Café Brasil 220 – Homeostase Brasileira

Você às vezes olha em volta e não entende o que está acontecendo? Tem a impressão que algumas coisas estão se desfazendo, alguns processos desmanchando, outras coisas envelhecendo? O nome disso é entropia, sabia? Não? Então vamos falar a respeito, botando no foco inclusive a tragédia das chuvas no Rio de Janeiro e a degradação moral do Brasil. A trilha sonora é aquilo, né? Bendegó, Luiz Tatit, Silvinha, Antonio de Pádua, Daúde com Carlinhos Brown, Zeca Baleiro e Giana Viscardi. Apresentação de Luciano Pires.

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Bom dia, boa tarde, boa noite! Você às vezes olha em volta e não entende o que está acontecendo? Tem a impressão que algumas coisas estão se desfazendo, alguns processos desmanchando, outras coisas envelhecendo? O nome disso é entropia, sabia? Não? Então vamos falar a respeito.

Pra começar, uma frase do físico e escritor russo Anton Tchekhov.

Só a entropia chega facilmente.

Entropia. Você sabe o que quer dizer essa palavra?

Entropia designa a tendência generalizada de todos os sistemas do universo, sejam eles naturais ou feitos pelo homem, de deteriorar-se.

O corpo humano passa por um processo de entropia: ele vai envelhecendo e um dia morre.

O automóvel também. Vai ficando velho, desgastando as peças e um dia vira sucata. O sol é assim. Vai queimando aos poucos, consumindo-se e um dia vai apagar. Essa camisa que você usa. Essa rua por onde anda. A casa onde mora. A lâmpada que lhe dá luz… Tudo isso um dia acabará, por um processo natural de entropia, de desgaste, inevitável. A única coisa que podemos fazer é tentar controlar a velocidade com que esse processo acontece.

É na manutenção bem feita que está o segredo para retardar o processo de entropia que um dia nos levará ao fim. A manutenção de um avião, por exemplo, que faz com que ele voe 30, 40, 50 anos. Você, cuidando da alimentação e praticando exercícios físicos, retarda o envelhecimento. Limpar o chão, pintar a parede periodicamente, trocar as telhas quebradas, prolonga a vida da casa.

Você está ouvindo, no podcast, BOM DIA VIOLÃO, com o Bendegó, o grupo formado nos anos setenta por Capenga e Gereba, lá da Bahia. Uma delícia…

E sabe qual é o segredo para reduzir a entropia?

É a existência de instrumentos que nos mostrem quando o processo de entropia está atingindo índices perigosos. Uma luz tem que acender. A sirene tem de tocar. E assim a equipe de manutenção é acionada e as providências necessárias para reduzir a velocidade da deterioração, são executadas. Mas… Encontrar e consertar uma goteira é fácil.

O bicho pega quando o problema é social. Moral. Ético. Quando um desvio de conduta passa a ser considerado “normalzinho”. Nesses casos, os instrumentos capazes de acionar o alarme não são máquinas, são pessoas. Gente treinada para perceber quando os índices de deterioração da sociedade atingem níveis perigosos. Gente com coragem para apertar o botão de alarme acionando a equipe de manutenção.

Pois eu acho que eu descobri o que é que anda acontecendo com o Brasil. Nossas equipes de manutenção são velhas. Ineficientes. Desaparelhadas… Mesmo sabendo que estamos a perigo, ninguém está disposto a acionar o alarme…

A perigo

Dia e noite brigo
Comigo e contigo
Pois por ti desamado
Contigo e comigo
Me tenho enganado
E a mim me persigo
Me caço e caçado
Estou a perigo

Que des que te amei
A mim me odiei
Estou que nem sei
Se me contradigo
Mas hoje apurei
Fazendo as contas comigo
Que me atraiçoei
Já não sou meu amigo

Que delícia, né! Se você ouve o Café Brasil com freqüência, já sabe quem está cantando, no podcast. É um dos sócios… Luiz Tatit, com A PERIGO.

Pois então. Pra perceber o problema e poder acionar a manutenção é preciso de gente capaz de perceber o problema e com coragem para apertar o botão de alarme acionando a equipe de manutenção. E quem são essas pessoas, hein? Onde é que estão? Que ocupação elas têm? Será que são os políticos? Os padres? Os militares? Os executivos?

