Café Brasil 204 – Tá esperando?

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E daí? Ta fazendo o quê aí? Esperando, é? Esperando o quê? Esperando quem? E a pessoa que você está esperando está preocupada com você esperando? Também tem a mesma pressa que você? Pois é… Esse é o mal da humanidade: a gente fica esperando… Vamos usar até um texto de Moacyr Scliar para falar dessa nossa incapacidade de reagir aos problemas. O programa começa com uma frase de Marta Medeiros: “Tenho urgência de tudo que deixei para amanhã.” Na trilha sonora, Kleber Albuquerque, Arnaldo Brandão, Água de Moringa, Chico Correa, Orlando Dias, Titãs e Iran Costa. Iran Costa? Pois é… Apresentação de Luciano Pires.

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Bom dia, boa tarde, boa noite! E daí? Ta fazendo o quê aí? Tá esperando, é? Esperando o quê? Esperando quem? E a pessoa que você está esperando está preocupada com você esperando? Também tem a sua pressa? Pois é… Esse é o mal da humanidade: a gente fica esperando…

Pra você não ficar esperando começar o programa, vamos com uma frase de Marta Medeiros?

Tenho urgência de tudo que deixei para amanhã.

Minha filha vai completar 20 anos, uma jovem adulta que começa a ter contato com as relações profissionais. Outro dia perguntei-lhe sobre um curso que a interessava. Veio a resposta:

– To esperando o cara do estágio.

Ela remeteu o currículo para uma empresa e o contato ficou de dar o retorno. E até aquele momento… Nada. E ela não podia se matricular no curso sem saber a resposta sobre o estágio. Por isso esperava.

Espera

I

arrumei a casa, espanei o pó do peito

a tristeza, dei um jeito de escondê-la no capacho

areei os olhos, me quarei lá no riacho

tirei a roupa do tacho e botei tudo no lugar

terça-feira, hoje eu acho que meu amor vai voltar

II

perfumei a casa toda com capim-cidreira

prometi pra padroeira subir a penha à pé

eu encerei os olhos, pus mais água no café

e misturei com a colher e botei tudo no lugar

quinta-feira, tenho fé que meu amor vai voltar

III

arrumei a casa, pus a roupa no varal

desembrulhei o enxoval, pus mais um prato sobre a mesa

remendei os olhos puídos de tanta reza

com toda delicadeza botei tudo no lugar

é domingo, com certeza o meu amor vai voltar

IV

a casa eu arrumei, comi os dedos no rosário

eu rasguei o calendário, eu chorei bastante

enforquei os olhos na linha do horizonte

mas olhei mais adiante e botei tudo no lugar

para o ano, não se espante, meu amor vai voltar!

Opa! Que tal esse balanço? Sabe quem é? Kleber Albuquerque, diretamente do ABC, mais propriamente Santo André, com a deliciosa ESPERA. Filho de operários que estudou música, Kleber cita Nietzche quando autografa seus discos: “Tudo que e reto, mente.”. Kleber Albuquerque no Café Brasil!

Em minha vida profissional sempre deparei com coisas que não aconteciam, os tais “não-eventos”. E ao interpelar o responsável, invariavelmente vinha um “to esperando o fulano”, “to esperando a liberação”, “to esperando o orçamento” e outras variedades de esperas.

Quando ouço o “to esperando” vem-me à mente a imagem de um pobre velhinho no ponto de ônibus, à noite, no frio e chuva, esperando a condução que nunca chega. E vendo a vida indo embora…

