Café Brasil 108 – Pobreza e Riqueza

Bom dia, boa tarde, boa noite. Ela não gosta de mim, mas é porque eu sou pobre. Eita, voltei com Café Brasil para discutir um pouco sobre o nosso país, nosso pobre país. Mas, será pobre mesmo hein? Para começar a discussão, vamos com uma frase do filosofo chinês Confúcio, “é fácil ser rico sem ser arrogante. Já não é tão fácil ser pobre sem murmurar”.

Osvaldo Coelho da Malásia me escreve um depoimento de impressionar. No fundo você vai ouvir Dança da Lagartixa, com o grupo Choro na Feira. “Sou profissional na área de telecomunicações, trabalho já há 20 anos no exterior como Contractor. Eu sou um brasileiro espião que subi a torre de microondas na década de 70, abandonei o ginásio jubilado no terceiro ano. Aos 19 anos, parei de trabalhar com outros peões, pois achava que poderia fazer algo melhor. Arranjei emprego onde pudesse trabalhar com técnicos e engenheiros, e chupar o cérebro deles. Aí eu vi que eles, apesar de terem saído da Poli e da USP, não estavam com essa bola toda. Resolvi competir com eles e ganhar o dinheiro deles. Eu gastava mais dinheiro com livros do que com comida, eu lia 5 livros por semana. Subi a auxiliar técnico, passei a técnico, daí a técnico sênior. Estudei inglês aos sábados pela manhã por 2 anos e meio, saí do Brasil e fui ser engenheiro de projetos de uma multi alemã na África. Estudei em duas bibliotecas, a do Consulado Americano e a do British Council durante 4 anos dos 8 e meio que eu fiquei lá. Daí passei a supervisor, passei a Project Manager, e hoje eles me chamam de Transmition Project Director. Mas, ganhar mais dinheiro que cara que tem PHD não é o suficiente, ainda quero chegar a presidente de uma companhia antes de parar de fazer esse negócio aqui”.

Você está ouvindo Dias de Luta com o grupo Ira. A composição de Edgard Scandurra. Quando se sabe ouvir, não precisam muitas palavras, muito tempo eu levei para entender que nada sei.

Tem gente que vai achar o Osvaldo um cara sortudo, teve sorte em ser chamado para trabalhar em empresas importantes, sorte em estar no lugar certo e na hora certa, teve sorte de sair do Brasil, teve sorte de ter seu trabalho reconhecido. Teve sorte. Teve sorte, enquanto milhões de azarados estão batendo cabeça e sendo injustiçados aqui no Brasil, mas, será que foi sorte ele decidir aos 19 anos que não queria ficar no meio dos peões, hein? Foi sorte procurar trabalhar com gente mais educada para poder crescer, hein? Foi sorte gastar mais com livros do que com comida? Foi sorte estudar inglês aos sábados por conta própria em bibliotecas? É sorte a sua gana de querer crescer cada vez mais? Tem gente que jura que é sorte. A história do Osvaldo mostra que é possível construir a própria sorte, mesmo partindo de baixo, sem pai rico, sem escola famosa, sem amigos influentes. Você conhece histórias como a dele? Pois nesse país dos conformados, cheio de gente que acha que tudo depende da sorte, do santo, do chefe, do padrinho, o Osvaldo é uma exceção. Sorte dele.

 

Opa, samba de raiz no Café Brasil. Você está ouvindo Sorte do Benedito de Batatinha, com Zé Luiz. Carioca de Santa Tereza, o cantor e compositor Zé Luiz é um dos nomes mais respeitados do samba raiz da atualidade. Aos 62 anos, gravou o seu primeiro disco, Zé Luiz do Império Serrano. Integrou a ala de compositores do Império Serrano e Acadêmicos do Salgueiro. Você já tinha ouvido Zé Luiz, hein? Pois é, só aqui no Café Brasil. Então eu encontro um texto do escritor e empresário João Luiz Mauá, que escreveu vamos falar de riqueza e não de pobreza. Adaptei o texto livremente para funcionar aqui no Café Brasil, até mesmo suavizando, mas que vai incomodar muita gente, ah vai. E ao fundo você ouvirá Desde que o Samba é Samba, de Caetano Veloso, na interpretação de Aderbal Duarte. Aderbal é violinista e compositor. Esta preciosidade está em seu CD Toque com Bossa. Aderbal Duarte do Café Brasil.