Quer saber de uma boa notícia? Ou má, dependendo de seu ponto de vista? Essas pessoas estão aí, ao seu lado. Uma delas, com certeza, é você. Que talvez nunca tenha considerado essa responsabilidade como agente que abre os olhos da sociedade para o nível de degradação a que se está chegando. E isso é compreensível. Precisa de tempo. Coragem. Generosidade. Perseverança.

Além disso, você deve estar ocupado demais trabalhando, não é?

Ah, mas você acha que não tem os conhecimentos necessários para perceber os sinais? Pois saiba que a formação dessa gente que aperta o botão, se dá por meio de umas besteiras aí que deixamos de lado: educação e cultura.

São a educação e a cultura que geram um olhar crítico, imune aos apelos comerciais da mídia e ao blá blá blá dos marqueteiros e políticos. E é então que se percebe o buraco em que estamos caindo.
A combinação de quarenta anos de educação deteriorada a cultura ao Deus dará, a mídia descompromissada a incompetência generalizada a confusão ideológica e o foco no curto prazo nos tornaram cegos para as luzes e surdos para as sirenes.

– O volume da televisão tá alto demais, não me deixa ouvir…

E, pra piorar, neste Brasil da entropia sem controle, quem aciona o alarme é chamado de subversivo pela maioria cega e surda. Pois quer saber? Acho bom você, seu subversivo, criar coragem e começar a apertar o botão de alarme.

Eu vou botar pra quebrar

Eu esse ano vou fazer meu cartaz
Botando banca pra cantar
Bola bagunçar
Vou passar a turma pra trás
Hei, hei, hei
Eu vou botar pra quebrar
A minha onda é violenta demais
Não adianta se cuidar
Bola pra abafar
Vou passar a turma pra trás
Ô,ô ô,
Sai da minha frente que eu quero passar
Eu vou botar pra quebrar
Vou quebrando tudo
Não consigo parar
Eu vou botar pra quebrar

Opa! Que tal a jovem guarda pra agitar? Você ouve, no podcast, a Silvinha, em 1967, com VOU BOTAR PRA QUEBRAR, do Carlos Imperial. Rararara..era bem o espírito daquela época. Hoje a moçada parece que tem medo…

E por falar nos processos que vão envelhecendo e apodrecendo diante de nossos olhos, trago um texto chamado ELA FEZ O QUE DEVIA… do Fernando Lopes, que escreve nas Iscas Intelectuais do Portal Café Brasil e que trata de um assunto que já cansou, de tão repetitivo. Mas não aparece ninguém para botar o dedo na ferida…

Ao fundo ouviremos o compositor, multi-instrumentista, maestro de bandas e arranjador Antônio de Pádua, lá do Rio Grande do Norte, com TANTO FAZ.

Centenas de mortos e milhares de desabrigados. O Rio de Janeiro vivendo um caos tristemente inédito. Vizinhos do mar desde sempre, os cariocas se afogam na irônica água doce da chuva. Mas qual foi mesmo o papel de cada envolvido nessa tragédia?

Nem os mais irritados negam que choveu uma quantidade inacreditável, digna de Noé mesmo assim, dá pra analisar alguns comportamentos e suas consequências na construção desse drama altamente previsível.

Quando começou? Difícil dizer. Talvez com a burrice catastrófica do governo Leonel Brizola, que incentivou, num populismo desmedido e irresponsável, a ocupação (ilegal) dos morros da Cidade Maravilhosa. Ele fez o que sabia fazer: Ganhar votos com populismo barato. Com agradinho. Que se dane o amanhã. O voto é hoje! Resumo da ópera: A artimanha se espalhou com rapidez por outras cidades fluminenses.

Continuou com a população carente, que sempre foi incentivada a ver o governo, seja estadual, federal ou municipal, como uma entidade etérea, metafísica, uma espécie de mãezona liberal. Essas pessoas fizeram o que sabiam fazer: Pediram à mãezona-governo tijolos, telhas e cimento, acompanhados da leniência e um proverbial fechar de olhos para o perigo da construção na vertical, sem o menor cuidado, sem engenheiros, sem arquitetos. Afinal, já que a mãe deixou, não deve ser perigoso, mano.

Nem governantes nem autoridades se esforçaram para retirar as pessoas das áreas de risco. A medida soaria impopular, e voto é voto cada um deles conta, meu chapa. Então, eles fizeram o que sabiam: Deram mais apoio à ocupação dos morros, e acabaram permitindo a construção de barracos em cima de um lixão desativado. “Favela não é problema, é solução”, disse o vice-governador Darcy Ribeiro em 1980. Grande filósofo, mas urbanista ruim demais. Esse também fez o que sabia: Populismo socialista para angariar votos. A realidade, essa coisa incômoda, que se lasque.

