Um Beijo

UM BEIJO

 

Era 1951, na primeira novela brasileira, “Sua Vida me Pertence”, Walter Forster e Vida Alves, ao vivo, em preto-e-branco, foram o grande acontecimento daquele veículo que nascia para transformar a cultura brasileira: deram o primeiro beijo em frente às câmeras. Escândalo!!!

Em 2001, cinqüenta anos depois, outro beijo. No programa “Fica Comigo”, na MTV, dois homens beijam-se ao vivo e em cores, fazendo o grande acontecimento daquela emissora que também nasceu para transformar a cultura brasileira. Semanas antes, duas garotas haviam protagonizado a mesma cena, um beijo, bem dado, de língua, despudoradamente gay, no mesmo programa. A mídia falou bastante do assunto, mas não foi um escândalo.

E o Brasil sobreviveu aos dois beijos…

Chegamos em 2005. Na novela de maior audiência da rede de TV de maior audiência, anuncia-se outro beijo gay. De ficção. Dois atores, acho que heterossexuais, representam uma situação de paixão homossexual e no último capítulo selam sua atração com um beijo. De mentira, falso, representado.

Na MTV de 2001 os beijos eram reais, de casais gays que prometiam, no ar, em rede nacional, começar um namoro real. Na Globo de 2005 era beijo falso… E fez-se um escândalo, muito maior que o de 2001. Para piorar ou aliviar, a Globo desiste na última hora de levar o beijo gay ao ar, colocando apenas uma insinuação.

Não quero aqui promover um plebiscito ou referendo pra saber se você é contra ou a favor do beijo gay na TV. Quero apenas provocar duas reflexões.

A primeira: qual a razão do beijo real da MTV despertar menos polêmica que o beijo falso da Globo? A resposta só pode ser: o nível da audiência.

Quem assiste a MTV? Meia dúzia de jovens, transgressores, em busca de contestar o sistema. Beijo gay na MTV não era só normal… Era de se esperar…

E quem assiste a novela da Globo? Milhões de famílias. Interessadas na não-transgressão. Em não ter que explicar para uma criança a situação dos dois barbados se beijando… Isso incomoda…

Conclusão: se o Ibope é baixo, pode. Se o Ibope é alto, não pode.

Segunda reflexão: como é que viemos parar nesta situação, em que admitimos que na TV, em horário nobre, uma pessoa torture, humilhe ou assassine outra pessoa do mesmo sexo, mas não aceitamos que beije?

Independente de sua orientação sexual e convicções, isso não te incomoda?