Adam Smith, considerado o pai da moderna economia, deu a sua mais famosa obra ainda em pleno Século XVIII, o nome de Uma Investigação Sobre a Natureza e as Causas das Riquezas das Nações. Evidentemente ele não perdeu seu precioso tempo investigando as causas da pobreza das nações, pois sabia que a mesma não tem causas, já que é o estado natural do ser humano, e consequentemente das nações. A pobreza, portanto, é o resultado da inércia. Se você é daquele tipo meio alucinado, que deseja experimentar o sabor da penúria, simplesmente não faça nada. Livre-se dos seus bens, deite-se eternamente em berço esplêndido, como diz a anedota, digo, o hino, e eu garanto que a miséria virá fazer-lhe companhia. Não por acaso, durante a maior parte da história humana, a pobreza foi a norma, a condição natural de nossos antepassados. Extraordinária mesmo é a riqueza. Adam Smith sabia perfeitamente disso desde o Século XVIII, mas infelizmente ainda hoje há muita gente que não compreendeu essa singela questão e continua perguntando equivocadamente o que causa a pobreza?

A resposta mais frequente para essa falsa questão, costuma ser uma completa falácia, “fulano é pobre porque beltrano é rico. Ou a nação X é rica, porque explora a nação Y”. O raciocínio, se é que há algum por trás dessa enormidade, é que existe uma quantidade fixa de riqueza na natureza, da qual os ricos ficam com a maior parte. Isso é um absurdo. De fato, a riqueza é criada pelo homem, através da produção, do empreendedorismo, da especialização e da divisão do trabalho. E acima de tudo, pelo mecanismo de trocas no mercado. Por isso, no lugar de tentar tomar a riqueza dos ricos e redistribuí-la aos pobres, deveríamos implementar as condições necessárias para que o maior número de pobres pudesse juntar-se ao mundo dos criadores de riqueza. Eu vou repetir devagar para que você não entenda errado. Por isso, no lugar de tentar tomar a riqueza dos ricos e redistribuí-la aos pobres, deveríamos implementar as condições necessárias para que o maior número possível de pobres pudesse juntar-se ao mundo dos criadores de riqueza.

As nações pobres da África não vão tornar-se ricas porque os países ocidentais lhes dão esmolas, pelo contrário, elas só sairão da pobreza produzindo e trocando bens e serviços. A verdadeira batalha é criar um ambiente ideal para um enriquecimento das sociedades como um todo, e dessa forma melhorar as condições de vida de todos que nelas vivem. Boa parte das nações do mundo ocidental já venceu essa batalha, e hoje encontra-se sobre o modelo de organização social que se convencionou chamar de capitalismo democrático liberal. O capitalismo democrático liberal prevê um ambiente com poucas restrições a atividade econômica privada, ele desenvolve-se dentro de um sistema que defende o direito à propriedade e o respeito aos contratos. Nesse ambiente, florescerá competição e esforço de empresas e indivíduos.

Olha só, você está ouvindo Almir Sater e sua viola caipira, composição de Tião Carreiro, Lourival dos Santos e Ubiraci, Rio de Lágrimas. Essa música também ficou conhecida como o Rio de Piracicaba.

