Bom dia, boa tarde, boa noite. Vivemos numa sociedade onde todos querem te convencer a fazer algo que traga vantagens para alguém. Seja na compra de um produto ou serviço, na escolha de uma religião ou na eleição de um político. É uma grande competição. E nesse ambiente competitivo, se os argumentos dos “vendedores”são verdadeiros ou não, não tem importância. Desde que você seja convencido. Isso tem um nome, sabe? Sofismo. É esse o mote do programa de hoje. Pra começar, uma frase de Lucas de Clapiers:
Todos os homens nascem sinceros e morrem mentirosos.
Começo o programa ao som de INGÊNUO, com Batista e Convidados…
[tec] ingênuo [/tec]
Basta olhar pro lados e você vai reparar que tudo e todos trabalham para te convencer de uma idéia, um produto, uma postura, uma atividade, uma verdade. Nestes tempos de estresse ideológico então, nunca se viu algo igual. E uma das armas principais utilizadas para nos convencer é aquilo que George Orwell descreveu em seu livro 1984: a novilíngua. Em sua obra-prima, Orwell imaginou um mundo dividido em três grandes blocos (Oceania, Lestásia e Eurásia). Na Oceania (Américas, Inglaterra, Sul da África e Austrália) os cidadãos falavam o inglês, mas todos os documentos eram escritos em novilíngua, o idioma adotado pelo Partido. A novilíngua era utilizada apenas nos artigos internos e oficiais. Os cidadãos utilizavam o inglês tradicional para se comunicar, já que a novilíngua era uma adaptação calculada do idioma britânico. O objetivo da implantação do novo idioma é reduzir o vocabulário ao extremo para diminuir a capacidade de pensamento, tornando as pessoas vulneráveis ao Partido. A cada edição do dicionário de novilíngua menos vocabulários estavam presentes. E com vocabulário cada vez mais pobre, as pessoas tinham dificuldades para comparar as coisas. O Partido previa que em 2050 a novilíngua superasse o inglês como idioma corrente. Assim, não haveria possibilidade de pensamentos conflitantes com os interesses do governo.
[tec] sobe [/tec]
Orwell foi um visionário em seu livro. A intenção da novilingua era promover o “duplipensar”, um estado mental em que dois pensamentos excludentes entre si conseguem coexistir. O tal “duplipensar” está aí. Vivemos um tempo em que os malabarismos lingüísticos conseguem fazer com que um sim signifique um não. É assim que somos apresentados a um programa de proteção aos direitos humanos que prevê a cassação de direitos humanos. Ou um chamado “Comitê da verdade” que só quer a verdade de um lado. Ou o caixa dois sendo transformado em recursos não contabilizados. E assim por diante.
Existe um exército de gente empenhada em nos fazer engolir essas tramóias. Muitos estão na imprensa escrevendo seus artigos bonitos e cheios de amor pra dar. Mas no fundo, a serviço de um programa de poder, que usa a mentira para atingir seus propósitos.
[tec] VOCÊ SÓ MENTE [/tec]
Que tal essa, hein? São Francisco Alves e Aurora Miranda, com VOCÊ SÓ MENTE, DE Helio Rosa e Noel Rosa. Sabe de quando é? 1933…
Pois então, essa gente que quer fazer sua cabeça usa recursos que não são novos, quer ver? Preste atenção neste texto baseado em outro que Gabriela E. Possolli Vesce publicou no www.infoescola.com/filosofia/sofistas/. Ao fundo você ouvirá PRA QUE MENTIR , também de Noel Rosa, em versão instrumental que está no CD Noel, o poeta da Vila…
[tec] PRA QUE MENTIR [/tec]
Na história do pensamento grego houve uma fase muito particular que foi extremamente importante, mas de duração relativamente curta: o período dos sofistas. Esse período compreendeu os séculos IV e V a.C. e envolveu poucos, porém grandes intelectuais, pensadores e cientistas, dentre eles: Demócrito, Protágoras, Górgias e Hipías.
