LíderCast 071 Bene Barbosa

Luciano          Muito bem, mais um LíderCast. Sujeito muito interessante que eu conheci há quatro anos, alguma coisa assim, mas conheci acompanhando o trabalho dele, já vi muita coisa, muito vídeo, muito material, livro dele e acompanhava com muito interesse porque a gente comunga de muitas ideias e por uma dessas, não vou dizer que são coincidências porque a gente provoca essas coisas, eu acabo encontrando em lançamento de livro de terceiros, a gente bate um papo lá e acabamos desenvolvendo uma afinidade mesmo que à distância, mesmo que só por e-mail, mesmo que só por um contato bastante restrito, mas ele aceitou meu convite e está aqui diante de mim. Três perguntas fundamentais para começar o programa e as únicas que são estruturadas, que são as seguintes: seu nome, sua idade e o que é que você faz?

Bene              Bom, meu nome é Bene Barbosa, 46 anos e hoje eu sou presidente do Movimento Viva Brasil trabalho aí com ativismo, vamos dizer assim, não gosto muito dessa palavra, mas é mais ou menos isso.

Luciano          Você é natural de onde Bene?

Bene              De São Paulo.

Luciano          Paulista mesmo?

Bene              Paulista.

Luciano          Nasceu aqui?

Bene              Paulistano.

Luciano          O que você queria ser quando crescesse?

Bene              Delegado. Eu só fiz… na verdade eu só fiz direito para ser delegado, mas depois acabei abandonando a ideia por uma série de fatores aí…

Luciano          Mas o que é isso aí? Família?

Bene              Não, acho que era vocação mesmo, aliás ainda acho que é, é uma das poucas  coisas assim que eu não vou dizer que eu tenho uma frustração, que eu acho que é uma palavra muito forte, mas que se eu não tivesse  seguido o caminho que eu segui, com certeza eu teria sido, é algo que realmente me interessa bastante.

Luciano          Me explica um pouco dessa… eu consigo entender o cara dizer que quer ser astronauta, que quer ser  advogado, que quer ser médico, quer ser corredor de fórmula 1, que ser cantor de funk ostentação, eu consigo entender, delegado, para se incomodar o dia inteiro, para estar na linha de tiro, para estar lidando com bandido o dia inteirinho, que profissão, como é que alguém pode ter gosto por isso?

Bene              É vocação, é vocação, é um chamado, eu acho que como é o do sacerdócio, é algo… não tem explicação, não tem, realmente, explicação, não é uma coisa que eu ah você  vai lá, eu vou fazer porque eu vou ganhar dinheiro o porque eu vou ser famoso, ou porque eu vou ter um monte de benefícios, não, muito pelo  contrário, todo mundo que entra nessa carreira sabe o quanto vai ser duro, eu tenho vários amigos, inclusive alguns que na época que eu estava pensando em ser delegado, até tentaram tirar essa ideia da minha cabeça, mesmo sendo delegados, falaram pô Bene, vai para o outro lado, vai ser promotor, vai ser juiz,  você vai ganha melhor, vai ter muito mais sossego. Mas nunca foi o que eu gostei, a minha ideia inicial realmente era ser delegado de polícia, era alguma, é uma coisa que até hoje me atrai bastante.

Luciano          E você então… tua família não tem ninguém?

Bene              Não tem ninguém.

Luciano          Não tem polícia não tem nada?

Bene              Não tem polícia, não tem advogado, eu sou a ovelha negra.

Luciano          Tem irmãos? Você tem irmãos?

Bene              Não, sou filho único.

Luciano          Me fala do seu pai e da sua mãe, qual é a origem dos dois?

Bene              Os dois são de São Paulo também, minha mãe era dona de casa, trabalhou muito tempo como costureira, foi diarista, meu pai era farmacêutico, teve uma ou duas pequenas empresas, mas acabou quebrando também e já é falecido. Minha mãe é viva até hoje, está aposentada, já esta mais sossegada.

Luciano          Legal. E aí você então se forma em direito, você fez direito em que ramo do direito?

Bene              Eu fiz, minha intenção era penal, o direito penal, criminal, exatamente para a área que eu queria, que era ser delegado de polícia.

Luciano          Pegou o diploma na mão e aí?

Bene              Peguei o diploma, nem prestei OAB porque eu não tinha o menor interesse em advogar, então nem tentei tirar OAB, então eu sou só bacharel em direito, não posso dizer que eu sou advogado, a própria OAB vai me processar se eu fizer isso e o único objetivo era realmente prestar concurso para delegado de polícia, mas aí eu estava em outra, eu estava trabalhando em outra área completamente diferente, minha área profissional de trabalho mesmo sempre foi em TI, em tecnologia da informação, trabalhei muitos anos com sistema, trabalhei com consultoria…

Luciano          Como assim? Ninguém entra em TI por acaso e…  como é que é isso?

Bene              Foi por acaso, pior que foi por acaso, eu sempre… aliás, o único curso que eu fiz foi realmente o de bacharelado porque era obrigatório, eu sempre fui auto didata e o que aconteceu foi o seguinte, eu estava precisando trabalhar, meu pai tinha falecido, a gente estava passando por dificuldades sérias…

Luciano          Que idade você tinha?

Bene              … eu tinha 21, a gente estava passando por dificuldades bastante sérias e eu precisava de emprego eu aí o pai de um amigo meu, que  tinha contato nessa consultoria falou olha, vou tentar te arrumar como assistente de consultoria na área de tributário, sua área de direito, dá para você levar. Falei legal, bacana. Fui lá para a entrevista, gostaram muito de mim, só que não tinha na área tributária, não tinha vaga. Falaram bom, vamos fazer o seguinte, vamos te colocar na área de sistemas como auxiliar, como consultor assistente e depois quando surgir uma vaga no tributário você vai para lá, e acabei ficando três anos e meio, comecei como assistente, saí de lá como consultor pleno, saí para, exatamente, para prestar para delegado de polícia, que acabou não acontecendo.

Luciano          Então a tua formação então você teve de um lado tecnologia, do outro lado  direito, nenhum dos dois era o teu…

Bene              Acabou não sendo nenhum dos dois…

Luciano          … acabou não sendo os dois. E aí, foi para a delegacia, para delegado de polícia, não deu?

Bene              Não deu. Não deu, acabei desistindo no meio, cheguei a prestar um ano, não passei, passei só na primeira fase, não passei na segunda e acabei desistindo, aí eu voltei para a área de tecnologia, passei rapidamente pela área de marketing de uma empresa que precisava de alguém nessa área e eu sempre fui muito enxerido em tudo, acabei indo e ficando um ano na área de marketing também, acabei fazendo um pouquinho de tudo, me tornei coordenador de treinamento para telemarketing, para o pessoal de telemarketing de uma empresa grande, de lá acabei me tornando professor num dos colégios mais conceituados de São Paulo, que é o Colégio São Luís…

Luciano          Professor de?

Bene              … professor de informática.

Luciano          E foi ali então, foi a carreira.

Bene              Eu fazia como curso técnico de informática que tinha no colégio, que era um curso excepcional que era para o pessoal de baixa renda, então era um negócio muito bacana porque era uma molecada muito, mas muito interessada em aprender, em ter alguma coisa nesse sentido e concomitante a isso começou a acontecer a questão dessa minha militância, vamos dizer assim…

Luciano          Pois é, eu não fazia e menor ideia, para mim você era um advogado e que pelas advogâncias da vida veio parar na coisa, não é?

Bene              Não foi, não foi.

Luciano          A gente vai chegar lá, vamos lá. Então você ali, quanto tempo você foi professor lá?

Bene              Eu fiquei três anos.

Luciano          três anos.

Bene              três anos.

Luciano          E aí, como é que você tromba com uma Magnum 44, como é que você tromba com uma Lugger, como é que você tromba com a Taurus, como é que você faz? Como é que se dá isso?

Bene              Eu sempre gostei de armas, sempre, sempre, do mesmo jeito que tem aquele garotinho que só gosta de carrinho e o outro que só gosta de não sei do que, eu sempre gostei de armas, tem uma coisa que até já contei em um dos meus  artigos, que um dia minha mãe chegou para o meu pai e falou assim, ele chamava Benedito também, nossa Bene, o Júnior, que sou eu, o Júnior só pede arma de brinquedo, você não fica preocupado com isso? Meu pai vira e fala assim, o dia que ele pedir boneca eu vou ficar preocupado, coisa bem politicamente correta assim…

Luciano          Ah, hoje em dia…

Bene              … hoje em dia imagina, mas era assim, sempre foi uma paixão, meu pai sempre teve arma em casa, minha mãe sempre teve arma em casa, hoje a gente fala isso, para uma geração que está chegando agora, isso às vezes até soa um pouco estranho, mas na década de 60, 70, eu sou de 70, a década de 70 era algo extremamente comum, era difícil você ter uma casa que não tinha uma arma e eu cresci com isso e cresci vendo aquela arma, nunca como um objeto de violência ou de opressão ou de ameaça, muito pelo contrário, sempre teve ali um objeto de proteção, então quando eu morava, a gente morava na Praia Grande, litoral de São Paulo, meu pai viajava muito, minha mãe ficava sozinha comigo e com meus avós, e ficava lá no criado mudo, na cabeceira da cama lá o 32 que ela tinha caso fosse necessário. Nunca foi…

Luciano          Mas estava lá.

Bene              … mas estava lá.  Então eu cresci, era um objeto para mim tão natural como qualquer outra coisa e eu sempre gostei muito e aí na década de 90 começa toda a história de desarmamento no Brasil eu acabei indo mais a fundo nisso.