A chuva, alheia a tudo isso, fez o que sabia: Caiu e escorreu. Levou casas, vidas, sonhos, esperanças. Deixou a velha lição: Aprendam com os erros, idiotas. A diferença entre o político e o estadista é que o político pensa na próxima eleição, e o estadista na próxima geração. Porque a chuva não matou ninguém.

O culpado foi o populismo, a política rastaquera, calhorda, a irresponsabilidade de politiqueiros e invasores. Vamos ver se alguém reconhece o lado pedagógico dessa imensa tristeza. Punir os culpados também não seria nada ruim. Pelo contrário, seria um excelente começo tapar a boca de políticos populistas com seus falsos milagres e começar a acreditar na boa e velha chuva. Ela nunca mente. E nunca, nunca age de maneira diferente. Simplesmente cai e escorre.

Chove Chuva

Chove sem parar…(2x)

Pois eu vou fazer uma prece
Prá Deus, nosso Senhor
Prá chuva parar
De molhar o meu divino amor…

Que é muito lindo
É mais que o infinito
É puro e belo
Inocente como a flôr…

Por favor, chuva ruim
Não molhe mais
O meu amor assim…(2x)

Chove Chuva
Chove sem parar…(2x)

Sacundim, sacundém
Imboró, congá
Dombim, dombém
Agouê, obá
Sacundim, sacundém
Imboró, congá
Dombim, dombém
Agouê
Agouê, oh! oh! oh! obá
Agouê, oh! oh! oh! obá
Agouê, oh! oh! oh! obá…

E essa, quem é? É a soteropolitana Maria Waldelurdes Costa de Santana Dutilleux. Que nomão, né? Mas fica mais fácil se a gente chamar pelo apelido: Daúde, com uma nova versão do clássico CHOVE CHUVA de Jorge Benjor. E a participação especial de Carlinhos Brown…

Bem, pesquisando sobre os processos que podem nos ajudar a reduzir os efeitos da entropia brasileira, mergulhei na psicologia. Quem sabe estudando a gente eu entendo o país? Pois encontrei uma coisa preciosa sobre a qual você – se não for do ramo – talvez nunca tenha ouvido falar: a homeostase.

Homeostase é a propriedade de um sistema, em especial dos seres vivos, de se regular internamente para manter o organismo equilibrado. Por exemplo, quando a temperatura sobe, seu corpo avisa: calor! E você começa a transpirar. É a homeostase atuando para manter sua temperatura interna equilibrada.

O ar está seco? Seu corpo pede: água! E você sente sede e precisa tomar um gole para hidratar-se e manter o organismo equilibrado.

É a homeostase que explica nossa necessidade de sal, água, comida e oxigênio.

Hoje em dia, além de em seres vivos, a homeostase já é usada para explicar certos comportamentos de indivíduos ou grupos de pessoas em relação a contextos externos. O termo entrou na moda definitivamente nos anos sessenta depois que o ambientalista James Lovelock anunciou sua Hipótese de Gaia, propondo que o planeta Terra é um sistema complexo, um organismo vivo e inteligente que pratica a homeostase para manter-se em equilíbrio. Assim, as grandes catástrofes naturais seriam manifestações da busca da estabilidade pelo planeta. Fascinante, não?

Pois então… Parodiando Lovelock, eu acho que o Brasil também é um sistema, constituído por um território, quase 200 milhões de indivíduos e suas interações. O Brasil é um organismo vivo! E está desequilibrado. Depois do terrível aprendizado dos anos da alta inflação, fomos treinados a dar atenção apenas à economia. E hoje temos indicadores econômicos aparentemente muito positivos, mostrando que conseguimos equilibrar nossas contas, estimular nossos mercado e proteger nossa economia. Estamos economicamente robustos e em franco desenvolvimento econômico. Mas a economia é apenas um dos “órgãos” do Brasil. E nem de longe o mais importante.

