Joaquim, o visionário

Por Adalberto Piotto

O ex-ministro Joaquim Barbosa, de relevantes serviços prestados no julgamento do Mensalão, por vezes inova na forma com que lê o Brasil.
Tomo o caso dele ter dito que “é de chorar de vergonha” a forma do voto “Xuxa” ou “raivoso golpista” dos parlamentares, no último domingo, na votação que decidiu por ampla maioria a admissibilidade do impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.
Joaquim se diz estarrecido. Não contente com sua percepção, busca na repercussão de veículos estrangeiros um legitimador para seu pensamento.
Síndrome de colonizado?
Estarrece-me a necessidade do uso do referencial estrangeiro pelo heroico (não é ironia) relator do Mensalão e ex-presidente do Supremo.
Por que é preciso levar em conta como se transitado em julgado fosse, inapelável, o que pensa a Economist, por exemplo, sobre a performance na hora de votar dos deputados brasileiros?
O que acrescenta?
Leituras sobre a economia brasileira fazem sentido porque a revista influencia investidores. E é boa porque produz reportagens abrangentes e se expõe ao opinar. Veículo de imprensa sem opinião faz pretenso jornalismo, o que não o impede, obriga a expor todos os pontos de vista e apurá-los.
Mas a frugalidade do estilo votante do parlamentar, embora seja motivo de pauta para a Economist, que é livre, por que a opinião da revista inglesa deve ser tão relevante pra nós?
Não sugiro aqui um autoisolamento. Mas mais parcimônia e menos deslumbramento com a imprensa estrangeira, neste caso em específico, faria bem.
Vejamos.
O ministro, ou qualquer outro que pense como ele tem todo o direito de manifestar-se, mas parece escorregar no complexo de “Cabral”: acabou de descobrir o Brasil.
Já escrevi sobre isso ontem. Está no post abaixo.
Fato é que não precisamos fazer mais nada para inglês ver ou ter a opinião deles como um definidor de conceito sobre nós. Até porque o “para inglês ver”  era de mentira e uma mentira que nos convencia. Deu errado porque postergamos nossas soluções historicamente e vive ainda vivemos de espantos e piadas sobre nós mesmos. Bastamo-nos na nossa estupidez.
Afirmo que não nos é necessário saber o que eles, os estrangeiros, pensam sobre assuntos eminentemente internos pra nos posicionar. Sabemos onde temos problemas, o que fazer e como melhorar. Sabemos o diagnóstico e o tratamento.
Faltamos, ainda, e apenas por nossa culpa, com a implementação do tratamento.
Parte começou a ser feito no último domingo, mesmo que de forma a saltar os olhos, dados os discursos heterodoxos, mas não ofensivos, tampouco inúteis.
Se você entende inglês e acompanhar políticos ingleses ou americanos vai se surpreender com o que e como dizem certas coisas. E no caso deles com arrogância de colonizadores ou imperialistas.
De qualquer forma, não é pra nos imiscuirmos na política alheia que estamos aqui.
Volto a nós.
Convenhamos que num país cuja educação, pública ou privada não tem gerado educados nos dois sentidos da expressão, e faz criar individualistas extremistas, soaria artificial discursos acadêmicos e de elevado altruísmo no plenário, mesmo que tenha a maioria acertado no voto, ciente do conceito, na escolha do essencial e que pode punir de forma severa uma autoridade que desrespeitou o orçamento público, feito de dinheiro de impostos do público, do cidadão.
Não é pra se orgulhar disso?
No mais, ali no Congresso está a representação da média brasileira. Os nobres deputados, e houve também moderados com discursos técnicos e bons, sejamos justos, são brasileiros. Todos são do Brasil. E foram eleitos. Por mais óbvio que pareça dizer isso, é necessário.
E fizeram o que a maioria queria. Democrático do ponto de vista da representatividade, insisto.
Por isso, essa surpresa brasileira com os próprios brasileiros beira o indecifrável e uma pretensão de superioridade segregacionista de quem se imagina do tipo “eu não faço parte disso”, pensamento bem pequeno burguês.
Um exame de consciência honesto pode revelar mais que risos com a graça alheia. Pode ser de riso nervoso de constrangimento pessoal e particular também.
Já o espanto de Joaquim Barbosa e sua necessidade de ver o que os estrangeiros disseram sobre isso, como uma forma de dar legitimidade à análise dele próprio, corre sério risco de parecer complexo de inferioridade mesmo.
Embora possa ter outros intuitos, por ora é só pretensioso.
E digo isso sendo um brasileiro nascido caipira no sertão de São Paulo e cidadão do mundo sem nenhuma espécie de xenofobia.
Longe disso! Ao contrário. Sou de um país que tem a grata mania de se abrir e receber bem quem e o que vem de fora.
Falta-nos que isso deixe de ser deslumbre e comece a ser por filosofia de aceitação de culturas e pensamentos diferentes e sensação de pertencimento igualitário e de parceria no mundo. Brasil igual aos outros.
Um país relevante e com voz.
Um Brasil global, garantidor de suas autonomias e aberto ao mundo, dar-nos-ia uma personalidade forte o suficiente para resolvermos os nossos problemas internos e nos relacionarmos com o estrangeiro com mais orgulho porque somos e estamos em processo de avanço.
Sinais de complexo de colonizado e a eterna mania de falar mal de si próprios, “se autoflagelar”, como disse Carlos Borges ao documentário “Orgulho de Ser Brasileiro”, que dirigi, estão fora de moda e não comovem gringos que esperam de nós personalidade, não coitadismo e autopiedade.
Avançamos. Pare de maltratar a sua cidadania. Use de si para aperfeiçoá-la.
Vamos tratar do essencial neste caso do impeachment e cuidar do básico no dia a dia?
Está ao alcance de todos.