Luciano          Sabe, a minha experiência com arma, coisa que eu me lembro é a minha avó, mãe do meu pai, já velhinha, devia ter seus 80 anos, talvez,70 anos, ela trabalhava também, a bolsinha dela tinha dentro uma 22, foi a única vez que eu vi, falava alguém da minha família com uma arma da mão, era minha avó, ela  morava em São Paulo sozinha e a gente lá de Bauru e ela com uma arminha, mas eu também nunca fui adiante, ou seja,  a minha experiência com arma é zero, se eu disser que eu, na minha vida eu dei acho que dois tiros com arma numa chácara de um amigo meu para experimentar a sensação, é o máximo que eu cheguei  perto de uma arma e nunca fui adiante. Mas deixa eu entender, só para quem está nos ouvindo aqui, o Bene hoje é reconhecidamente um dos caras mais ativos aqui no Brasil na questão de defender o combate ao desarmamento, de defender a liberdade que qualquer pessoa tem de ter sua própria arma, evidentemente eu vou tentar no programa aqui não entrar nessa discussão porque não é o objetivo do programa aqui, mas ela é o pano de fundo e não tem como ser e a razão do Bene estar aqui é exatamente, eu quero entender o que o leva a dedicar uma parte da vida dele, uma parte do tempo dele,  uma parte da segurança dele, porque não é  bolinho, para defender uma causa, você está defendendo uma causa, então independente e eu não quero discutir aqui, quem está me ouvindo, eu estou do lado do Bene, sou contra o desarmamento, acho que a pessoa tem que ter liberdade para ter arma, mas não vou discutir isso agora, eu quero entender o que é que leva alguém a se entregar dessa forma para uma causa. Como é que começa isso, Bene, como é o momento em que você olha e fala, vou investir tempo nesse projeto, nessa defesa?

Bene              Foi um continuum, começa no iniciozinho, na década de 90, 91, 92, no primeiro mandato do Fernando Henrique Cardoso que traz essa ideia para o Brasil de não, armas de fogo são ruim, armas de fogo causam crime, armas de fogo matam pessoas e eu olhava isso e falava pô, isso não faz sentido, exatamente por essa visão que eu sempre tive, falei pô, não cola essa ideia de que uma arma transforma alguém num bandido ou num assassino, ou qualquer outra coisa assim, até porque até aquele momento as armas de fogo  nunca tinham sido um problema no Brasil em 500 anos. Então de repente ah não, agora  arma de fogo é a vilã da história e eu já tinha lá minha arma e eu falei pô, mas como assim, isso não faz sentido e aí nos primórdios da internet também, comecinho da década de 90, eu comecei a enviar e-mails para os poucos e raríssimos casos de pessoas que se posicionavam dessa forma contrária ao desarmamento e fui reunindo esse grupo, isso foi crescendo e eu então aprendi a fazer site, nunca tinha mexido com internet,  eu falei não, tenho que aprender a fazer isso aí, fui,  comprei livros, fui atrás, não sei  o quê e fiz o meu primeiro site, que chamava Incorreto, de politicamente incorreto e ali começou,  o negócio começou a crescer, começou ganhar vida própria, começou tomar mais tempo meu até especificamente, principalmente até 2004, quando a gente fundou o movimento viva Brasil.

Luciano          Então me fala um pouquinho desse começo todo, quer dizer, você não pulou num barco que estava andando, você simplesmente olhou, falou bom, não tem ninguém, não tem ninguém agitando, não tem ninguém coordenado, vou eu começar a coordenar isso de alguma forma ou vou botar a minha voz para fora para ser ouvida, vou começar a juntar gente e tudo mais. Isso não ia  ser seu ganha pão, você não ia ganhar dinheiro com isso, você não ia…. mas ia gastar tempo com isso e já sabia que ia arrumar incomodação com isso de montão. O que leva alguém a querer?

Bene              Olha, é acreditar naquilo, muito pelo contrário, eu perdi muita coisa, hoje eu estou numa situação muito melhor do que, óbvio, do que há 20 anos, mas então, quando eu comecei na década de 90, então assim, a primeira coisa, não tinha nem computador em casa e eu não queria ficar usando o computador da empresa para fazer esse tipo de coisa porque eu não achava ético fazer isso, aí fui, comprei lá um computador em 10 vezes, não tinha internet em casa, eu não tinha telefone em casa, eu morava na COHAB de Carapicuíba, COHAB II de Carapicuíba, não tinha nada, na verdade quando a gente mudou para lá, a gente só tinha, eu e minha esposa, a  gente só tinha o fogão e uma geladeira, a gente dormia em um colchãozinho de solteiro, não tinha nem televisão, depois minha sogra que deu para a gente, mas fui lá e investi dinheiro nisso, até não podendo,  mas eu achava necessário e ali de madrugada eu fazia, produzia os conteúdos, fazia as  ilustrações, aprendi a mexer com imagem, aprendi a fazer tudo isso e no dia seguinte chegava mais cedo na empresa e baixava, atualizava o meu site, isso foi crescendo até que em 2000, próximo a 2000, entre  99 e 2000 eu tive dois problemas sérios. O primeiro,  eu havia denunciado um ex presidente da OAB em São Paulo porque ele pregava o desarmamento e aí eu descobri que ele tinha invadido a fazenda dele no interior de São Paulo e tinham roubado um monte de armas dele e mais grave ainda ele estaria, de acordo com o boletim de ocorrência da época, ele estaria negociando com o traficante para recomprar as armas dele de volta e eu fui, joguei isso na internet e tinha, ele era político também, tinha um cara que era do partido dele, mandou para ele, fui chamado na delegacia de crimes pela internet para prestar depoimento, doutor Marcelo Rossi, lembro até hoje, e prestei depoimento, falei não, é isso, isso e isso, reafirmo isso, isso e isso porque se o senhor quiser confirmar o senhor vai na delegacia de tal cidade e o senhor vai ver lá o B.O. e vai ver que e não estou mentindo e realmente não estava, tanto é que não aconteceu nada, não podendo através de um processo, seja civil ou criminal, me ferrar, o que ele fez? Ligou para o presidente da empresa e mandou me demitir e eu fui demitido dessa consultoria, depois, nessa daí eu estava há dois anos, tudo  bem, fui demitido, acho que faz parte do jogo, foi uma posição minha, não sou de ficar, nunca fui de ficar de chororô, ah vou processar a empresa, nunca pensei nisso, fui para a casa correr atrás de emprego, nesse ínterim acontece mais um problema, eu sou diagnosticado com câncer, fui diagnosticado com linfoma não rodkins, ainda bem inicial, já estava em outro emprego, estava trabalhando nessa empresa de telemarketing como ministrando treinamento para o pessoal de telemarketing e já dando aula no Colégio São Luís também…

Luciano          Câncer aonde esse?

Bene              … ele pega nas regiões inguinais, no meu ele apareceu no inguinal da coxa esquerda, ele cria um tumor ali e a tendência é que apareça em outras regiões inguinais e a médica me deu cinco anos, ela falou, você tem cinco anos de vida…

Luciano          Caramba.

Bene              … assim, esse câncer a perspectiva é de cinco anos de vida, normalmente ele dá em pessoas muito velhas, com 75, 80 anos e aí cinco anos para quem tem 80 anos, até que está bom, eu tinha 30, então não era uma perspectiva muito interessante, já tinha a menina, minha filha mais velha, morava de aluguel, todas aquelas complicações, meu pai já era falecido e aí vem aquele negócio, o primeiro, acho que o mais terrível de tudo é você ter que dar a notícia para a sua família.

Luciano          Isso que eu ia te perguntar, Bene, você não é o primeiro que senta aqui, aliás eu tenho histórias aqui fantásticas, como é que é chegar na frente de um médico e o médico te botar e explicar o que é que você tem e você pergunta: é grave doutor? E ele fala, você tem cinco anos de vida?

Bene              É inexplicável, não dá para explicar, na realidade assim, o primeiro diagnóstico que eu tive por telefone, eu estava recém operado, tinha tirado o tumor da minha coxa, eu liguei para o médico e o médico falou assim, você vem aqui com urgência, a hora que o médico falou isso eu falei coisa boa não pode ser, eu falei ó doutor para mim é difícil eu ir hoje, o que que é? Não, você passa aqui. Eu falei, doutor, é câncer? Ele falou é, é câncer, é um tumor maligno, então venha para cá para a gente conversar. Desliguei o telefone, de um lado minha mãe, do outro lado minha mulher, já esperando a notícia, já em prantos, eu falei não, calma, vamos ver o que que dá. E aí comecei o tratamento, recebi o diagnóstico da primeira médica de cinco anos, o prognóstico, você tem cinco anos de vida em média, se tudo der certo, mas mesmo assim falei porra, não vai ser assim, não vai ser assim…

Luciano          Vou brigar.

Bene              … eu nunca acreditei que eu fosse morrer, nunca acreditei, mesmo tempo de internação que eu passei, fiz transplante de medula óssea, quimioterapia de alta dose, me arrebentou inteiro, nunca acreditei, tanto é que assim, eu tinha dois empregos na época, eu me afastei de um, que era o de coordenação de treinamento e fiquei no  colégio São Luís, então eu fazia quimioterapia durante o dia e ia dar aula de noite…

Luciano          Estourado.

Bene              … estourado…

Luciano          Arrebentado.

