A real medida da riqueza é quanto você valeria se perdesse todo seu dinheiro. O podcast da semana vai tratar de ricos e pobres. Mas não especificamente do rico que tem dinheiro e do pobre que não tem dinheiro. Vamos um pouquinho além, até com ajuda da escritora gaúcha Martha Medeiros. E talvez você descubra que é um baita milionário… Na trilha sonora, a riqueza de sempre: Nilo Amaro e Seus Cantores de Ébano, Copinha, Duo Assad, João Nogueira e Arnaldo Antunes. Apresentação de Luciano Pires.
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Pra começar, uma frase de um anônimo que é uma porrada:
A real medida de sua riqueza é quanto você valeria se perdesse todo seu dinheiro.
Vou abrir o programa respondendo a um email da ouvinte Juliana Avila, que mandou uma sugestão: Luciano, que tal a criação de uma coletânea de músicas do Café Brasil Pod Cast, esse liquidificador de canções que jamais eu iria ouvir na vida se não estivesse todas as semanas escutando você?
Olha Juliana, essa sua sugestão já foi dada por vários ouvintes. Acontece que estamos lidando com direitos autorais e conseguir e liberação das músicas para produzir um CD é trabalho para quem gosta de sofrer. No Brasil de hoje é quase impossível. Por isso raramente toco um música inteira no programa. Quem sabe um dia, quando formos grandes e poderosos, poderemos fazer algo assim? Por enquanto, vá curtindo nossas iscas intelectuais, ta bem? E já que você gosta dessas coisas loucas que tocamos aqui, vai uma especial…
Romaria
É de sonho e de pó
O destino de um só
Feito eu perdido
Em pensamentos
Sobre o meu cavalo
É de laço e de nó
De jibeira o jiló
Dessa vida
Cumprida a só
O meu pai foi peão
Minha mãe solidão
Meus irmãos
Perderam-se na vida
À custa de aventuras
Descasei, joguei
Investi, desisti
Se há sorte
Eu não sei, nunca vi
Me disseram, porém
Que eu viesse aqui
Prá pedir de
Romaria e prece
Paz nos desaventos
Como eu não sei rezar
Só queria mostrar
Meu olhar, meu olhar
Meu olhar
Sou caipira, pirapora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
Que tal? ROMARIA, o clássico de Renato Teixeira que foi imortalizado por Elis Regina, aqui com Nilo Amaro e seus Cantores de Ébano. Aquelas loucurinhas que você só escuta no Café Brasil…
E já que vamos tratar de riqueza, olha só… Em minha palestra SustentHABILIDADE dedico uma parte importante para falar sobre lucro. É sim, lucro. Quando pensamos em lucro logo vem aquela definição padrão: lucro é o retorno positivo de um investimento feito por um indivíduo nos negócios. É aquela história que sempre vimos: o lucro é o dinheirinho que sobra no bolso do seu Manoel da padaria no final do mês, depois que ele pagou todas as contas. Pois é. Até foi isso um dia, mas as coisas mudaram, sabe? Essa definição antiga abrange apenas um aspecto do lucro: o econômico, o financeiro.
Mas falar de sustentabilidade exige uma definição mais abrangente de lucro. E na palestra eu fico em quatro pontos: os econômicos, os lucros sociais, os ambientais e os culturais. Para alguém ser considerado verdadeiramente rico, é preciso verificar seus lucros nessas quatro categorias.
Lucros econômicos todo mundo sabe o que são, como eu disse antes: é o dinheirinho que sobra no bolso do seu Manoel da padaria no final do ano, após as contas terem sido pagas. Seu Manoel vende, recebe o dinheiro dos clientes, paga as contas necessárias para que a padaria funcione e o que sobrar é o lucro econômico.
Esse lucro é importante. É ele que possibilita a prosperidade, que faz com que os investimentos sejam possíveis, que permite que os filhos de seu Manoel façam compras no shopping. É esse lucro que faz com que a economia gire. O lucro econômico é bom, é necessário, é positivo.
Mas o papel do dinheiro que alguns gostam de chamar de capital sempre foi controverso. Alguns possuem mais dinheiro do que os outros, e o impacto dessa desigualdade acabou gerando discussões morais, filosóficas e religiosas que estão na raiz dos grandes conflitos da humanidade.
Então vamos lá: o lucro obtido de forma honesta, levando me conta e respeitando as outras pessoas, é bom. É necessário. É positivo. O que nos leva para a outra definição: o lucro Social.
Ao fundo, no pocast, você vai ouvir Copinha com o chorinho SOMOS POBRES PORQUE QUERES, que eu já toquei aqui no Café Brasil… Mas é tão bom, que tem que tocar de novo..
O lucro social não é o lucro econômico. O que define o lucro social são as melhorias, os benefícios que um negócio traz para a sociedade.
Recentemente fui fazer palestras na fábrica da Ford em Camaçari, na Bahia. Camaçari sempre foi uma região pobre e a chegada da Ford causou um profundo impacto na região.Hotéis, restaurantes e lojas foram abertos, mudando o perfil do comércio regional.
Os impostos que a Ford passou a pagar, a prefeitura de Camaçari aplicou na região, em educação, saúde, saneamento, etc.
