Em minha palestra O Meu Everest conto como foi a aventura de seguir a trilha a caminho do Campo Base da maior montanha do mundo, uma desafiadora caminhada de 100 km e altitudes de até 5.500 metros. A estrutura que nos acompanhava era completa, com carregadores, guias e Iaques, os primos dos bois que servem como animais de carga na região.
Os seis guias regionais eram da etnia sherpa, que habita as regiões montanhosas do Nepal. Os Sherpas são originários do Tibete e na língua deles, shyar significa leste e Pa significa povo. Povo do leste. O meu guia era o Lhakpa, que cuidava para que o brasileiro maluco não se matasse na montanha. Lhakpa quer dizer quarta-feira no idioma deles…
Bem, aquele povo é sofrido, vive numa dureza atroz e muitos se dedicam a guiar os turistas nas duas temporadas de escalada (abril-maio e outubro-novembro), obtendo renda para garantir a subsistência durante o ano.
Para aliviar a caminhada, levei comigo um CD Player, trambolho que usávamos pra ouvir música antes de aparecer o Mp3. E na mochila, CDs de Raul Seixas, Caetano, uns sambas e outras coisinhas. Aquele precioso aparelho teve um papel importantíssimo na caminhada, pois me injetou ânimo, ritmo e entusiasmo quando eu mais precisava deles.
De quando em quando os sherpas pediam para ouvir um pouco e se divertiam com sons que para eles eram estranhos. Era evidente o fascínio que eles tinham pelo CD player.
Quando terminamos a viagem, eu estava no quarto da pousada na cidade de Lukla e o Lhakpa chegou carregando parte de minhas coisas. Começava ali um ritual de despedida. Mostrando a coleção de CDs, pedi que escolhesse um de presente. Ele ficou atônito, abriu um imenso sorriso e pegou a trilha sonora do filme The Commitments, agradecendo efusivamente.
Então peguei o CD player e entreguei a ele.
-Take it. It´s yours.
A expressão que ele fez foi de uma felicidade incontida, como se tivesse recebido um automóvel de presente! Um CD Player! Para um sherpa na região do Vale do Khumbu no Nepal. Em 2001! Aquilo era o máximo!
Enquanto eu o observava flutuando escada abaixo, crescia em mim uma sensação de paz e felicidade. Eu estava mais feliz do que ele e isso me deixou surpreso!
Esta semana, lendo sobre a cultura de algumas tribos indígenas dos Estados Unidos tive uma perspectiva diferente sobre a felicidade que senti naquele dia no Nepal.
Os velhos índios dizem que quando você dá para alguém algo que é importante para você, sua vida é renovada. Esse gesto significa que você possui as coisas, não são as coisas que possuem você.
Quem não consegue se desfazer de suas posses, será destruído por elas.
Descobri que o que me deu paz e felicidade não foi presentear o Lhakpa com meu precioso CD Player.
Foi a sensação de liberdade.
Luciano Pires