Bene              … estourado, mas eu não queria parar, eu não queria parar, porém isso me deu uma oportunidade que eu não tinha até então, que era trabalhar esse lado do que viria a ser depois o movimento viva Brasil, dessa campanha aí contra o desarmamento no Brasil porque aí eu tinha tempo, eu recebia pelo INSS, merreca mas recebia, ainda tinha o salário do colégio São Luís, que não era ruim e conseguia, tinha tempo para me empenhar nisso, aí a coisa realmente começou a crescer e estourou.

Luciano          Quanto que essa decisão tua de se manter não só na atividade de professor, mas também nessa outra ocupação que era criar essa coisa que não existe, é responsável pela tua cura?

Bene              Eu acho que muito, eu acho que muito, primeiro que você não para muito para pensar ou pensa o mínimo possível, segundo que você não se entrega, terceiro que eu tive um apoio pô, minha esposa, não tenho nem o que falar, minha filha era pequenininha e agente levou isso numa boa, a gente não se deixou abater, então, por exemplo, eu fiz acho que uns seis meses de quimioterapia e meu cabelo não caiu, ficou completamente normal, então ninguém sabia, eu dizia não, ninguém precisa saber, eu ia dar aula, ninguém sabia que eu estava com câncer, eu não contei para ninguém, falei as pessoas não precisam saber disso nesse momento, não há porquê, nem os alunos, nem os outros professores, nem a coordenação, nem ninguém, eu só realmente abri o jogo quando eu falei agora eu vou ter que me afastar, não dá mais. Aí quando começou a cair meu cabelo e foi engraçado, que eu estava na cama sentado, falei cara, que engraçado, olha só, seis meses de quimioterapia, meu cabelo não cair, puxei dois chumaços assim para os lados, falei está forte, saíram dois chumaços. Me deu um acesso de riso, mas tão grande, minha mulher não sabia se chorava, se ria, se batia em mim, comecei a dar risada que eu achei aquilo tão engraçado acontecer comigo, eu falei bom, vou raspar essa merda porque eu não vou ficar  com aqueles cabelinhos, aqueles fiapos de quem normalmente está fazendo quimioterapia, que primeiro dá um aspecto muito mais doente à pessoa, aquela tentativa de esconder, falei eu não vou, vou raspar isso aqui já e nós fomos para o banheiro, pegar a maquininha de aparar a barba, falei vamos raspar isso aqui, chamamos a minha filha, filmamos, está filmado isso e era naquela época daquela novela que tinha, eu não  vou lembrar o nome da novela, mas tinha a Camila que tinha leucemia e…

Luciano          Carolina Dickman.

Bene              … Carolina Dickman, isso.

Luciano          Aquela cena famosa que ela está chorando.

Bene              … isso, isso, aquela lá, aí minha filha cantando aquela música, eu e ela cantando aquela música, minha mulher putíssima com a gente, brava…

Luciano          E os dois rindo.

Bene              … os dois rindo, filmando e raspando a cabeça, isso está filmado até hoje e ou seja, a gente sempre levou isso da melhor forma possível.

Luciano          Aquela perspectiva dos cinco anos, que a médica te deu, que é aquele momento que você fala o seguinte bom, muito bem, se eu tenho mais cinco, eu mudo todas as prioridades da minha vida, não tenho mais projetos a longo prazo, não vou mais pensar naquela casa que eu ia comprar, porque minha vida vai acabar em cinco anos….

Bene              Não aconteceu.

Luciano          … isso nunca aconteceu com você.

Bene              Não aconteceu, em nenhum momento, posso dizer com a maior tranquilidade no mundo, nunca aconteceu.

Luciano          E isso foi uma escolha sua, não vou deixar que…

Bene              Não, foi absolutamente natural, eu nunca parei para pensar assim não, isso aí não vai acontecer, eu tenho que pensar a longo prazo para não deixar abater, não, simplesmente aconteceu, eu acho que da mesma forma que poderia ter caído numa depressão e me entregado, não foi assim, foi exatamente o oposto, eu vi aquilo e falei não, é mais uma provação, é mais uma coisa para correr atrás e  vamos correr atrás. Aí mudamos, fui para o Hospital do Câncer, o A.C. Camargo, que é referência aqui no Brasil e o médico falou, ele falou ó, temos chance de reverter? Temos. É pequena? É pequena, mas vamos tentar e aí uma das tentativas foi esse transplante de medula óssea, foi um endo transplante, minha própria medula que não estava contaminada foi utilizada para isso, passei quase dois meses internado no hospital e é incrível, porque assim, quando eu entrei no hospital eu vi gente que já estava lá com quadros muito semelhantes ao meu e eu saí de lá e as pessoas estavam lá ainda, ou seja, aminha cura foi uma coisa tão rápida, eu lembro até hoje, quando chegou a médica, fez meu exame de sangue, minhas plaquetas tinham que voltar, que era o sinal que tinha dado certo o transplante, ela chegou, fez o exame, voltou, ela falou ó Benedito, eu vou refazer seu exame que deu errado o resultado, refez, as plaquetas já estavam em cem mil, de um dia para o outro assim, ela falou não, não estava errado, estava certo, você amanhã está de alta porque suas plaquetas estão ok, agora aquele acompanhamento de seis meses, um ano…

Luciano          Como é que é a hora dessa a notícia?

Bene              … é muito bom…

Luciano          Você esperava por isso?

Bene              … esperava, Luciano. Isso que é impressionante, nem foi uma coisa assim de final de campeonato decidido nos pênaltis porque a gente tinha certeza que isso ia acontecer, a gente tinha certeza que ia acontecer, então foi absolutamente natural, eu voltei para a casa, voltamos para a casa, o único dia que eu me senti muito mal, foi o dia do aniversário da minha filha que eu não estava em casa, ela estava sozinha, estava lá com os avós e minha esposa foi para lá, foi o único dia, o resto, a bagunça que nós fizemos naquele Hospital do Câncer, você não faz ideia, Luciano, você não faz ideia, eu pedia esfiha, para entregar esfiha, eu estava fazendo quimioterapia, pedia para comer esfiha, fazia minha mulher contrabandear pastel para dentro do hospital, não podia comer nada de fora e eu falava para ela, falava pô Karen, você já imaginou, se eu morrer essa noite você me negou o último pastel da minha vida.

Luciano          Em 15 dias você é o segundo que senta nessa cadeira e tem uma história assim e que o outro que sentou aí era traficante de sal, ele traficava sal, traficava sushi e traficava sei lá, sorvete, dentro do hospital, desenganado e falando a mesma coisa que você, esse eram os momentos em que eu conseguia trazer alegria para mim e a alegria vinha dessas pequenas contravenções e essa alegria foi responsável por eu ter caminhado em direção à cura, porque essa maneira de encarar e de quebrar regra e de…

Bene              A gente passava a noite jogando vídeo game, jogando carta, dormia era quatro horas da manhã, acordava meio dia no dia seguinte, ou seja, levamos a vida assim como se fosse uma vida quase absolutamente normal e porra, teve momentos muito difíceis, então, por exemplo, me deu uma ferida no esôfago que eu fiquei 48 horas na morfina, bom pra caramba… Pô você fica legal pra caramba, nossa, foi a melhor coisa do mundo, entendeu? Mas muito difícil, vômito direto, é complicado, mas isso nunca abalou, eu falava não, eu vou sair daqui e lá eu continuei fazendo as coisas, continuei fazendo o Incorreto, continuei tocando, eu não tinha laptop, não tinha dinheiro para isso, eu escrevia num caderno meus textos, escrevia o que eu ia fazer quando saísse de lá e fui tocando assim.

Luciano          Planejamento e tudo mais. Então você tinha tempo para isso.  E aí, muito bem,  estou curado, vou voltar à lida. Como é que era?

Bene              Voltei a lecionar no Colégio São Luís…

Luciano          Voltei diferente?

Bene              … voltei…

Luciano          Sou outro homem ou não?

Bene              … nada…

Luciano          Sou o Bene.

Bene              … nada, nada, …

Luciano          Voltei Bene igual.

Bene              … nada, nada, nada, nada… a mesma coisa, com os mesmos defeitos e as mesmas qualidades. Como disse um amigo meu quando eu contei para ele, eu falei pô rapaz, estou com câncer. Ele falou não, você quer dizer que o câncer está com Bene, se ferrou , está morto, ele não vai sobreviver a você, não adianta. E assim, voltei, voltei a dar aula, voltei para a empresa, da empresa depois eu acabei me desligando por outros motivos, nada relacionado a isso, questão profissional mesmo, fiquei só no colégio até 2005, que foi quando… 2004 fundamos o movimento viva Brasil fui convidado a participar do movimento viva Brasil, eu nem era para ser a cabeça da coisa, eu era para cuidar da parte de internet, que eu já tinha o Incorreto, já conhecia bem esse meio, mas acabei me destacando e conhecia muito bem o assunto, modéstia ás favas, como diz um amigo meu e acabei virando coordenador da coisa toda até 2005, onde nós vencemos o referendo.

Luciano          Deixa eu dar então uma cutucada em você aqui: você passa então a trabalhar numa ONG? Estou certo eu?

Bene              É uma ONG.

Luciano          É uma ONG. Uma ONG que vai militar, não importa em quê, é uma ONG que vai trabalhar na militância de algum sentido, algum segmento, etc e tal. Sempre que você fala isso vem uma tremenda de uma suspeita, é o Jorge Soros que está pagando vocês, ou são os russos, esse dinheiro é da China, de onde vem essa grana aí? Quem é que está por trás disso para fazer? Isso basta para desmontar qualquer discurso, quer dizer, os caras matam no ninho, se o dinheiro vem de fora tudo bandido, isso te incomodou de alguma forma? Como é que você fez? A hora que te chamaram para trabalhar você falou não legal, conheço, é gente séria, como é que é isso?