“To esperando” é pra quem acredita que “quem espera sempre alcança”…

O tempo não pára

Disparo contra o sol

Sou forte, sou por acaso

Minha metralhadora cheia de mágoas

Eu sou um cara

Cansado de correr

Na direção contrária

Sem pódio de chegada ou beijo de namorada

Eu sou mais um cara

Mas se você achar

Que eu tô derrotado

Saiba que ainda estão rolando os dados

Porque o tempo, o tempo não pára

Dias sim, dias não

Eu vou sobrevivendo sem um arranhão

Da caridade de quem me detesta

A tua piscina tá cheia de ratos

Tuas idéias não correspondem aos fatos

O tempo não pára

Eu vejo o futuro repetir o passado

Eu vejo um museu de grandes novidades

O tempo não pára

Não pára, não, não pára

Eu não tenho data pra comemorar

Às vezes os meus dias são de par em par

Procurando uma agulha num palheiro

Nas noites de frio é melhor nem nascer

Nas de calor, se escolhe: é matar ou morrer

E assim nos tornamos brasileiros

Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro

Transformam o país inteiro num puteiro

Pois assim se ganha mais dinheiro

A tua piscina tá cheia de ratos

Tuas idéias não correspondem aos fatos

O tempo não pára

Eu vejo o futuro repetir o passado

Eu vejo um museu de grandes novidades

O tempo não pára

Não pára, não, não pára

Dias sim, dias não

Eu vou sobrevivendo sem um arranhão

Da caridade de quem me detesta

A tua piscina tá cheia de ratos

Tuas idéias não correspondem aos fatos

O tempo não pára

Eu vejo o futuro repetir o passado

Eu vejo um museu de grandes novidades

O tempo não pára

Não pára, não, não pára

E essa, hein? No podcast vamos ter O TEMPO NÃO PARA, que você cansou de ouvir na voz de Cazuza, mas como aqui é o Café Brasil, você ouve na voz do parceiro de Cazuza na composição: Arnaldo Brandão.

O que vem a seguir é uma adaptação de material que encontrei no site www.momento.com.br  com base no capítulo “A resignação como cumplicidade”, do livro “Não nascemos prontos – provocações filosóficas”, de Mário Sérgio Cortella.

Ao fundo vamos com ESPERE UM POUCO, de Pixinguinha, com o grupo ÁGUA DE MORINGA.

O escritor suíço Denis de Rougemont, um estudioso da ocidentalidade, disse algo que inspirou muitos discursos políticos:

A decadência de uma sociedade começa quando o homem pergunta a si próprio: “O que irá acontecer?”, em vez de perguntar: “O que posso eu fazer?”

São posturas muito diferentes perante a vida.

O filósofo brasileiro Mário Sergio Cortella, ao analisar a questão com maior profundidade, afirma:

“A decadência, seja numa sociedade mais ampla ou outras instâncias, como a família, trabalho, etc. principia quando o imperativo ético da ação é substituído pela acomodação e pela espera desalentada. Muitos, na sociedade moderna, estamos nos acostumando rapidamente com alguns desvios que parecem fatais e inexoravelmente presentes, como se fizessem parte da vida. Assim, nos acostumamos com a violência, com o desemprego, fome, corrupção e outros.

É a prostração como hábito!” – exclama o filósofo.

Como se um conveniente pensar estampado nos rostos e nas palavras disfarçasse uma suposta impotência individual, mas, que no fundo, é egonarcisismo indiretamente conivente.

Tão confortável assim pensar… Confortável e extremamente perigoso.

Felizmente a esperança ainda existe.

Continuando com o texto de Mário Sérgio Cortella.

É importante não confundir a esperança do verbo esperançar, com a esperança do verbo esperar – como sugere Paulo Freire. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, é não desistir! É levar adiante, é nos juntar com outros para fazer de outro modo.

Pode-se ver claramente que a esperança do verbo esperançar é dinâmica, enquanto a outra, a do verbo esperar, é estática, congelada, por vezes covarde…

A esperança nos convida a pensar: Violência? O que posso eu fazer? Desemprego? O que posso eu fazer? Fome? O que posso eu fazer? Corrupção? O que posso eu fazer?

Sempre teremos o que fazer. Sempre teremos uma contribuição a dar, nem que seja pelo nosso exemplo de agir no bem nas pequenas questões do dia-a-dia.

Pois é… Fazer o quê? O que fazer? Quer ver o que disse a respeito o grande escritor brasileiro Moacyr Scliar?