Mas, o mais importante: a chegada da Ford exigiu mão de obra que não existia na região. Com isso foram criadas escolas focadas na formação de profissionais para a fábrica, o que mudou o perfil educacional da região. Essa mudança causará um impacto profundo na sociedade de Camaçari, com o surgimento de empreendedores e o crescimento do nível educacional que afetará as próximas gerações. Esse é o lucro social.
E existe também o lucro ambiental, que está tão em moda. São as consequências positivas da atuação do homem na natureza. Protegendo a natureza, possibilitando que os ecossistemas sobrevivam, ajudando as espécies animais, protegendo rios, etc etc etc. Uma empresa que funciona e causa problemas ao meio ambiente, não tem lucro ambiental, tem um passivo ambiental. Ela causa um prejuízo ao ambiente, que um dia terá que ser pago por alguém.
Empresas conscientes tem o que eu chamei um dia de ativo ambiental: uma riqueza que é proporcionada pelo lucro ambiental: o retorno que ela recebe por meios de benefícios que a natureza nos dá. Água limpa, ar puro, o verde, alimentos saudáveis e tudo mais… Tudo isso compõe o lucro ambiental.
E por fim vem o lucro cultural. É verdade: lucro cultural. O lucro que tem a ver com nossas raízes culturais, com os valores e convicções que definem quem nós somos. Com a história que explica de onde viemos e porque agimos assim ou assado. É impossível tirar lições de um passado que desconhecemos, por isso é importante que nossa cultura seja preservada, apreciada e estudada.
Neste mundo globalizado a questão do lucro cultural é ainda mais importante, pois a tecnologia conecta as pessoas sem barreiras geográficas. É assim que se a gente piscar o grande ícone cultural brasileiros fica sendo… a Lady Gaga…
O lucro cultural surge quando conseguimos a partir de nossas raízes desenvolver os filtros necessários para entender o mundo e fazer as melhores escolhas de acordo com nosso país, nossa realidade, nossas necessidades regionais.
Não consigo resistir a imaginar aquele monte de portugueses chegando ao Brasil tropical com temperaturas de 40 graus, vestidos com veludo, camisas, paletós, capas, meiões… e dando de cara com um monte de índios pelados. Quem estava certo? Com o tempo o pelado dos índios misturou-se aos roupões dos portugueses e criamos roupas adequadas ao país tropical, mantendo características de ambas as culturas.
O lucro cultural está na base de nossa identidade como povo. Não há qualquer traço de xenofobia nessa constatação, apenas um chamado para a importância de sabermos quem somos, de manter nossa identidade num mundo em transformação.
Lucro econômico, lucro social, lucro ambiental, lucro cultural. Quem é verdadeiramente rico? Quem consegue lucrar nos quatro aspectos. Sobre isso, encontrei um texto bem legal da escritora gaúcha Martha Medeiros, chamado OS RICOS-POBRES.
Ao fundo, no podcast, você ouvirá O Prelúdio Nr.2 para violão, de Heitor Villa Lobos. Essa delícia está no cd Villa violão – obra completa para violão solo com o Duo Assad de Sérgio e Odair Assad.
E Martha Medeiros diz assim:
Anos atrás escrevi sobre um apresentador de televisão que ganhava R$ 1 milhão por mês e que em entrevista vangloriava-se de nunca ter lido um livro na vida. Classifiquei-o imediatamente como um exemplo de pessoa pobre.
Agora leio uma declaração do publicitário Washington Olivetto em que ele fala sobre isso de forma exemplar.
Ele diz que há no mundo os ricos-ricos (que têm dinheiro e têm cultura), os pobres-ricos (que não têm dinheiro, mas são agitadores intelectuais, possuem antenas que captam boas e novas idéias) e os ricos-pobres, que são a pior espécie: têm dinheiro, mas não gastam um único tostão da sua fortuna em livrarias, shows ou galerias de arte, apenas torram em futilidades e propagam a ignorância e a grosseria.
Os ricos-ricos movimentam a economia gastando em cultura, educação e viagens, e com isso propagam o que conhecem e divulgam bons hábitos.
Os pobres-ricos não têm saldo invejável no banco, mas são criativos, efervescentes, abertos. A riqueza destes dois grupos está na qualidade da informação que possuem, na sua curiosidade, na inteligência que cultivam e passam adiante. São estes dois grupos que fazem com que uma nação se desenvolva. Infelizmente, são os dois grupos menos representativos da sociedade brasileira.
O que temos aqui no Brasil, em maior número, é um grupo que Olivetto nem mencionou, os pobres-pobres, que devido ao baixíssimo poder aquisitivo e quase inexistente acesso à cultura, infelizmente não ganham, não gastam, não aprendem e não ensinam: ficam à margem, feito zumbis.
E os ricos-pobres, que têm o bolso cheio e poderiam ajudar a fazer deste país um lugar que mereça ser chamado de civilizado, mas que nada: eles só propagam atraso, só propagam arrogância, só propagam sua pobreza de espírito. Exemplos?
