Isca Intelectual: A perfeição é fria. O humano é quente.

Três notas. “Look at me.” E você já sabe que está diante da genialidade.

Sarah Vaughan não canta — ela flutua. Há uma elegância antiga em sua voz, uma dignidade que já não se encontra na música de hoje. Cada interpretação é única, como se a canção tivesse sido escrita só para aquele instante, só para aquela respiração.

Naquela gravação de 1964, em Estocolmo, acompanhada por Kirk Stuart ao piano, Buster Williams no baixo e Georges Hughes na bateria, Sarah transforma Misty — o clássico de Erroll Garner e Johnny Burke — numa confissão de alma. O tempo desacelera, as notas se tornam carícias, e o jazz, em vez de espetáculo, vira oração.

E quando ela começa a conversar com o público, tímida, com um vozinha fraquinha e até mesmo frágil, não dá pistas do que acontecerá na sequência. Veja:

A tradução da letra da música “Misty” depende do artista, mas o refrão principal é geralmente sobre se sentir “nevoento” (misty) e perdido de amor, como na versão de Johnny Mathis“Eu fico nas nuvens, apenas segurando sua mão” e “Eu fico nas nuvens no momento em que você está perto”.

Olhe para mim, estou tão indefesa quanto um gatinho em cima de uma árvore
E sinto que estou agarrada à uma nuvem
Eu não entendo
Fico nas nuvens só de segurar sua mão

Sigo meu caminho
E mil violinos começam a tocar
Ou poderia ser o som do seu olá
Aquela música que ouço
Fico nas nuvens, no momento que você se aproxima

Você não vê que está me seduzindo?
Mas é exatamente isso que eu quero que você faça
Você não percebe o quão desesperadamente perdida estou?
É por isso que estou te seguindo

Sozinha
Eu vagaria por este país das maravilhas sozinha?
Sem reconhecer meu pé direito do meu pé esquerdo
Meu chapéu da minha luva
Eu estou tão nas nuvens, e tão apaixonada

Tão nas nuvens
E tão
Apaixonada

Filha de um carpinteiro e de uma cantora de igreja batista, criada em Newark, a garota que fugia à noite para tocar em clubes clandestinos chega à maturidade como The Divine One: voz comparada às maiores da ópera, reverenciada por músicos do mundo inteiro. Em Misty, Sarah não exibe técnica — ela revela humanidade.

E é aí que mora o poder. Porque o que nos prende não é a perfeição, é a entrega.

O que nos comove não é o virtuosismo, é a coragem de se mostrar inteira diante do público.

E é por isso que Misty continua soando viva mais de sessenta anos depois: ela nos lembra que a verdadeira liderança, como a verdadeira arte, não se repete. Ela acontece.

 

Quatro lições de Liderança Nutritiva que Misty nos ensina

  1. Presença é mais rara que talento.

Sarah Vaughan não estava preocupada em mostrar o que sabia — ela estava inteira naquele momento. Liderança Nutritiva é estar assim: presente, conectado, escutando o ambiente e sentindo o compasso do grupo. Talento impressiona; presença transforma.

  1. A vulnerabilidade é o que humaniza o palco.

Quando Sarah canta “I’m as helpless as a kitten up a tree”, não há disfarce. Ela se entrega à fragilidade — e é isso que nos encanta. Líderes nutritivos entendem que a força está em permitir-se ser visto, sem armaduras, porque é aí que nasce a confiança.

  1. Repetir o sucesso é menos importante que recriar o sentido.

Sarah nunca cantou uma música da mesma forma duas vezes. Cada versão era um novo mergulho. O líder nutritivo sabe que repetir processos sem reinventar os caminhos é sinônimo de estagnação. Ele honra o passado, mas canta o presente.

  1. Harmonia é escuta, não controle.

No jazz, o improviso só funciona quando cada músico ouve o outro. É diálogo em som. Assim também é nas equipes: liderança nutritiva não dita o ritmo sozinha — ela cria o ambiente onde todos tocam juntos e o resultado é maior que o solo.

 

A Isca Intelectual de hoje  fica com um anônimo, ouvido num clube de jazz

“A perfeição é fria. O humano é quente.”

 

Liderança Nutritiva é um conceito que criei para definir aquele tipo de pessoa que não apenas lidera, mas inspira e impulsiona os outros a realizarem. Liderança Nutritiva é sobre transmitir, de forma leve, natural e ética, conhecimento e suporte emocional e social que realmente fazem a diferença na vida pessoal e profissional de quem está por perto. É a combinação perfeita entre provocar mudanças e nutrir o crescimento.

Saiba mais: lucianopires.com.br/palestras/lideranca-nutritiva