Nos anos setenta um músico pernambucano de voz rouca fez sucesso no Brasil. Era Paulo Diniz, cujo maior sucesso foi Quero voltar pra Bahia. Mas havia outra música no lado B do compacto, Ponha um arco-íris na sua moringa:
Ponha um arco-íris na sua moringa ai ai ai
É lúcido é válido inserido no contexto ai ai ai
Aquele inserido no contexto fazia parte do repertório do tablóide O Pasquim, que gozava os intelectuais que tentavam traduzir as correntes de pensamento filosófico pós-1968 utilizando termos complicados. Era só abrir o jornal pra ver um cartum onde o sujeito perguntava para a boazuda: posso inserir no seu contexto?.
Contexto é o pano de fundo de um evento, que determina como o evento é interpretado. Usando um exemplo de que gosto muito: a frase só sei que nada sei, que Sócrates formulou para mostrar que sábio é aquele que tem consciência de sua ignorância, muda completamente de significado quando colocada noutro contexto. Na boca de Lula, por exemplo.
O tempo passou, o Pasquim passou, Paulo Diniz sumiu, mas nunca foi tão importante observar o contexto antes de formular uma opinião.
Não escapei da onda. Escrevo à luz do recente escândalo da campanha de Marta Suplicy à prefeitura de São Paulo, quando a vida pessoal de seu oponente, Gilberto Kassab, passou a ser questionada na propaganda petista.
Mas, afinal, que mal há em perguntar se o sujeito é casado e tem filhos? Nenhum. Isso cansa de acontecer com todo mundo. Em entrevistas de emprego, na hora de fazer um crediário, ao abrir conta em banco, numa conversa informal… Saber se a pessoa é casada e tem filhos ajuda a ter uma idéia de quem a pessoa é. Mas essa informação jamais define o caráter da pessoa. No entanto essas cândidas perguntas, quando inseridas no contexto da campanha eleitoral, deixam de ser cândidas.
A propaganda de Marta afirma que Kassab tem um passado misterioso envolvendo gente desonesta que causou prejuízos à cidade e ao eleitor. Portanto saber de onde ele veio e com quem ele anda revelaria suas (más) intenções.
Nesse contexto, perguntar se ele é casado e tem filhos transforma-se em juízo de valor: além de andar com gente suspeita, não é casado e não tem filhos. Portanto não é confiável. E horror talvez seja… gay!
Muitos simpatizantes tentam eximir a candidata dessa grossura eleitoral usando o clássico petista 1: ela não sabia. Outros usam o clássico petista 2: mas a direita usou o mesmo método antes. Outros usam o clássico petista 3: o da vitimização. Ninguém foi tão alvo de preconceitos como Marta Suplicy. Portanto ela tem o direito de revidar. Falta só o clássico 4: foi um tucano infiltrado.
Que tal entender o contexto recorrendo aos intelectuais do PT?
João Santana, o marqueteiro de Lula, questionado sobre a desonestidade de usar na campanha para a reeleição em 2006 uma mentira, no caso a idéia de que as privatizações tinham sido um mau negócio para o Brasil, saiu-se com esta:
Eu trabalho com o imaginário da população. Em uma campanha, nós trabalhamos com produções simbólicas. Não considero que exista aí desonestidade, pois o tema foi, pelo menos, discutido.
Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, quando perguntado se não era constrangedor ver Lula ao lado de mensaleiros disse:
Constrangedor é não ter votos.
Pra esses caras, botar um arco-íris na moringa do Kassab é lúcido, é válido e inserido no contexto. Seja lá qual for o contexto.
E quer saber?
Até que está saindo barato pro Kassab.