Ao fundo você ouvirá ESPERANDO O DIA PASSAR, com Chico Correa e sua Electronic Band. É um baião-de-viola-sincopado, resultado de outro daqueles liquidificadores brasileiro que junta rock, funk, samba, coco, baião, jazz, hiphop e o que mais aparecer…

Vamos ao texto de Moacyr Scliar

Foi pelo fazer que os americanos chegaram onde chegaram, mesmo que o modelo por eles construído desagrade a muita gente.

Quando o Brasil foi eliminado da Copa, ouviram-se comentários irritados contra Dunga, contra jogadores, contra a CBF.

Mas a frase mais comum foi o clássico Fazer o quê?, marca registrada do fatalismo brasileiro. Perdemos, fazer o quê?

Poderia seguir-se o igualmente habitual seja o que Deus quiser, mas, considerando que o Senhor está um pouco acima das misérias do futebol, as pessoas resolveram, ao menos nesse transe, deixá-Lo em paz.

“Fazer o quê?” faz parte da tradição brasileira. Dá até título a uma composição dos Titãs.

Fazer o que?

Não quero água, eu quero sede
Não quero cabeça, eu quero parede
Não quero água, eu quero sede
Não quero cabeça, eu quero parede
Fazer o que, eu vou fazer o que
Fazer o que, o que é que eu posso fazer?
Fazer o que, eu vou fazer o que
Fazer o que, o que é que eu posso fazer?
Não é pior do que parece ser
Não é pior do que parece ser
Foda-se!
Foda-se!

Notem que nem a poderosa denominação de Titãs, que evoca os mitológicos gigantes da Grécia antiga, salvou o grupo do desamparo.

No caso, esse desamparo resulta, não do destino, mas de uma invencível compulsão. O cara que prefere a sede à água, o cara que prefere, à cabeça, a parede que vai rachar a cabeça, esse cara realmente vai se ferrar, mas não pode evitá-lo: é o seu jeito de ser, fazer o quê? Aliás, é muito simbólico que este “quê” seja, de acordo com a ortografia de 1943, acentuado. O “que” aí não é a mera conjunção é um termo significativo, por causa do enigma que envolve, e que resulta em desamparo para a pessoa que pergunta: “Fazer o quê?”.

Por definição, trata-se de uma pergunta sem resposta, o símbolo da resignação. Uma resignação que, aliás, até ajuda as pessoas, impedindo-as de cair no desespero.

Numa crônica, Fernando Sabino fala de sua empregada que, numa daquelas chuvaradas devastadoras, perdeu o barraco onde morava. Além do “fazer o quê?”, a mulher produziu uma reflexão consoladora: pelo menos, ela disse, não vai faltar água para a lavoura.

Espera um pouco mais

Espera um pouco mais

Meus carinhos serão teus

Em meus braços tu terás

Sonhos divinais

Espera um pouco mais

O dia há de chegar

Em que tua boca em minha boca

Unirá num só momento

O corpo e o pensamento

Num romance singular

Espera um pouco mais

Domina esta paixão

Mera ilusão

Desejo apenas

Espera um pouco mais

A vida continua

Serei teu eternamente

Minha vida será tua.

Que tal? No podcast, você vai ouvir Orlando Dias com ESPERA UM POUCO MAIS de Waldir Machado… Ta pensando o que? Naquela época isso era uma tremenda cantada….

Retornando ao Moacyr Scliar.

“Fazer o quê?” é diferente de “o que fazer?”. Neste último caso trata-se de uma questão objetiva, que exige respostas igualmente objetivas. Neste sentido, é interessante lembrar: O que Fazer? é o título de uma curta e famosa obra de Vladimir Lenin, o líder da revolução russa de 1917.]

Publicado em 1902, o panfleto traçava as diretrizes para a ação revolucionária: era preciso formar um partido voltado para a tomada do poder, pela violência, se necessário. A partir daí os comunistas sabiam que caminho seguir. É claro que este caminho passava pelo stalinismo e depois chegou ao desastre isso mostra que uma pergunta correta nem sempre se acompanha de uma resposta idem.

Mas “fazer” é o verbo. Se a indagação fosse “o que pensar?”, ou, “o que sentir?” resultaria em confusão, não em ajuda.

Pensamentos e sentimentos não dependem da vontade o fazer, sim. Além disso, pensamentos e sentimentos devem se traduzir em ação.