E voltando ao texto de João Luiz Mauá, no Brasil infelizmente estamos ainda muito longe desse tal capitalismo democrático liberal, temos uma mentalidade avessa ao lucro, extremamente assistencialista. Nutrimos grande admiração pela intervenção do governo na economia. São centenas de milhares de regulamentações, exceções, reservas de mercado, tarifas aduaneiras protecionistas, impostos e taxas às pencas. Sem falar das Legislações Trabalhistas e Sindical, que transformam a contratação de mão-de-obra num ônus pesadíssimo e arriscado. Junte-se a isso um sistema tributário boçal que além de pesado e ineficiente, transforma o contribuinte em empregado do fisco. Enfim, tudo o que o estado brasileiro pode fazer para atrapalhar a livre iniciativa, ele faz e faz com presteza. E o direito de propriedade, hein? Começa achincalhado desde a Constituição Federal, que o coloca subordinado a tal da função social. Qualquer coisa que você possua, inclusive a força do seu trabalho, na verdade pertence ao Estado. E é sua somente porque os príncipes eleitos delegam a você certos privilégios temporários em relação a ela. Como o respeito aos contratos e o Estado de Direito não estão plenamente assentados nem em termos das Leis e da Ética, a falsificação e pirataria correm soltas, sem que a autoridades, os prejudicados e a população em geral tomem qualquer atitude. Basta percorrer as ruas das principais capitais do país para verificar a total impunidade com que os camelos vendem mercadorias pirateadas, quando não contrabandeadas ou roubadas.

Como se vê, ainda temos um longo caminho a percorrer até que consigamos estabelecer no Brasil os requisitos básicos para o nosso progresso. Para início de conversa, será necessário reverter a mentalidade tacanha que impera por essas bandas, cujo mote é a demonização da riqueza e apologia da pobreza como valor moral. Sem isso, nunca chegaremos a parte alguma. Você conhece a piada dos dois operários? Um brasileiro e outro americano que trabalhavam numa obra de rua em Miami, ao verem passar uma Ferrari, o americano cujo pensamento foi certamente moldado pela velha ganancia Yankee diz mesmo, “vou trabalhar muito, de sol a sol se preciso for, até poder comprar um desses”. Já o brasileiro, extravasando toda a sua raiva contra os ricos, vomita, “esse ladrão deve ter roubado muito”.

Ai como a gente é conformado, né? Você ouviu ao som de Cachimbinho, que é o Tomás Cavalcante da Silva e Gerado Mouzinho cantando a embolada Tá Mudando e Vai Mudar, uma história do Brasil.

E ainda sobre pobreza e riqueza, Samuel Johnson, escritor inglês que morreu em 1784, escreveu algo que faz a gente pensar. Quando eu era muito pobre e vivia a perambular por essa cidade Londres, eu era um grande defensor das vantagens da pobreza, embora estivesse ao mesmo tempo aborrecido por ser pobre. Todos os argumentos propostos para sustentar que a pobreza não é um mal, revelam que ela é e evidentemente um grande mal. Você jamais encontrará alguém empenhado a convence-lo de que você poderá viver feliz com uma abundante fortuna. É comum ouvirmos as pessoas comentarem quão miserável deve ser a vida de um rei, e, no entanto, todas elas anseiam por estar no lugar dele.

 

Você está ouvindo Sérgio Cassiano com Pau de Arara, ou Comedor de Gilete de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes, que fez sucesso na voz de Ary Toledo.

E agora uma surpresa de 1960, Rock do Mendigo, de Homero e Sérgio Ivan Ferreira, com Billy Fontana, ou Moacyr Franco.

Pois é, e assim ao som de Moacir Franco e Rock do Mendigo, que o Café Brasil que falou de pobreza e riqueza vai chegando ao fim. Se você não gostou, não perca tempo escrevendo para me xingar de porco capitalista, eu estou ocupado demais trabalhando para gerar riquezas. Hoje tivemos Cachimbinho e Geraldo Mouzinho, Sérgio Cassiano, Almir Sater, Zé Luiz, Aderbal Duarte, o grupo Ira, e Moacyr Franco, pode hein? Com Lalá Moreira na técnica, Ciça Camargo na produção e direção e apresentação de eu, Luciano Pires. Gostou hein? Quer copiar, quer ver as letras das músicas, quer ouvir de novo é? Acesse então www.lucianopires.com.br, está tudo lá.

E para terminar, que tal outra frase do sábio chinês Confúcio hein? Se ele foi apedrejado pela primeira, seria crucificado por esta.

“Se um país é regido pelos princípios da razão, a pobreza e a miséria são objeto de vergonha. Se um país não é regido pelos princípios da razão, a riqueza e as honras são objeto de vergonha”.