O Brasil está esquizofrênico. É Dr. Jekyll e Mr. Hyde ao mesmo tempo. Mas pressinto que surge por aí um novo brasileiro, distante daquela imagem do bonachão, o macunaíma preguiçoso, indolente e “nem aí”. Vem aí um novo brasileiro, e com ele, um novo eleitor.
Então, para aproveitar o ano de Copa do Mundo e eleições, resolvi fazer um exercício arriscado, adaptar para esse novo eleitor um trecho do texto “Complexo de Vira Latas” que Nelson Rodrigues escreveu pouco antes da Copa de 1958. Olha como ficou:
“Mas vejamos: o eleitor brasileiro tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, ‘não’. Mas eis a verdade:
eu acredito no novo eleitor brasileiro, e pior do que isso: sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto eleitores de outros países, inclusive os ex-fabulosos norte americanos, que apanharam, em eleições nebulosas para presidente. Pois bem: não vi ninguém que se comparasse aos nossos velhos eleitores. Fala-se numa Merkel. Eu contra-argumento com uma Dilma, um Lula, um FHC, Itamar, um Collor, um Sarney…
A pura, a santa verdade é a seguinte: qualquer novo eleitor brasileiro, que se desamarrar de suas inibições e se puser em estado de graça, será algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma:
temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de ‘complexo de vira-latas’. Estou a imaginar o espanto do leitor: ‘O que vem a ser isso?’ Eu explico.
Por ‘complexo de vira-latas’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, na política. Dizer que nós nos julgamos ‘os maiores’ é uma cínica inverdade. Em Brasília, por que perdemos? Por que, diante do quadro político, velho e sarneyzento, o eleitor brasileiro ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Nas últimas eleições, alguns candidatos nos convenceram que eram superiores aos adversários. E com isso levaram a vantagem no embate. Pois bem: perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: porque os políticos nos trataram a pontapés, como se vira-latas fôssemos.
Eu vos digo: o problema do eleitor não é mais de política, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo.
O novo eleitor brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem culhões para dar e vender, lá na eleição. Uma vez que ele se convença disso, ponham-no para correr com os políticos e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota.
Insisto: para o novo eleitor brasileiro, ser ou não ser vira-latas, eis a questão.”
Funcionou?
Luciano Pires
[fcomments]