Bene              Já era um pessoal muito conhecido, então que nem tinha, por exemplo, Luis Afonso dos Santos, que era  um professor de filosofia na USP, um dos raros professores da USP de direita, que já tinha um trabalho até anterior ao meu sobre esse assunto, eu tinha o Zé Luis de Santos que é um amigo meu até hoje, atirador, um cara muito sério, advogado, muito sério e outras pessoas do mesmo nipe assim, ou seja, eram pessoas absolutamente confiáveis. A segunda questão era o seguinte, não haveria verba pública envolvida, ponto crucial, ou seja, não se aceita, tanto é que, embora a gente tecnicamente seja uma ONG, a gente não é uma OSSIP, que é aquela designação, para quem não sabe, que vai fazer com que você possa tanto receber dinheiro público ou seja, dinheiro do pagador de impostos, como abater as  empresas que doam dinheiro para você, você pode abater no imposto de renda e eu sempre achei um grande contrassenso você ter uma ONG que é uma organização não governamental…

Luciano          Com dinheiro  do governo.

Bene              … com dinheiro do governo…

Luciano          No Brasil tem um monte disso.

Bene              … 99,9%…

Luciano          Uma organização não governamental vírgula governamental.

Bene              … exatamente, a paragovernamental, porque… então primeiro que você perde autonomia, segundo que você vai estar muito mais próximo de corruptos e corruptores, vamos falar o português claro, com os famosos 25% você depois me devolve na campanha, como a gente chegou a ouvir, e perde exatamente essa liberdade de bater aonde é necessário bater, então hoje se eu precisar bater no PT eu bato no PT, se amanhã eu tiver que bater no PSDB, eu bato no PSDB, eu bato no DEM, eu bato no Novo, eu bato em quem precisar bater sem ter esse receio de ah não, mas ali eu não posso  bater porque pô, ali é o cara que manda dinheiro, então a gente sempre trabalhou com o que? Financiamento voluntário, absolutamente voluntário, se é empresa, se é loja, se é pessoa física. Só que assim, os raros lojistas de armas de fogo que ainda sobrevivem no Brasil, que 90% das lojas já fecharam e chegam falam ó Bene, vou te dar x por mês, ou x por ano, ou vou me filiar, 100 reais por ano que é o valor da filiação, pô beleza, ele não tem nada em contrapartida, absolutamente nada, vai ganhar uma carteirinha de filiado ao movimento viva Brasil e vai ter na consciência de que ele está ajudando um trabalho sério que eu desenvolvo há 20 anos, só isso, não vai abater imposto de renda, ele não vai ter benefício nenhum, nada, ele vai só realmente fazer aquilo porque ele acredita no meu trabalho e as…

Luciano          Não vai facilitar o porte de arma…

Bene              … não vai facilitar o porte de arma, não vai facilitar a compra de arma, isso acontece muito, ah eu me filiando você consegue porte de  arma para mim? Não, não consigo e não vou nem tentar. Você me ensina o caminho das pedras? Não tem caminho das pedras. Não adianta, a gente não está aqui para isso. E o mais bacana, embora isso seja extremamente difícil, é que as pessoas que estão junto com você, acreditam no seu trabalho e ponto final, então quando você fala alguma coisa, você é ouvido, porque aquela pessoa acredita no que ela está fazendo, se ela tira lá, que seja 100 reais por ano para dar para você, porra, eu acho que é o exemplo máximo de porra, eu acredito no que você está fazendo, você não está me vendendo um produto.

Luciano          Sim, esse é o discurso que eu coloquei, eu te apresentei lá para o Café Brasil Premium e tudo mais, eu coloco isso para todo mundo, meu e-mail de agradecimento vai isso escrito, independente do valor que você deu, não me interessa o valor, a atitude de tirar algum dinheiro do seu bolso e mandar para mim é o prêmio, isso é a maior demonstração de confiança que você tem no meu trabalho porque independente do valor a atitude em si é que realmente motiva a gente lá.

Bene              E a gente sempre se baseou nessa premissa, então você não é obrigado a dar, nunca vai ser obrigado a dar, dá se quiser e ponto final, dá porque você acompanha o trabalho, as pessoas acompanham o trabalho, tanto é que hoje acho que, provavelmente mais de 90% da receita é de pessoas físicas, aquele cara que vê meus debates, vê o meu empenho, assiste minhas palestras, lê o meu livro, vê lá na internet todo dia eu batalhando, 16, 17 horas por dia e fala  pô, esse cara está pelo menos tentando fazer alguma coisa.

Luciano          O grande momento para vocês nesse projeto de vocês, sem dúvida foi a discussão do desarmamento, foi em 2006…

Bene              2005.

Luciano          … 2005, 2005 quando se criou o referendo do desarmamento, acho que aquilo foi um momento de virada, vocês devem ter saído de lá muito mais fortes do que entraram, não ri não que eu tenho certeza que foi assim, saíram muito mais fortes do que entraram porque aquilo deve ter dado um impulso gigantesco, se tinha gente que desconhecia o que estava acontecendo lá, foi o momento em que o assunto entrou na pauta e que deu para as pessoas perceberem que meu, que que está acontecendo aí? O que é esse assunto? Deixa eu procurar o que está acontecendo. E aí?

Bene              Olha, foi uma, lógico, eu comparo a hora que saiu o resultado do referendo para quem não acompanhou na época, o referendo foi feito em 2005, foi chamada a população a votar se ela queria a proibição da venda legal de armas no Brasil ou seja, uma pergunta toda torta, muito complicado.

Luciano          Onde o não queria dizer sim…

Bene              O sim era negativa e o não era positivação de um direito, uma coisa completamente maluca, proposital, inclusive a gente sabe disso, tanto é que se negaram de todas as formas a mudar a pergunta e que no fim das contas nos beneficiou, nos beneficiou, por uma série de questões daquela época, o cidadão estava mais propenso a falar realmente não para uma ideia mentirosa do que sim, mas embora isso tenha sido, óbvio, o ápice da coisa, de falar vencemos, eu posso dizer, eu ajudei a vencer uma eleição nacional e eu ajudei numa eleição aonde a nossa tese teve mais votos do que o Lula, que é o recordista de votos, do que a Dilma, do que qualquer outro candidato a presidência nesse país.

Luciano          E uma eleição onde também era dada como…

Bene              Como certa.

Luciano          … com certa, a mídia todinha…

Bene              Como certa, foi uma coisa de 20 dias antes do referendo, a folha de São Paulo publicava que 80% da população era favorável ao desarmamento, outro instituto de pesquisa dizia que 65% da população era favorável ao desarmamento e a gente falava pô, isso não  está certo, isso não bate com o que a gente está vendo, no nosso dia a dia, porque a gente já estava nisso há muito tempo, esse pessoal, verdade que eles ficam fechados naquela bolha das redações, sai de lá para tomar cerveja com as mesmas pessoas…

Luciano          Sim, lê os mesmos blogs.

Bene              … lê os mesmos blogs, conversa com as mesmas pessoas e aí aparece que todo mundo tem a mesma opinião, o cara fecha a pauta num barzinho da Vila Madalena, descoladinho, com os amiguinhos dele de redação e fala isso, todo mundo aprova o desarmamento, é, todo mundo aprova o desarmamento, mais ou menos como a história lá, todo mundo odeia o Trump, é todo mundo odeia o Trump, o Trump não vai ser eleito nunca, é isso aí, fechou. Mais uma vez se mostraram completamente equivocados e descolados da realidade que a gente estava vivendo.

Luciano          Quanto foi o resultado mesmo?

Bene              Foi 64% a favor…

Luciano          Contra o desarmamento e a favor…

Bene              … contra a proibição da venda de armas, foram 59 milhões de votos, uma votação assim, como eu te disse, recorde, nenhuma outra eleição teve uma votação assim e o que foi também uma coisa muito interessante, porque foi a única vez, na realidade, a  única eleição nacional que o Brasil teve que você teve de um lado uma pauta quase exclusivamente de  direita contra uma pauta quase exclusivamente de esquerda, aonde você tem a direita favorável ao armamento da população e a esquerda quase que totalmente contrário ao armamento da população, ou seja, foi a primeira eleição que realmente foi ideológica e mostrou, mais uma vez, o perfil do brasileiro, que é um perfil muito mais conservador o que querem que seja, mas é, não adianta, é assim. Mas embora isso pudesse ter sido o grande trampolim para as mudanças, nós tivemos o problema ao contrário, que é uma coisa muito comum do brasileiro, já ganhei. Pronto. Ganhamos o referendo…

Luciano          Vou voltar para a minha vida, não tenho nada a ver com isso.

Bene              … exatamente, acabou. Acabou. Isso aconteceu em todos os setores, aconteceu com os políticos que nos apoiavam, com a maioria deles, aconteceu com as pessoas que nos ajudavam financeiramente, que desapareceram, falaram não, agora já ganhamos o referendo, não precisa mais disso, para que vocês vão continuar nisso, só que eles esqueceram que ainda existia uma legislação que foi todinha feita para continuar o desarmamento e foi aí que a gente deu continuidade nesse trabalho.

Luciano          Você lembra do Ivan Mesquita?

Bene              Lembro, claro.

