Quando criança, na casa de meu avô Duarte eu invariavelmente me encontrava frente a um exemplar do jornal O Estado de São Paulo de domingo. Imenso, sem ilustrações, chatíssimo. A única coisa que me atraía era a tirinha do Reizinho.
Com o tempo fui aprendendo a apreciar aquele calhamaço, mas uma coisa sempre me incomodou. Os caras faziam um esforço tremendo para produzir aquele jornalzão que, vinte e quatro horas depois, seria o jornal de ontem. Velho, ultrapassado, sem validade, destinado a embrulhar carne ou peixe (sim, naquela época isso era normal), a ser vendido como papel velho. E todo o esforço começava outra vez, pra morrer no dia seguinte.
Quando comecei minha vida profissional essa sensação do vale por 24 horas me assombrava. Meu trabalho era o cartum, eu passava horas bolando a idéia e outro tanto passando para o papel. Publicava o resultado no jornal e… deu. Tinha que começar tudo de novo. Aquilo me parecia burro, um desperdício. Para mim era necessário que o esforço inicial de geração de conteúdo fosse multiplicado. O cartum não podia durar apenas 24 horas. O texto não podia ficar velho depois de publicado.
Um dia virei executivo do segmento de autopeças. Mesmo que minha área fosse a comunicação, os processos daquela grande indústria me rodeavam, e logo reparei que alguns conceitos seriam úteis, especialmente uma coisa que eles chamavam de assets management ou gerenciamento de ativos. Sendo bastante simplista, o gerenciamento de ativos é uma atividade que procura tirar o máximo de cada máquina, de cada processo, de cada propriedade, de cada colaborador. Ele procura eliminar as duplicidades. Por exemplo, se duas fábricas produzem um produto similar, o gerenciamento de ativos é a prática que estuda a possibilidade das duas se transformarem numa só. Assim, duas cozinhas viram uma. Duas seguranças, uma. Dois RHs, um. Dois jardineiros, um. Duas máquinas de café, uma só, etc etc etc.
Apliquei o conceito ao trabalho de gerador de conteúdo e hoje minha maquininha funciona assim: toda sexta-feira produzo um artigo como este, que é distribuído pela internet e transforma-se numa coluna em dezenas de sites, jornais e revistas. Depois ele é resumido e transformado num comentário de rádio. O mesmo artigo também é usado como roteiro do podcast Café Brasil. Eventualmente, inspira um cartum. E ainda pode gerar um bloco para palestra. No final do ano, o artigo é agrupado a outros e transforma-se num livro.
Esse é meu método, o gerenciamento de ativos aplicado à geração de conteúdo. Quando sento para escrever este texto, tenho em mente o artigo, o comentário de rádio, o cartum, o roteiro do programa, a palestra e o livro. E o vídeo, o CD, a camiseta, o adesivo, o programa de televisão… Tudo a partir de um pequeno artigo.
Aplicando o conceito de gerenciamento de ativos montei uma pequena linha de produção que já gerou em torno de 500 artigos, dois livros, centenas de cartuns, 200 podcasts (83 horas de programação), doze palestras e muito, muito mais.
Olhe em volta e veja quanto do trabalho que você está executando neste momento vai se transformar no jornal de ontem dentro de algumas horas. Tem que ser assim?
Meu método de gerenciar ativos reciclando, reaproveitando e adaptando, me ajudou a superar a síndrome do jornal de ontem.
E acabo de descobrir que o nome disso é sustentabilidade…
Luciano Pires