Os americanos, sempre práticos, têm um posicionamento a respeito. Quando alguém se queixa de coisas como tristeza, sensação de inutilidade, desamparo, um americano inevitavelmente dirá: “Do something about it”, faça alguma coisa a respeito, não fique se lamentando. Fazer, numa sociedade eminentemente pragmática, é a coisa básica. Foi pelo fazer que os americanos chegaram onde chegaram, mesmo que o modelo por eles construído desagrade a muita gente.

“Fazer o quê?” serve para o curto prazo, para o momento de perplexidade, de desamparo. Para a vida como um todo, a pergunta correta é “O que fazer?”. Uma pergunta para a qual o Brasil vem dando respostas adequadas, como mostram os indicadores econômicos. No futebol a pergunta não foi feita. Mas a derrota ensinou-nos uma lição. Na próxima Copa, a pergunta não será “Fazer o quê?”, mas sim “O que fazer?”. E aí se trata de encontrar técnicos e jogadores que respondam adequadamente a essa decisiva (ao menos no Brasil) questão.

Só de sacanagem

Meu coração está aos pulos!
Quantas vezes minha esperança será posta à prova?
Por quantas provas terá ela que passar?
Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam
entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, que reservo
duramente para educar os meninos mais pobres que eu,
para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus
pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e
eu não posso mais.
Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança
vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança
vai esperar no cais?
É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o
aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus
brasileiros venha quebrar no nosso nariz.
Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao
conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e
dos justos que os precederam: “Não roubarás”, “Devolva
o lápis do coleguinha”,
” Esse apontador não é seu, minha filhinha”.
Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido
que escutar.
Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca
tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica
ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao
culpado interessará.
Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do
meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear:
mais honesta ainda vou ficar.
Só de sacanagem!
Dirão: “Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo
o mundo rouba” e eu vou dizer: Não importa, será esse
o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu
irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a
quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês.
Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o
escambau.
Dirão: “É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde
o primeiro homem que veio de Portugal”.
Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal.
Eu repito, ouviram? IMORTAL!
Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente
quiser, vai dá para mudar o final!

Você vai ouvir, no podcast, Ana Carolina com o texto Só de sacanagem, que ela leu durante o show que fez com Seu Jorge. Esse texto é um daqueles virais da internet, que todo mundo já ouviu… Mas aqui é o Café Brasil. Que tal ouvir o texto na versão original, na voz da autora, Eliza Lucinda, numa entrevista do programa do Jô?

Hummmm…. olha só…. não dá pra mudar o começo, mas dá pra mudar o final… É só não ficar esperando e saber o que fazer?

E aí, meu? Do something about it!

Fazer minha cabeça

Vou te levar na minha praia
Vou fazer você perder sua cabeça
Vou te levar na minha mala
Vou fazer você fazer minha cabeça
Vou te levar na minha praia
Pra você poder fazer minha cabeça
Pegô, pegô legal
Na galera, na geral
Vou te levar na minha praia
Vou fazer você perder sua cabeça
Vou te levar na minha praia
Pra você fazer minha cabeça
Pegô, pegô legal
Na galera, na geral

E é assim, ao som do Maranhense Iran Costa, de quem você nunca ouviu falar mas que faz um baita sucesso em Portugal, com FAZER MINHA CABEÇA que o podcast Café Brasil que não espera, vai saindo de mansinho…

Com Lalá Moreira na técnica, Ciça Camargo na produção e eu, Luciano Pires na direção e apresentação.

Estiveram conosco Kleber Albuquerque, Arnaldo Brandão, Elisa Lucinda, Ana Carolina, Água de Moringa, Chico Correa, Orlando Dias, Titãs e Iran Costa…

Gostou? Quer mais? Quer saber o que fazer em vez de ficar esperando? Acesse www.portalcafebrasil.com.br, cadastre- se em nossa comunidade e compartilhe das reflexões e ações de gente como a gente.

Pra terminar, que tal uma frase de Henry Ford?

Tenho observado que muita gente vai em frente durante o tempo que outros desperdiçam.

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