Luciano          Ivan Mesquita tinha uma frase maravilhosa que diz o seguinte: o brasileiro a cada 15 anos esquece tudo o que aconteceu nos 15 anos passados. O meu livro, “Me engana que eu gosto” começa assim, a gente vai para a rua em 77, 78, 79, aprova a anistia, consegue tirar os militares do poder, bota os civis de volta, cruza os braços, vai para a casa e fala está resolvido o assunto e não dá mais bola e vem desencanar no que está acontecendo hoje.

Bene              E aí eu me peguei, foi aí que realmente comecei trabalhar, muito mais fortemente, que eu falava não, pô, não resolveu nada, ganhamos mas não  levamos, porque a gente ainda tem uma  legislação que deixa todo o poder para você comprar uma arma de fogo nas mãos do estado, que pode ou não conceder essa autorização de compra para você e aí obviamente, quando você tem por trás uma política de desarmamento institucional do governo, você vai ter o reflexo disso nos órgãos responsáveis por isso, tanto a polícia federal, com armar vendidas para o civil para auto defesa, como no próprio exército aonde você tem  as armas que são dos atiradores colecionadores e caçadores que também estão sendo assim pressionados de todos os lados e a gente correu atrás, eu falei não, o que a gente tem que fazer é  mudar a legislação, desenvolvemos lá a ideia do projeto 3722 que é do deputado, foi apresentado pelo deputado Rogerio Peninha e a gente vem trabalhando nesse projeto para mudar essa, realmente mudar a legislação e conseguir fazer valer uma coisa que foi decidida 2005, ou seja, há 11, quase 12 anos.

Luciano          Bene, tem uma coisa interessante que você está falando aí que é o  seguinte, a razão do teu negócio, esse teu business, esse teu business não é, você não está transformando uma matéria prima em produto, você não está prestando um serviço, uma consultoria, uma coisa que no final você chega para mim com um relatório, está aqui, conseguimos, melhoramos em x por cento a produtividade, reduzimos o custo, etc e tal, os teus indicadores de sucesso não têm nada a ver com os indicadores de sucesso de um trabalho que a maioria das pessoas que estão nos ouvindo aqui é assim, elas  são medidas por indicadores muito claros, teu indicador não é claro, teu indicador é uma mudança cultural, como é que é? Como é que se fixa um objetivo de médio, curto prazo, como é que você faz para motivar uma equipe? Como é que isso funciona?

Bene              Não é fácil, não é fácil, exatamente por conta dessa ideia que você não consegue estabelecer metas objetivas, não posso dizer olha, daqui um ano o projeto de lei vai estar sendo apresentado, ou daqui cinco anos esse projeto vai estar aprovado, porque é uma coisa completamente volátil, uma hora é uma coisa, uma hora é outra, muda presidente, muda presidente da câmara, muda não sei quem, cai não sei o que, sobe não sei o que, muda ministério da  justiça, então os nossos indicadores são alguns fatores  ou algumas ocorrências que vão demonstrando isso, mesmo de maneira um pouco subjetiva de que a coisa está fluindo, então primeiro delas, a apresentação do próprio projeto de lei 3722, foi em 2012, veja bem só em 2012, o referendo foi em 2005, só e 2012 um deputado falou assim não, realmente nós precisamos mudar essa lei e eu vou apresentar um projeto de lei para mudar isso, isso já foi uma grande vitória, um deputado apostando nisso. Um deputado de primeiro mandato, sem força nenhuma no congresso, a gente sabe como funciona o congresso e que de repente com esse projeto de lei se tornou um dos deputados mais conhecidos do Brasil…

Luciano          O nome dele é o

Bene              … é o Rogério Peninha…

Luciano          Rogério Peninha, sim.

Bene              … Rogério Peninha de Santa Catarina…

Luciano          Com o dinheiro da Taurus por trás? Como é que é?

Bene              Esse é um dos deputados, ah a bancada da bala, esse é um dos deputados que nunca recebeu um centavo da indústria de armas, eu costumo brincar, sinceramente eu acho que a indústria de armas devia despejar um caminhão de dinheiro em cima de mim, eu mereço, mas não acontece e por um lado também é bom porque aí tira essa ideia comercial, ah não, está defendendo interesses, que o pessoal usa para desconstruir discurso que é uma grande bobagem.

Luciano          Bene, a bancada da bala existe?

Bene              Bancada da bala existe, existe. Você tem deputados que já receberam dinheiro da indústria, dinheiro lícito como qualquer outra indústria dá para outros deputados, lá dentro você tem a indústria farmacêutica, a indústria petrolífera, a de carros, a de pneus, todo mundo faz isso, ah não, mas quando é indústria da arma não, indústria da arma não pode porque ela quer só vender o produto que vai matar pessoas, tem aquela ideia completamente equivocada de que arma só serve para matar, que é uma grande bobagem, inclusive tem um capítulo inteiro no meu livro quando o Flávio falando sobre isso, então existe, mas não é tudo isso que falam, da mesma bancada da bala que, por exemplo, deu dinheiro para a campanha da Maria do Rosário, que é a favor do desarmamento, que deu dinheiro da campanha da Luciana Genro…

Luciano          Achando que assim talvez calasse a boca…

Bene              … não sei se é isso, não dá para entender essas coisas e eu costumo nem me meter nesse meandro porque realmente não me interesso, meu foco é outro, eu costumo não perder o foco se não você acaba se perdendo junto, se contaminando, é muito mais complicado, mas então, como eu estava falando, aí você tem a apresentação do projeto, esse projeto em um ano, ele se torna o projeto com maior apoio popular na história da câmara, isso  já é um…

Luciano          Como é que se mede isso?

Bene              … pelo 0800, o disque câmara e o fale conosco da câmara.

Luciano          Tem um indicador? Eles medem… isso é público?

Bene              Isso é público, eles vão publicando, vão mandando, mandam para todos os deputados, então até hoje nenhum projeto de lei teve mais apoio popular do que esse, isso não acontece de graça, acontece porque realmente as pessoas querem essa mudança.

Luciano          Olha que importante você está dizendo ai, você que está ouvindo a gente aqui, quando você manda um e-mail para a câmara ou mandar um telefonema para o 0800, alô, aqui é o fulano de tal, eu quero declarar meu apoio, isso está sendo tabulado de alguma forma, vai parar na mesa de  um deputado, não tem nenhuma força direta, mas o deputado vai olhar e falar meu, se está todo  mundo a favor, eu acho que é melhor eu tomar cuidado porque eu posso perder voto se eu votar contra isso ai.

Bene              Milton Friedman falava que você tem que pressionar os políticos para eles fazerem o certo mesmo por motivos errados, não importa, política é assim, é a política do possível, não tem como você escapar disso, então isso tem peso e tem peso muito grande dentro do congresso e isso é um indicativo que o trabalho está sendo bem feito. Nós saímos de uma bancada que nós tínhamos, a chamada bancada da bala, em 2005 com oito deputados, oito deputados para hoje uma bancada que tem mais de cem deputados, que se posicionam firmemente contra desarmamento e vão lá e brigam e dizem e fazem e aprovam e correm atrás, ou seja, isso também já é um ganho gigantesco, você pegar um discurso, um assunto tão entra aspas, complicado como  arma de fogo e transformar em alguma coisa popular para os deputados.

Luciano          Esse é um ponto interessante que você está falando, Bene, porque é o seguinte, não existe um fato objetivo que tenha acontecido e que provoque a mudança de oito para cem, não teve um fato objetivo, é uma guerra de narrativas…

Bene              É um trabalho.

Luciano          … é um trabalho de formiguinha onde você vai convencendo cada um deles e que esta linha de pensamento é mais válida do que guerra de narrativas e me parece que o trabalho de vocês se concentra nisso, quer dizer, eu não vou te trazer aqui um fato objetivo, mas vou te trazer uma coleção de indicadores que demonstram que esse caminho é o caminho mais real e o domínio essa narrativa é o que te dá certeza de poder estar vencendo ou não, quer dizer, a gente quando entra no Youtube, tem dezenas de debates teus lá, você está, aliás eu admiro de montão a tua capacidade, não só de  aceitar o debate como entrar lá e enfrentar uns bichos complicados, porque uma coisa é você pegar um debatedor que está a nível com você, pau a pau, argumento de lado a lado que quando eu termino de ouvir aquilo eu falo, não sei qual dos dois é o melhor, outra coisa é você pegar diante de alguém que não tem a menor ideia, que está baseado em diz que, diz que, não  tem informação e joga aquele monte de receita pronta com aquele papo pronto lá que a maioria das coisas às vezes eu tenho visto isso, tanto que os vídeos que estão lá Bene destrói fulano, Bene destrói ciclano, é sempre assim que acontece lá. De novo, guerras de narrativa, como é  que você se prepara, você  que é o guerreiro que está ali, você que é o cara que está na frente, você é o cara que está exposto, você é o cara, como  é  que você se prepara para essa guerra de narrativas?