Os sofistas sistematizaram e transmitiram uma série de conhecimentos estudados até os dias de hoje. Dominavam técnicas avançadas de discurso e atraiam muitos aprendizes. Eles não ensinavam em um determinado local, eram conferencistas itinerantes, viajando constantemente. Os sofistas ensinavam uma série de conhecimentos não abordados pela escola regular, como: física, geometria, medicina, astronomia, retórica, artes e a filosofia em si. Antes de mais nada, os sofistas se preocupavam em manejar minuciosamente as técnicas de discurso, a tal ponto que o interlocutor se convencesse rapidamente daquilo que estavam discursando. Para eles não interessava se o que estavam falando era verdadeiro, pois o essencial era conquistar a adesão do público ouvinte.
[tec] sobe [/tec]
A argumentação dos sofistas não se propunha a levar o interlocutor a questionar-se sobre a verdade dos fatos, dos princípios éticos ou dos sentimentos. Ao contrário, buscava reforçar no ouvinte ideologias que fossem aproveitáveis para manipulação do povo.
Porém cabe ressaltar que naquela época os sofistas eram os únicos capazes de desenvolver uma cultura geral aprofundada e ao mesmo tempo formar oradores eficazes.
A filosofia de vida dos sofistas adotava uma visão de mundo extremamente egoísta e utilitária diante dos problemas da atividade prática. Em resumo, os sofistas eram considerados mestres da oratória, que cobravam um alto preço dos cidadão para aplicação e ensino de suas habilidades de discurso, que para os gregos eram fundamentais para a política. Os sofistas defendiam que a verdade surgia por meio do consenso entre os homens.
[tec] sobe [/tec]
A palavra “sofística” deriva do grego sophos, “sábio”. Um “sofista”, etimologicamente falando, é “um homem sábio”, assim como “phílo-sophia” é amor à sabedoria”. Os sofistas trouxeram uma imensa contribuição para a evolução do conhecimento do homem, mas seus métodos não respeitavam princípios éticos. À medida que o tempo foi passando, os sofistas concentraram-se menos na sabedoria e mais na retórica, a arte de tornar convincente – pela argumentação – qualquer causa, boa ou má. Para eles, os fins justificavam os meios. Se os sofistas originais foram homens venerados por sua grande sabedoria, “sofista” hoje é aquele que enfeita mentiras para que pareçam racionais.
Você tem encontrado sofistas por aí?
[tec] VOCÊ SÓ MENTE [/tec]
E agora, hein? É o Grupo Rumo, com VOCÊ SÓ MENTE, outra vez, retirada de um disco delicioso de 1981 chamado RUMO AOS ANTIGOS. A música dos anos trinta trazida para hoje… Grupo Rumo, no Café Brasil.
E então recebo por email um texto chamado “Saiba como reconhecer um sofista e fuja dele! “, escrito por Gilberto Knuttz Soares. Ao fundo você ouvirá MENTIR PRA QUE, DO Professor Pereirinha, interpretada por Naldo Luiz e seu acordeon…
[tec] MENTIR PRA QUE [/tec]
Discutir, argumentar, construir uma tese, e analisar qualquer antítese que nos apresentem é algo essencial. Não só para a convivência com quem está ao nosso redor, mas também porque são justamente aqueles que pensam diferente de nós que trazem outros pontos de vista, é que nos fazem crescer. Ignorá-los é o primeiro passo para o autoexílio. São justamente os que discordam que nos fazem analisar melhor nosso próprio argumento, tornando-o mais forte, ou até mesmo esfarelando-o, nos forçando a tomar uma nova posição. Não interessa, sempre aprendemos mais com quem pensa diferente.
Mas da mesma forma que se isolar e não discutir é algo inválido, discutir sempre também o é. Às vezes são as pequenas intransigências que ficam melhor ignoradas que discutidas, coisas que não levam ninguém à lugar algum. Mas entre todos os tipos de discussão, uma deve-se evitar a todo custo, e esta é discutir qualquer assunto com sofistas.