Vou começar por uma cena que testemunhei semana passada. Estava dirigindo quando o sinal fechou. Parei atrás de um Audi preto, do ano. Carrão. Dentro, um sujeito de terno e gravata que, cheio de si, não teve dúvida: abriu o vidro automático, amassou uma embalagem de cigarro vazia e a jogou pela janela no meio da rua, como se o asfalto fosse uma lixeira pública. O Audi é só um disfarce que ele pôde comprar, no fundo é um pobretão que só tem a oferecer sua miséria existencial.
Os ricos-pobres não têm verniz, não têm sensibilidade, não têm alcance para ir além do óbvio. Só têm dinheiro. Os ricos-pobres pedem no restaurante o vinho mais caro e tratam o garçom com desdém, vestem-se de Prada e sentam com as pernas abertas, viajam para Paris e não sabem quem foi Degas ou Monet, possuem tevês de plasma em todos os aposentos da casa e só assistem programas de auditório, mandam o filho pra Disney e nunca foram a uma reunião da escola. E, claro, dirigem um Audi e jogam lixo pela janela. Uma esmolinha para eles, pelo amor de Deus.
Dinheiro nenhum
Dinheiro nenhum me paga
O papo da madrugada
Até de manhã chegar
Dinheiro nenhum me paga
O aroma que a flor exala
E o brilho do seu olhar
Cada um tem o seu preço, sim
Todos tem seu ideal
Eu sei bem o que mreço, viu
Não me troco por metal.
Dinheiro nenhum me paga
Da vida não levo nada
Meu sonho é de carnaval
Dinheiro nenhum me paga
Abrir o portão da casa
Beber com os amigos meus
Dinheiro nenhum me paga
O amor da mulher amada
E um beijo dos lábios seus
Vou levando a minha vida assim
Tudo muito natural
Um cavaco e um tamborim
Lá no fundo do quintal
Dinheiro nenhum me paga
Um dia essa luz se apaga
E a história tem seu final
Que delícia… João Nogueira com DINHEIRO NENHUM. É sim…tem coisa que dinheiro nenhum paga….
O Brasil tem saída se deixar de ser preconceituoso com os ricos-ricos (que ganham dinheiro honestamente e sabem que ele serve não só para proporcionar conforto, mas também para promover o conhecimento) e não deixar de valorizar os pobres-ricos, que são aqueles inúmeros indivíduos que fazem malabarismo para sobreviver mas, por outro lado,são interessados em teatro, música, cinema, literatura, moda,esportes, gastronomia, tecnologia e, principalmente, interessados nos outros seres humanos, fazendo da sua cidade um lugar desafiante e empolgante.
É este o luxo de que precisamos, porque luxo é ter recursos para melhorar o mundo que nos coube. E recurso não é só money: é atitude e informação. Atitude e informação, que tal?
Tempos atrás escrevi um artigo em que eu perguntava: de que serve um engenheiro, um médico, um advogado tecnicamente excelentes, mas incapazes de se emocionar com uma música? De apreciar uma poesia? De se encantar com um texto? Gente preparada para ser operacionalmente eficiente mas incapaz de entender o que vai pela alma das pessoas?
Essa gente é rica. Economicamente rica. E só.
Conheço gente que na mora numa casa como a deles, não tem carros do ano como eles, não veste as mesmas roupas que eles… Mas é muito mais rica que eles.
Pense nisso.
E para ajudar a pensar nisso, eu venho com o nosso grande poeta cuiabano Manoel de Barros, que um dia escreveu assim:
A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou – eu não aceito.
Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas
Dinheiro
Dinheiro é um pedaço de papel
O céu é um
O céu na foto é um pedaço de papel,
Pega fogo fácil
Depois de queimar dinheiro vai pro céu
Como fumaça
Também é fácil rasgar
Como as cartas e fotografias
Aí não se usa mais
Porque dinheiro é um pedaço de papel
Um pedaço de papel é um dinheiro
Dinheiro é um pedaço de papel
Pode até remendar com durex
Mas não é todo mundo que aceita
O que não se quer melhor não comprar
O que não se quer mais
Melhor jogar fora do que guardar em casa
Dinheiro tem valor quando se gasta
Um pedaço de papel é um pedaço de papel
Dinheiro não se leva para o céu
E é assim, ao som de DINHEIRO, de Arnaldo Antunes com o próprio – que o Café Brasil de hoje , que falou dos ricos-pobres, pobres-ricos, vai saindo de mansinho.
Estiveram conosco Marta Medeiros, Nilo Amaro e seus Cantores de Ébano, Copinha, Duo Assad, João Nogueira e Arnaldo Antunes. Fala verdade, a trilha sonora é rica, não é?
Com o magnata Lalá Moreira na técnica, a bilionária Ciça Camargo na produção e eu, este Eike Batista das palavras, Luciano Pires, na direção e apresentação.
Gostou? Quer ficar rico de cultura? Cadastre-se na comunidade do Portal Café Brasil www.portalcafebrasil.com.br e fique rico!
Pra terminar, que tal a frase de um dos mais famosos pobres-ricos da humanidade? Mahatma Gandhi que eu já usei aqui:
“Seja a transformação que você quer ver no mundo”
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