Bene              É um preparo de longo prazo, assim primeiro, eu nunca parei de estudar o assunto, um assunto que eu estudo diariamente, eu paro para estudar esse assunto, eu paro para conhecer a legislação dos outros lugares, eu paro para ver o que aconteceu com essa legislação, o que ela trouxe de bom, o que ela trouxe de ruim, hoje, por exemplo, antes de vir para cá, estava escrevendo um artigo sobre isso, estava estudando a legislação de Vermont, nos EUA e isso com tudo. Do outro lado eu leio tudo que eu consigo ler de quem é a favor ao desarmamento, porque uma coisa que eu sempre me contestei, hoje não mais, mas nos dez primeiros anos, vamos dizer assim, de estudos, eu sempre perguntei pô, será que eu estou certo? Será que o que eu estou fazendo vai deixar os meus filhos mais seguros ou mais inseguros? Se eu chegasse à conclusão que o que eu estou fazendo, mesmo acreditando nisso, achando isso ou gostando disso que ia trazer mais insegurança aos meus filhos, porra, eu precisava ser internado, eu precisava de internação porque eu seria um psicopata, então eu cheguei à conclusão hoje para mim inequívoca, que eu estou certo, que a tese do desarmamento é tão ruim ou tão indefensável como foi o nazismo e como foi o comunismo, isso é muito claro para mim. Você imagina, por exemplo, alguém chamando para um debate e dizendo assim, não, hoje você vai defender o nazismo, porra, como é que alguém defende o nazismo, só tem uma forma: é mentindo, é dizendo não, tudo aquilo lá é inventado, é sendo revisionista, não, tudo aquilo é inventado, o comunismo matou? Não, o comunismo não matou ninguém, deturparam Marx. O desarmamentista que vem hoje para o debate comigo, contra mim, ele vem assim, ele vem cheio de estatísticas inventadas, ele vem cheio de lugares comuns, ele vem cheio de discurso fraudulento, de falácias, ah mais armas, mais crimes, mentira, eu desmonto isso, eu mostro isso para ele e aí o cara acaba desconcertado, o pessoal brinca, ah destruiu, não, não tem outro jeito, então há pouquíssimos debatedores desse nível, num nível que você pode ter um debate mais inteligente por quê? Porque o cara sabe que em grande parte você tem razão e ele não vai… ele vai se apoiar muito mais na parte filosófica dizer olha, o ideal seria que ninguém precisasse ter uma arma para sua defesa, pô legal, nem assim…

Luciano          Mais amor…

Bene              … isso, o cara tem que se basear nisso porque em questões factuais ele vai perder sempre, ele vai perder sempre, a tese do desarmamento, a  tese de que mais armas significam mais crimes e menos armas imediatamente significam menos crimes, é fraudulenta, não se sustenta de jeito nenhum ao ponto de nem a ONU mais aceitar essa tese…

Luciano          E para a ONU não aceitar…

Bene              … exatamente.

Luciano          Você que está nos ouvindo aí e ainda não derrubou o disjuntor ou está prestes a derrubar o disjuntor, se quiser se aprofundar no assunto, o Bene tem um livro escrito em parceria com o Flávio e o livro chama-se?

Bene              “Mentiram para mim sobre o desarmamento”.

Luciano          Que foi uma forma como eles encontraram de trazer essa discussão para uma linguagem objetiva, simples, o livro é facílimo de ser lido e ali eles elencam uma série de argumentos que estão ali para você entender como é que essa discussão funciona, então antes de chutar o pau da barraca ou sair por ai gritando que eu estou diante de um ogro, um psicopata que quer o fim da humanidade, dá uma olhada no livro dele, leia o livro dele lá porque as informações estão todas ali. Bene, vou te contar um episódio que aconteceu no carnaval, minha filha, no Rio de Janeiro, numa praça, esperando a passagem de um bloco, ela com a amiga dela do lado, com amigos sentada conversando e a amiga dela pega o  elular,  começa a falar no celular, passa um pivete, pivete grande, passa a mão no  celular e  sai correndo e ela roubou, roubou, o amigo dela roubou, saiu correndo atrás, que nem um desesperado atrás e tem um menino gritando ladrão, o ladrão vira a esquina e dá de cara com a polícia, a polícia vai lá e pega o ladrão, eles vão correndo a trás chega lá a polícia com o garoto preso, já bota nele uma algema, não sei o quê e vira para a minha filha e para a amiga dela: vocês querem prestar queixa? Se não prestar queixa nós vamos soltar ele aqui, se prestar queixa solta só amanhã. O guarda falou assim, querem prestar? Aí tem que ir à delegacia, aí as meninas não é uma sacanagem isso, tem que prestar queixa. Vamos prestar queixa e no que elas estão se arrumando ali para ir até a delegacia, chega uma turminha, a prima do bandido com mais não sei quem e começam a xingar, que absurdo, xingando a minha filha e a amiga dela, porque vocês… xingaram de tudo, xingaram de anti-petista, para você ter uma ideia, minha filha falou a coisa que mais me chamou a atenção foi alguém me xingar de anti-petista porque nós somos ricas, porque o moleque é pobre, porque o moleque só está algemado porque é negro, porque nós somos racistas, a gente foi xingado de tudo, para a gente conseguir sair daquele bololô todo e ir até a delegacia, nós fomos no carro da polícia e quando o carro passava na multidão o povo batendo na janela do carro e xingando a gente. E o policial dizia o seguinte: não encara. Elas chegaram na delegacia para fazer o procedimento, dali a pouco chega essa turminha com a prima do cara na primeira fila e começa, na  delegacia, porque vocês vão ver, e ela falava, quando eu olhava para a menina, ela me chamava e passava a mão na garganta, olhando para mim e passando a mão na garganta dizendo que iam me pegar. Vou resumir a história, isso começou às 9 horas da noite, acabou a uma hora da manhã com a minha filha, a amiga dela e o amigo, saindo da delegacia escoltados pela polícia, dentro do carro de polícia, com escolta porque se não elas iam apanhar dos amigos do ladrão. Nisso se transformou o Brasil.

Bene              Isso é o reflexo de tudo o que a gente está assistindo até agora, principalmente nos últimos 30, 40 anos, provavelmente a partir da década de 70 quando nas universidades se instalou essa ideologia de que bandido é  fruto da desigualdade social ou da pobreza, o que é uma visão absolutamente preconceituosa, isso sim é um preconceito, é você dizer que não, é bandido porque é pobre, é isso que eles dizem, é isso que a esquerda diz, que cadeia não resolve…

Luciano          Só um detalhe, Bene, você não vem de uma classe média alta, você vem lá de baixo.

Bene              … muito pelo contrário, sim.

Luciano          Você assistiu isso tudo?

Bene              Sim. É uma coisa que eu não uso como argumento porque eu acho que você empobrece o debate, mas eu morei na periferia de São Paulo, eu vi o que é ali pobreza, o que é ser pobre e o que eu vi ali foi sabe o quê? Gente empreendedora que num buraquinho assim no muro faz uma lojinha para vender doce, o outro abre um barzinho onde era uma garagem, gente trabalhadora e meio dúzia de vagabundos que escolhem ser criminosos, muitas vezes até, como tinha uma vizinha nossa que tinha oito filhos e um era bandido, vivia tomando tiro, não morria, tomava facada não morria, matava os outros, saía da cadeia, entrava na cadeia, voltava para a cadeia, único, todos trabalhadores. Ou seja, não tem absolutamente nada a ver com pobreza, até porque se  isso tivesse automaticamente relacionado nos últimos anos, com a melhora econômica no Brasil…

Luciano          Tinha que ter melhorado os índices todos.

Bene              … acabou, principalmente no nordeste, qual foi a região que mais cresceu economicamente, melhorou a distribuição de renda, seja lá de forma fraudulenta com bolsa, isso, bolsa aquilo, mas não importa, melhorou, deveria ter melhorado os índices criminais, muito pelo contrário, foi onde explodiu a criminalidade e agora esses mesmos teóricos dizem assim não, é  porque agora tem dinheiro para ser roubado, é muita desonestidade intelectual, é demais. A segunda coisa: ah, cadeia não resolve, cada escola que se constrói é uma cadeia a menos no mundo, isso é uma bobagem gigantesca, isso é uma visão russoniana do negócio completamente ridícula, porque uma coisa não exclui a outra…

Luciano          Como se fosse excludente.

Bene              Exatamente, ah não, se eu tenho escola não vou precisar de cadeia. Não, você vai precisar. Existe algum país que não tenha cadeia? Não existe. Não existe, pouquíssimas, são poucos presos, a criminalidade é baixa, mas existe, é o que eu  digo, existe algum país que não exista algum homicídio? Não existe, todo pais acontecem homicídios, porque a violência é intrínseca do ser humano, essa ideia o homem nasce bom, isso é uma grande mentira que as pessoas engolem até hoje e isso contaminou a nossa política de segurança pública até hoje, então cadeia não resolve, gera o quê? Impunidade, é o que você vê acontecer com a sua filha, porque o cara se acha no direito de, por ser negro, por ser pobre, de não ser punido, é aquele cara que chega e diz assim eu sou a vítima do sistema, eu roubei, eu matei, eu  estuprei, eu amarrei o dentista na cadeira, eu botei fogo nele porque eu não tive chance na vida, só que os outros 99% dos amigos dele que moram no mesmo lugar, passaram as  mesmas dificuldades, não mataram ninguém, então essa é a segunda grande mentira e a terceira mentira vem a questão do desarmamento, tudo isso  é uma grande falácia.

Luciano          Aliás, você escreveu um artigo delicioso usando como pano de fundo o The Walking Dead que nesse momento aqui, nessa série que está no ar agora aqui que está terminando agora essa temporada toda aqui, para quem não segue, a maioria segue, mas o walking dead está lá, é um ambiente pós apocalíptico, o mundo está dominado por zumbis e alguns grupos de humanos conseguem se estabelecer em alguns lugares e montar suas proteções, são pequenas colônias que se auto protegem ali e de repente tem um lugar que uma dessas colônias é expansionista, é imperialista, é todo o “ista” que você pode imaginar e o dono dela é o tal do Negan, que o cara é um grande de um sacana, é um bandidaço,  ele vai e ele se impõe pela força sobre as colônias que estão em volta e faz com que todas elas sejam escravizadas e trabalhem para ele e a primeira medida que ele faz quando ele toma uma colônia, entra lá e confiscar todas as armas que estão lá dentro e você pegou e escreveu um artigo a respeito, fala um pouquinho disso.