Se você cursou ensino superior na área de humanas é quase certo que tenha topado com vários sofistas, tal como eu. O sofista é um sujeito irritante, ele gosta de te fazer raiva. Enquanto qualquer ser humano minimante sensato parte de um raciocínio e chega à conclusão através de um desencadeamento lógico de idéias, o sofista molda este desencadeamento de forma a levar a uma conclusão pré-concebida, ignorando as incongruências, dando peso maior ao que lhe fortalece o ponto e deixando de fora ou desdenhando tudo que lhe desfavorece.
[tec] SOBE [/tec]
Sim, o raciocínio sofista é capenga e tendencioso, sua argumentação raramente resiste a uma série de “Por quês?” bem colocados. Mas o sofista afiado é mestre em não colocar seu argumento em teste, antes disso, ele se apresenta como o dono da verdade estabelecida e sempre, sem exceção, vai tentar te colocar na posição de ter que convencê-lo do contrário. E cada argumento que você apresentar será rebatido com instrumentos de retórica, e não raramente ataques pessoais.
E uma discussão que não acrescentará nenhum conhecimento e não expandirá nenhum horizonte, deve ser evitada a todo custo em nome da qualidade de vida e do tempo desperdiçado. Mas, claro, você pode sempre tentar virar o jogo e dar ao sofista o ônus da prova, para derrubá-lo em seu campo, mas isto requer alguma habilidade, muito tempo e paciência.
[tec] vinheta [/tec]
[tec] propaganda [/tec]
[tec] MENTE [/tec]
Olha só. Essa é a Cristina Buarque de Holanda interpretando MENTE, de Eduardo Gudim e Paulo Vanzolini. A música é uma delícia. E a Cristina como o irmão: mal…
Pois vamos então aos termos práticos: como reconhecer um sofista:
- Ele sempre se apresentará como dono da verdade posta, se houver uma argumentação inicial, ela será parcial, talhada para atingir o resultado que ele quer.
- Na discussão, você será colocado na posição do errado, e deverá convencê-lo do seu ponto.
- Seus argumentos serão combatidos com meias verdades e reduções ao absurdo, por mais lógicos que sejam.
- Ataques pessoais são comumente usados, novamente, com meias verdades e reduções ao absurdo.
- O sofista tem prazer em irritá-lo e se regozija com o fato de que você está tentando explicar algo que ele não quer entender.
Claro, nem todo sofista é sempre sofista. Eu e você às vezes agimos desta forma, a diferença entre quem o faz sem querer e quem o faz de propósito é a capacidade de autocrítica e de reconhecer que tomou tal posição.
Como regra pessoal, eu nunca entro em discussão sofista, confesso não ter mais paciência nem tempo a perder com quem não acrescenta. E deixo como dica: viva melhor, nunca discuta com um sofista, e não seja um, para aqueles que convivem com você.
[tec] VERDADE [/tec]
E é assim, ao som de VERDADE, tremendo sucesso de Zeca Pagodinho composto por Nelson Rufino e Carlinhos Santana, que você ouve nas vozes de Caetano Veloso e Gil, que o Café Brasil de hoje vai embora.
Pois então… Vocabulário cada vez mais pobre, malabarismos nas argumentações transformando mentiras em verdades, posições conflitantes, ataques pessoais no lugar de ataques a argumentos… Se você reconheceu a realidade neste programa, bote as barbas de molho. A única forma de escapar dessas armadilhas é neutralizar as armas dos sofistas.
O vocabulário é pobre? Enriqueça o seu. Os argumentos são frágeis? Reforce os seus. Busque cada vez mais conhecimento, perceba os métodos que estão usando pra fazer sua cabeça. Seja mais esperto que eles…
Com Lalá Moreira na técnica Ciça Camargo na produção e eu, Luciano Pires na direção e apresentação.
Estiveram conosco: Batista e convidados, Francisco Alves e Aurora Miranda, Grupo Rumo, Naldo Luiz, Cristina Buarque de Holanda, Caetano Veloso e Gil. A legítima Salada Café Brasil!
Quer mais? Visite WWW.lucianopires.com.br e ouça a rádio Café Brasil!
Pra terminar, uma frase de Frei Benito Feijoo,ensaísta e sábio espanhol:
Dão os sofismas uns nós, como o górdio, mais fáceis de ser cortados do que desatados. Desata-os o estudo. Corta-os o desprezo.