Você só pensa em grana

Você só pensa em grana
Meu amor!
Você só quer saber
Quanto custou a minha roupa
Custou a minha roupa…

Você só quer saber
Quando que eu vou
Trocar meu carro novo
Por um novo carro novo
Um novo carro novo
Meu amor!…

Você rasga os poemas
Que eu te dou
Mas nunca vi você
Rasgar dinheiro
Você vai me jurar
Eterno amor
Se eu comprar um dia
O mundo inteiro…

Quando eu nasci
Um anjo só baixou
Falou que eu seria
Um executivo
E desde então eu vivo
Com meu banjo
Executando os rocks
Do meu livro
Pisando em falso
Com meus panos quentes
Enquanto você rir
No seu conforto
Enquanto você
Me fala entre dentes
Poeta bom, meu bem!
Poeta morto!…

Você só pensa em grana
Meu amor!
Você só quer saber
Quanto custou a minha roupa
Custou a minha roupa…

Você só quer saber
Quando que eu vou
Trocar meu carro novo
Por um novo carro novo
Um novo carro novo
Meu amor!…

Você rasga os poemas
Que eu te dou
Mas nunca vi você
Rasgar dinheiro
Você vai me jurar
Eterno amor
Se eu comprar um dia
O mundo inteiro…

Quando eu nasci
Um anjo só baixou
Falou que eu seria
Um executivo
E desde então eu vivo
Com meu banjo
Executando os rocks
Do meu livro
Pisando em falso
Com meus panos quentes
Enquanto você rir
No seu conforto
Enquanto você
Me fala entre dentes
Poeta bom, meu bem!
Poeta morto!
Poeta bom, meu bem!
Poeta morto!
Poeta bom, meu bem!
Poeta morto!…

Você ouviu, no podcast, VOCÊ SÓ PENSA EM GRANA, com o Zeca Baleiro. Ele devia botar essa letra no plural…

Como é que está o equilíbrio do “organismo Brasil” na área política? Na social? E na cultural? Na ambiental? Na justiça? Na educação? Esses “órgãos” são interdependentes e estar bem na economia não garante o equilíbrio do sistema, sacou?

Por isso começamos a ver algumas manifestações da homeostase do Brasil. A violência é uma delas. Como uma espécie de febre, é um indicativo de que algo não vai bem no organismo social brasileiro, que não consegue se curar sozinho.

A burrice institucionalizada é outra. Um indicativo de que na área cultural e educacional, algo anda desequilibrado. E o organismo não consegue se curar sozinho.
Mas onde o bicho pega mesmo é no equilíbrio moral, que há tempos foi para a cucuia. O organismo brasileiro está moralmente desequilibrado. Doente. E a homeostase brasileira não dá conta de equilibrá-lo.

Nosso organismo só será saudável quando todo o sistema estiver em equilíbrio. Tá na hora de tomar remédio.

E daí? Agora que você já sabe da entropia e da homeostase, que tal começar a botar a boca no trombone e apertar o botão do pânico toda vez que perceber que algo está indo mal? Quando todos começarem a reclamar os que mandam vão ter que se coçar…

Cura cuca

Cura a cuca
a produção intensa
por puro prazer

Ter na mente
a semente certa
por acontecer

Tinta, projeção, madeira,
palco, perfume, tecido,
taco, bola, palha, pá
panela, lápis, laser, lar
Tudo pode inspirar
Tudo é referência

Escultura com alfinete
mola, bombril e gilete
preto e branco ou colorido
mundo fica mais bonito
O negócio é começar
Pra ter pr’onde caminhar
Aromatólogo nato
Viajar tá no contrato
De quem aprecia o ato
De falar pra multidão
Tem que ter clara intenção
Vida em evolução

Equilibrador de pedra
Desenhista de brinquedo
Turistista ou Turistero
Rima rica em você
Sempre esteve e estará
Escondida ou clara

Fome do novo
Fome do novo
Tudo é inspiração
Mas que piração

E é assim, ao som de CURA CUCA, com A PAULISTANA Giana Viscardi que o Café Brasil de hoje vai partir pra outra. Mas fique frio, que semana que vem a gente volta, ah se volta…

Com Lalá Moreira na técnica, Ciça Camargo na produção e eu, Luciano Pires, na direção e apresentação.

Estiveram conosco Bendegó, Luiz Tatit, Silvinha, Antonio de Pádua, Daúde com Carlinhos Brown, Zeca Baleiro e Giana Viscardi.

Gostou? Então deixe um comentário na página dos podcasts em www.portalcafebrasil.com.br. Pra terminar, uma frase do ex-presidente estadunidense John Kennedy

As coisas não acontecem simplesmente. Alguém as faz acontecer.

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