Bene              É tem um, nesse episódio especificamente, quando ele chega em Alexandria que é aonde vivem os protagonistas da série, o Rick, etc, a Mixoni, ele chega, encontra o quê? Um caderno onde eles tinham uma listagem de todas as armas, porque a  ex chefe lá, que já morreu na série, ela tinha um senso de administração muito forte, muito centralizadora, ela tinha que saber tudo, ela tinha que conhecer tudo, ou seja, tinha que saber desde quantas azeitonas eu tenho num vidro até quantas armas eu tenho aqui dentro, controle, ela tinha que controlar tudo o que acontecia ali e todas as armar eram controladas, todas as  armas eram registradas, como se faz hoje no Brasil com as ainda poucas armas  legais e aí o Negan, quando assume o poder, quando toma o poder na nessa colônia, nesse feudo, vamos dizer assim, primeira coisa que ele faz é pegar essa listagem, olha, arma por arma, vai listando,  ainda fala, faltam duas, onde estão? Eu quero essas duas armas…

Luciano          Ou eu mato alguém.

Bene              …  ou eu mato alguém, ou eu mato todo mundo, e as armas tem que aparecer e acabam aparecendo, o que para mim foi uma crítica óbvia a uma tentativa, principalmente da administração anterior dos EUA, de Obama, de se registrar as armas de fogo, de uma forma centralizada, que foi o que aconteceu no Brasil, pouca gente sabe, mas não existe registro de arma na maioria dos estados americanos, você é autorizado a comprar essa arma, você recebe essa autorização depois que seu background é checado, o seu passado, se não tem condenação  por crime, não tem histórico de violência, não tem histórico de problema mental grave, etc, você é autorizado pelo FBI, você pode comprar arma, só que ele não vai saber qual arma você está comprando, onde essa arma vai ficar, se é uma arma só, você recebeu autorização, você compra e acabou, você não tem registro, exatamente porque a ideia é não manter um registro de objetos que numa possível, num possível governo ditatorial ou totalitário vão ser confiscados, que é exatamente o que acontece na Alemanha nazista quando em 28 a política de desarmamento começa em Weimar, se estende até Hitler, Hitler realmente cria o primeiro estatuto, vamos dizer assim, de  controle de  armas no mundo, com registro de todos os proprietários e aí na fatídica noite dos cristais uma noite antes ele  confisca todas as  armas, na noite seguinte acontece a noite dos cristais porque os judeus tinham sido todos desarmados e exatamente essa crítica que eu vi ali no The Walking Dead.

Luciano          Meu amigo, você estão está envolvido nessa tua campanha, quer dizer, você tem um propósito claro, você é um cara que tem um objetivo claro pela frente, tem uma… não sei que tamanho é a tua equipe, quantas pessoas tem? É você?

Bene              Eu e minha esposa.

Luciano          Você e sua esposa, é sério mesmo?

Bene              Não, não tenho ninguém.

Luciano          E o resto o que que é? É o povo?

Bene              É o povo, voluntário, pessoal que participa, pessoal que ajuda, é o pessoal que apoia tudo isso.

Luciano          Você sozinho levando esse piano.

Bene              Mais ou menos isso.

Luciano          Bom, e aí você olha em volta e vê o número de homicídios no Brasil não para de crescer, o ano passado é mais um ano recorde, esse ano aqui se bobear nós estamos no mesmo caminho…

Bene              Provavelmente.

Luciano          … o estatuto do desarmamento, eu não  vou dizer para você que ele  é eficaz porque não aconteceu nada, continua tendo arma para todo lado, evidentemente a mim que sou um cara honesto se quiser comprar vai ser um inferno, talvez até eu consiga mas vai ser um inferno na minha vida eu conseguir ter, se eu for um bandido eu vou na esquina ali, bandido não, se eu for um cara honesto e  quiser uma arma por baixo do pano eu vou ali e compro e tenho ela na mão, quer dizer, o acesso à arma para mim eu consigo ter de qualquer forma e ao mesmo tempo a criminalidade aumentando, essa coisa toda. Quando você acorda de manhã e olha para isso te dá a sensação de que teu trabalho não está rendendo? Que você não está conseguindo, que teu objetivo não está sendo atingido, que você… Como é que é?

Bene              Não, não tenho. Não tenho, não tenho. Já tive no passado uma fase de 2  ou 3 anos após o referendo, foi uma fase nesse sentido meio de depressão, nunca tive essa depressão, fica claro, mas daquela de olhar e falar pô, e agora ganhamos o referendo e não mudou nada, até  o momento, como eu disse, eu olhei e  falei não, espera aí, então nós temos que mudar…

Luciano          Só um detalhe, um ponto importante aqui, de quando que é o estatuto do desarmamento?

Bene              O estatuto é de 2003.

Luciano          O estatuto é 2003, o referendo acontece em 2005 e o estatuto continua vigente até hoje, ou seja…

Bene              Porque tecnicamente, tecnicamente, o que foi decidido, o que foi discutido no referendo foi apenas um artigo da lei, da lei 10826 que é o chamado estatuto do desarmamento, que era o artigo que proibia a venda legal de armas no país, então esse artigo acabou, morreu com o referendo…

Luciano          Ou seja, está permitida…

Bene              … está permitida, porém, porém, sob o jugo de uma lei que chama estatuto do desarmamento.

Luciano          Que entrega a um delegado…

Bene              Com poder discricionário…

Luciano          … que ele olha para a tua cara e fala não gostei de você, você não pode, ah eu gostei ele pode.

Bene              Acabou, exatamente, aonde você tem uma pressão ainda do governo, de alguns órgãos do governo a favor do desarmamento e que isso começa a mudar, isso começa a mudar, por exemplo, eu acho que um forte indício disso foi esse ano eu ter sido recebido pelo ministro da justiça, então o ministro da justiça, o Alexandre de Morais, coisa que nunca tinha acontecido, ele só …

Luciano          Explique melhor isso aí, nunca aconteceu, foi recusado, você teve…

Bene              Todas as vezes, não só a mim, não só a mim, qualquer pessoa que não estivesse dentro daquele espectro ideológico de quem estava lá, não era recebido, isso desde o tempo que o Renan Calheiros era ministro da justiça do FHC, que quase ninguém lembra disso…

Luciano          Você está parecendo o Miguel Nagib tentando ser recebido pela…

Bene              Mais ou menos isso, é isso aí. É isso aí, então assim, na época do referendo o Renan Calheiros, que já era presidente do senado, literalmente bateu a porta na nossa cara e não nos recebeu, eles só recebiam  quem era favorável ao desarmamento, assim simples, diziam para gente, o ministro não vai receber o  senhor e não era só eu, qualquer pessoa que tivesse posicionamento não era recebido e esse ano mudou, eu, o deputado Rogério Peninha fomos recebidos pelo então ministro da justiça, recebeu meu livro, conversamos, viu que realmente tem muita coisa no estatuto, lógico que não tem uma visão igual à nossa, ainda tem uma contaminação nessa questão das armas de fogo ainda muito forte, mas alguém que está disposto, pelo menos, a ouvir e entender o assunto melhor, tanto é que imediatamente, coisa de 30 dias depois que houve essa reunião, ele mudou o prazo de recadastramento de armas de fogo, que é a cada 3 anos, para 5 anos, o que já é um respiro a mais embora tem que acabar isso daí, essa renovação só serve para dificultar a vida do cidadão, isso  aí tem que ser extinto, mas já foi um… dentro de todos os outros ministros da justiça que nós já passamos, José Carlos Dias, Zé Gregori, Renan Calheiros, o Cardoso, todos eles, imagina, isso não passava de sonho.

Luciano          Porque isso é uma questão política.

Bene              Questão política.

Luciano          No momento em que você sentar na minha frente, você e o Alexandre Frota não tem diferença nenhuma, sentou na frente do cara, bateu a foto, perdi todos os votos, os não, tudo… embora o Brasil tenha votado ao contrário, na cabeça deles aquilo é uma…

Bene              É uma aceitação, é uma confissão de que você aceita a sua ideia, o que é uma grande bobagem.

Luciano          Como é que você lida com esse rótulo, quando você entra numa sala, abre a porta e entra naquela sala, tem 60 pessoas na sala e você abre a porta e entra, tem um luminoso em cima da sua cabeça escrito assim: fascista, assassino, exterminador, etc e tal, está lá brilhando na tua cabeça, não chega perto que contamina, esse cara é o…

Bene              Já foi pior.

Luciano          … sabe, eu diria assim, é uma síndrome de Bolsonaro, apareceu, entrou na sala, puta ta feito, Trump é assim, todo mundo é assim, você botou ali…

Bene              Já foi muito pior, já foi muito pior, por incrível que pareça, esse nicho que eu adotei vamos dizer assim, que é essa  uestão exclusivamente do desarmamento, ela mudou muito nos últimos anos, então essa pecha de ah você quer que as criancinhas deem tiro umas nas outras dentro da escola, isso praticamente acabou, praticamente acabou, lógico que você tem pessoas que ainda são favoráveis, mas o nível de agressividade, mesmo dessas pessoas, diminuiu muito.

