. Executivos que confundiam cargo com vitalício, processos emperrados, decisões que não saíam do papel. Como se diz no Brasil: “cachorro com dois donos morre de fome”. Na multinacional, havia muito chefe e pouco resultado.

A inteligência artificial como bode expiatório

Alguém já deve ter cochichado: “Será que isso não é IA? Não estão trocando gente por algoritmo?”. Boa pergunta. Mas, nesse caso, a resposta é não.

A inteligência artificial pode até reescrever relatórios e cruzar dados mais rápido que qualquer analista, mas o problema aqui é mais velho que o Excel: disciplina.

No Itaú, foi gente que se perdeu na ilusão de que home office é sinônimo de “ninguém está vendo”. Na Unilever, foi gente que se agarrou à cadeira e esqueceu que, como dizia Max Gehringer, “cargo não é patrimônio, é função. E função só existe enquanto gera resultado”.

A normalização da mediocridade

A expressão usada pelo CEO da Unilever — “bolsões de mediocridade” — incomoda porque é real. Toda grande empresa tem seus cantos onde o trabalho se arrasta, onde o “sempre foi assim” funciona como colete à prova de mudanças, onde a burocracia garante emprego para quem não entrega nada além de presença em reuniões.

Eu tratei desse fenômeno em Brasileiros Pocotó (2003) e em Nóis… qui Invertemo as Coisa (2009): a mediocrização é uma praga sorrateira. Primeiro um funcionário entrega menos. Depois outro. Logo, a complacência com o vitimismo vira regra. O resultado? Excelência passa a ser exceção.

Há um provérbio português que diz: “Casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão”. Nas corporações, quando falta entrega, todo mundo aponta o dedo, mas poucos assumem a responsabilidade.

Até que alguém olha para os números, compara com os concorrentes e decreta: basta.

O fio que une Itaú e Unilever

O que Itaú e Unilever expõem não tem nada a ver com metaverso, blockchain ou ChatGPT. É um dilema humano e eterno: confiança e disciplina.

O Itaú enfrentou a versão digital da velha malandragem: funcionário que confunde liberdade com ausência de responsabilidade. A Unilever enfrentou a versão executiva da acomodação: líderes que confundem status com eternidade e preferem segurar o trono a entregar resultado.

Ambos, no fundo, estão lidando com a mesma questão: como manter uma cultura de alta performance sem transformar gente em engrenagem descartável?

O espelho incômodo

É fácil criticar bancos e multinacionais. Difícil é admitir que essa mesma lógica atravessa nossa vida pessoal. A mediocridade não nasceu no Itaú ou na Unilever: ela aparece em qualquer rotina onde a disciplina cede espaço para a inércia.

Os cortes nas empresas são brutais porque atingem gente de carne e osso, mas trazem um lembrete inescapável: a complacência cobra um preço. Se no mundo corporativo ela custa empregos, na vida pessoal custa relevância, respeito e, em última instância, liberdade.

Machado de Assis já dizia: “A ocasião faz o furto, e o furto faz o ladrão”. No ambiente corporativo, a ocasião faz a mediocridade — e a mediocridade destrói carreiras.

O Itaú e a Unilever fizeram o que qualquer organismo vivo faz para sobreviver: amputaram o membro necrosado para preservar o corpo. Uma prática comum nos anos 1980 e 1990, quando disciplina e desempenho ainda eram valores inegociáveis. Mas, numa sociedade melindrosa, onde cada corte vira trending topic e cada demissão vira injustiça estrutural, medidas duras soam quase como crueldade.

A lição final

Não se engane: inteligência artificial vai mudar muita coisa, mas não resolve caráter. O que está em jogo não é substituir gente por robô, mas gente acomodada por gente comprometida.

Talvez esse seja o recado incômodo de Itaú e Unilever: a paciência com a ineficiência tem de acabar.