Chico Anysio, Millôr e a moeda má

Em meu programa Café Brasil 276 – O Mundo Pós Idéia, conto que na Inglaterra do século 16 as moedas tinham seu valor de face determinado conforme a quantidade de ouro com que eram cunhadas. Quanto mais pesadas, mais ouro continham e, portanto, valiam mais. Sir Thomas Gresham, conselheiro da Rainha Isabel I da Inglaterra, em 1558 afirmou que se o estado decidisse cunhar novas moedas com o mesmo valor facial, mas com menos quantidade de ouro, os agentes econômicos tenderiam a guardar a moeda mais pesada, com mais ouro, a moeda boa, e fazer circular a moeda mais leve, com menos ouro, a má. A frase “A moeda má expulsa a moeda boa” ficou conhecida como a Lei de Gresham.

Bem, esta semana escolhi o tema “ironia” para montar um de meus programas de rádio e podcasts. Ao preparar o texto, pedi a meu amigo Minás Kuyumjian Neto que escrevesse algo sobre o tema. E ele começou assim: “Conta-se que, por volta de 1970, período mais negro da nossa ditadura, o escritor e humorista Millôr Fernandes estava em um coquetel quando foi procurado por um general tido como truculento, que lhe disse sorrindo: ‘Então você é o famoso humorista? Me conta uma piada’. Millôr teria respondido rapidamente: ‘Só se o senhor der uns tiros de canhão’.”

Esse era o Millôr. Irônico, sarcástico e genial.

Pois quando eu estava terminando o texto do programa recebi a notícia: Millôr Fernandes morrera no Rio de Janeiro, aos 87 anos. Lembrei que nas semanas anteriores haviam ido, aos 69 anos, nosso principal estudioso do comportamento animal Cesar Ades; os 63 anos, o pioneiro no estudo de células-tronco Julio Voltarelli; aos 88 anos, o geógrafo Aziz Ab’Saber e aos 80, Chico Anysio.

Cesar, Julio, Aziz, Chico e Millôr, todos geniais em seus campos de atuação, partindo quase ao mesmo tempo. Quanto dessa sangria de gênios um país pode suportar? Depende, especialmente da capacidade de reposição. Mas veja as idades deles: o mais novo se foi aos 63 anos! Todos formados numa época muito diferente da atual.

Lembrei-me imediatamente daquele mesmo programa Café Brasil 276, quando usei um texto do jornalista norte americano Noel Gabler chamado “As 14 Maiores Ideias do Ano”. Lá pelas tantas, após nominar vários cientistas e intelectuais de renome, Noel solta esta pérola: “Uma geração atrás, esses homens teriam chegado a revistas populares e às telas da televisão. Agora, eles são expelidos pelo tsunami informacional.” E arremata: “Vemos a substituição do intelectual público na mídia em geral pelo sabichão que troca extravagâncias por ponderação, e o consequente declínio do ensaio em revistas de interesse geral. E temos a ascensão de uma cultura cada vez mais visual, especialmente entre os jovens – uma forma menos favorável à expressão de ideias.”

A moeda má expulsando a moeda boa…

Cesar, Julio, Aziz, Chico e Millôr eram moedas boas. O que é que vai circular no lugar deles?

Luciano Pires

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