Luciano          Você está na mídia social, você está nas mídias sociais?

Bene              Estou, Facebook, Twitter…

Luciano          Aquilo é terra de ninguém, lá deve ser um pandemônio.

Bene              Rapaz, tenho muito poucos problemas.

Luciano          É porque os inimigos não vão na tua página, eles não vão lá.

Bene              Não, não vão.

Luciano          A maioria de quem está lá é a tua…

Bene              Não vão e é aberto, aberto para comentários, eu não deixo fechado, a não ser que a pessoa seja agressiva e esteja lá para arrumar briga, eu não deleto comentários, eu não bloqueio, até porque eu acho que tem pessoas que estão ainda equivocadas, honestamente equivocadas, pessoas que só se deixaram pautar pela mídia até hoje e chega lá e fala assim, pô, mas armar é ruim porque a sociedade brasileira não pode, cultura, eu falo não é isso, leia sobre isso antes de falar.

Luciano          Me fala uma coisa aqui, eu sou contratado para fazer uma palestra, então no momento que eu estou indo para fazer a palestra, eu vou entregar o meu trabalho, eu vou chegar lá, eu farei uma palestra, fui contratado para ir fazer alguns cartoons num evento não sei o que, me contrataram, então eu vou entregar a hora que eu entregar os cartoons, o outro foi contratado, o dentista, chegou o paciente, sentou aqui, eu vou entregar o meu trabalho sendo dentista. Você vai para uma emissora de televisão para sentar e ter um debate de x minutos contra alguém do outro lado lá e esse é o momento de entregar o teu trabalho, estou indo trabalhar, o que você vai fazer? Vou fazer um debate com  uma outra pessoa. Como é que você encara? O que me fascina é isso, qual é a entrega do Bene? A entrega do Bene é montar uma narrativa, é fazer com que aquela narrativa seja entendida por todo mundo como o caminho correto para ser levado adiante, como é que você mede se esse negócio deu certo ou não é quando você chega para mim aqui e fala já mudou bastante, o nível de agressividade já caiu, eram oito, agora são cem, esses são pequenos sinais que vão representar para você as pequenas vitórias de médio e longo prazo.

Bene              Exatamente. Mesmo nos, quando eu era chamado para debates ou para eventualmente uma palestra ou para qualquer coisa, você via o posicionamento contra você ou contra o que você está defendendo, contra as suas ideias de uma forma muito mais clara, hoje quando existe, existe muito mais de uma forma de dúvida do que de acusação, então eu vejo muito isso quando eu vou palestrar ou depois de debates ou quando tenho contato mais com o público, o lançamento do livro não porque foi quem já me conhecia, das pessoas chegarem e falar assim pô, mas olha, eu tenho dúvida, será que o brasileiro tem cultura para ter arma? Ou seja, não é o cara enfiar o dedo no meu nariz, você é um nazista, você um fascista, você quer que as pessoas tenham arma pra estar atirando nos pobrinhos, entendeu? Isso praticamente não acontece, aliás não lembro de ter acontecido nesse nível…

Luciano          Também, Bene, também porque você construiu um branding muito bem construído, você hoje é o indivíduo, é antecipado pela marca Bene, quando você chega, quem é o Bene que está vindo aí, opa! Já assistiu debate do cara, já ouviu falar, não é um mané que está na minha frente aqui…

Bene              Isso inclusive já me gerou alguns problemas, porque eu já tive debates cancelados porque não havia debatedor, tem um debate que ficou famoso, coitado, um rapazinho advogado recém formado lá de Brasília, que o rapaz de um nível de contaminação surreal, do cara no meio do debate, foi na Canção Nova, no meio do debate ele olhar para mim e falar assim: e quem se preocupa com a vida do bandido? O câmera olhou para a minha cara e fez aquela cara de “meu, do que ele está falando?” Estou falando do cara que invadiu sua casa, quem vai se preocupar com a vida dele? Nem ele se preocupa com a vida dele quando ele faz isso, mas é um nível de contaminação nesse debate especificamente era para ter vindo outra pessoa, que era a doutora Selma Sarmo que debateu comigo anteriormente no Alexandre Garcia, na Globonews e saiu de lá com a plena certeza de que ela não conseguia sustentar aquela tese, não sei se ela realmente acredita naquilo ou se ela estava, como eu disse, honestamente iludida, mas ela viu que ela não conseguia sustentar e ela cancelou a participação dela e chamaram esse rapaz, que realmente saiu de  lá destruído, até pedi depois para o pessoal maneirar porque foi realmente muito pesado para o lado dele, isso aconteceu várias vezes, num outro debate na Rede TV também era para ter ido o cara do Viva Rio, também não apareceu, tiveram que chamar um outro debatedor, fraquíssimo, fraquíssimo, não fazia a menor ideia da legislação vigente e etc, é por isso que surge isso, o Bene  destruiu, não é que eu destruí, é que as coisas são… eles tem uma visão tão simplória da coisa toda, tão rasa, tão discursinho feito que qualquer um faria a mesma coisa, qualquer um que tenha estudado o mínimo o assunto ia falar meu, você está completamente errado, está aqui, eu te provo.

Luciano         Bene, você está a serviço de quem?

Bene              Eu estou a serviço do povo brasileiro.

Luciano         Que partido está por trás disso aí?

Bene              Não, não tenho. Não tenho partido.

Luciano         Que empresa está por trás de você?

Bene              Também não tenho empresa.

Luciano         Qual é a instituição mundial que está por trás de você?

Bene              Não, nenhuma.

Luciano         Você é illuminati?

Bene              Não sou illuminatti, não sou da família, como é que chama a família lá? Esqueci, a família inglesa, me sumiu da cabeça.

Luciano         Estou te perguntando porque é assim que se desqualifica o debate, tem que conversar com você porque você vem de outra…

Bene              Que é um grande erro, mesmo do outro lado, que eu já debati várias vezes com pessoal, por exemplo, o pessoal do Sou da Paz, já entrei em vários debates com eles, que é uma ONG aqui de São Paulo, para quem não sabe e eu acho uma grande bobagem chegar assim, pô você é financiado pelo George Soros, e eles são, pela Open Society, pela fundação Ford, que tem ligação com o George Soros, obviamente que isso já traz uma desconfiança, mas isso não é automaticamente alguma coisa que tire a razão deles, então eu  prefiro ir por outro lado, eu prefiro chegar, quais são os dados que você tem ah isso aqui, isso aqui eu vou desconstruir para você ver, é mentira o que você está falando, isso é um debate que eu acho que é honesto, isso vale para os dois lados. Eu acho que essa ideia de desqualificar o seu oponente para não ter que debater, é de quem não tem argumento, então quando chega um cara: você é um representante da indústria, falo tá bom, eu sou, agora me prova aonde eu estou errado, mostra, pega o meu livro, desconstrói o que eu falei.

Luciano          Sim, mas aí o mérito do teu argumento não serve mais…

Bene              Ai não voou nem debater, não vou nem debater com você.

Luciano          O mérito do teu argumento não serve mais.

Bene              Perdeu o debate.

Luciano          Grande Bene, que figura, quem quiser conhecer, ter contato com o teu trabalho e tudo mais, vamos lá, vamos ao grande jabá, primeiro o livro.

Bene              Vamos lá, primeiro o livro, “Mentiram pra mim sobre o desarmamento”, está a venda…

Luciano          Já estou sabendo que é um sucesso editorial…

Bene              Graças a Deus.ica brasil

Luciano          Está com alguns bons milhares ai vendidos, legal. Valeu. Para te encontrar, o site, Facebook, etc e tal.

Bene              Vamos lá, o site do movimento é o www.mvb.org.br, tem o meu Facebook é só procurar lá por Bene Barbosa, vai estar como Benedito Gomes Barbosa Junior porque o Facebook disse que Bene Barbosa não é meu nome, entendeu? Você vê lá Mc Dalessio é o nome dele, agora o MC não sei o que é o nome dele, mas Bene Barbosa não é meu nome, então não pude usar.

Luciano          Quer dizer, Facebook…

Bene              Não, ficou como Bene Barbosa, é só procurar Bene Barbosa vai me encontrar lá. Tem o meu Twitter também que é @benebarbosa_mvb, estou em todas as principais redes ai conversando sempre, sempre que possível respondo a dúvida do pessoal, claro que não dá para responder tudo, não dá para interagir com todo mundo mas dentro do possível a gente tenta aí o máximo.

Luciano          Grande trabalho, grande propósito, grande trabalho, como eu falei para você eu não vou aqui especular se você está certo ou está errado até porque eu jogo no teu time, então vai sair enviesado a discussão aqui,  mas eu acho que só esse fato de você definir esse propósito e tocar a coisa adiante com toda a incomodação que vem dentro do caminhão e aí eu realmente admiro, o cara acordar de manhã para saber  que o dia dele vai ser um dia de conflitos, qual é o teu negócio?

Bene              É conflito.

Luciano          É entrar em conflito, eu sou um profissional do conflito, meu, tem que ter muito saco.

Bene              Você definiu muito bem, aliás acho que foi a melhor definição que eu recebi até hoje.

Luciano          Esse aqui é o lidercast. Grande Bene, obrigado, um abraço.

Bene              Foi um prazer, sabe que eu sou seu fã também, admiro demais o seu trabalho, foi um prazer gigante estar aqui hoje.

Luciano          Seja sempre bem vindo.

Transcrição: Mari Camargo