“Seu” Pasquim

 

“SEU” PASQUIM

O Pasquim foi um jornal que por treze anos revolucionou o jornalismo brasileiro. Era feito por gente brilhante como Ziraldo, Henfil, Jaguar, Ivan Lessa, Millôr Fernandes…

Eu ficava na banca de jornais esperando a chegada do meu Pasquim, toda semana. Naquele pequeno grande jornal havia idéias, opiniões, conteúdo que explicitava, para um quase adolescente de Bauru, um Brasil muito diferente daquele que eu vivia. Colecionei o jornal por um tempo, até que um dia ele acabou. Para tristeza da gente. Sou um órfão do Pasquim…

Pois bem. Acaba de ser lançado um livro, Antologia do Pasquim. Era tanta minha pressa que deixei de ir até minha livraria favorita, onde o atendente sabe das novidades, me conduz a descobertas, liga para dizer que chegou coisa nova. Parei na primeira loja que encontrei, de uma das grandes redes de livrarias e fui direto para as pilhas de novidades. Olhei, olhei e não achei. Recorri a um dos atendentes. De avental, com um olhar distante. Cabelinho “fashion” educado e prestativo. Perguntei:

– Estou procurando o livro “Antologia do Pasquim”…

E então o mundo ficou em câmera lenta. Enquanto eu dizia a frase, sílaba por sílaba, fui reparando na expressão do rapaz.
-… an…to..lo..gi…a…….do….pas….qui…mmmm……

O rosto dele foi mudando… A expressão de “pois não”, passou a espanto. Depois, a dúvida. E então, a horror. As sobrancelhas elevando-se, as narinas abrindo-se, a boca descendo e tomando aquele formato de quando dizemos “uuuuu”… Tudo em câmera lenta…

Não sei se foi por causa da “antologia” ou do “Pasquim”. O rapaz balbuciou alguma coisa e enquanto nos encaminhávamos ao terminal de consulta, fez a pergunta reveladora:

– Foi ele mesmo que escreveu?

– Ele quem?

– O “seu” Pasquim?

Santa Graúna! O moleque pensou que Pasquim era o nome do escritor! Em sua televisiva cabecinha, o único pasquim possível era o Marcos Pasquim, o ator de novelas da Globo…
Mas o Pasquim (o jornal) acabou vinte anos atrás! O atendente da livraria não tem obrigação de saber de sua existência.
Será?
Eu até poderia dar um desconto, afinal duvido que se ensine algo sobre o Pasquim nas escolas. Mas a Antologia do Pasquim está lá, entre os “dez mais vendidos” que a revista Veja publica toda semana e que é a grande referência das redes de livrarias e da massa de leitores do Brasil.
Bem feito. Quem mandou eu sair pra comprar em qualquer lugar?
E mais uma vez vi um retrato do Brasil na minha frente. O profissional encarregado de orientar os leitores na compra de livros, não sabe sobre livros.
Imaginei que se eu pedisse “Apocalípticos e Integrados”, de Umberto Eco, sairia da loja com um gibi. E se pedisse “Psicologia de Massas do Fascismo”, de Wilhelm Reich, com um livro de culinária.
Agradeci e me mandei. Mas ainda pude ouvir quando o rapaz ofereceu:

– Senhor, tem o Pasquim aqui na revista Caras. Serve?
Pai nosso, que estais no céu…