No Rio de Janeiro, uma operação policial contra traficantes termina com mais de cento e vinte mortos e – mais uma vez – os meios de comunicação se dividem entre os que aplaudem e os que condenam. Começa então, em cima dos cadáveres, uma encenação político-ideológica nojenta, como já vimos muitas vezes.
O que se viu foi a velha lógica da Lei de Talião em ação: o Estado devolvendo, “na mesma medida”, a violência que recebe todos os dias das facções que dominam os morros.
É uma herança direta do mesmo espírito da Lei de Talião, que está no Código de Hamurábi, um dos mais antigos conjuntos de leis conhecidos, criado na Babilônia por volta de 1750 a.C.
A Lei de Talião introduziu uma forma primitiva de justiça equilibrada: se alguém causasse a perda de um olho, perderia o próprio; se quebrasse um dente, sofreria igual dano. Vem daí a expressão “olho por olho, dente por dente”.
Com o tempo, o termo evoluiu para os significados modernos de vingança proporcional (no sentido jurídico, militar ou diplomático) e resposta punitiva equivalente, como em “retaliação econômica” ou “retaliação militar”.
Há quem chame de barbárie o que aconteceu esta semana no Morro do Alemão e Penha. Pode ser. Mas antes de apontar o dedo, vale lembrar que a barbárie começou há muito tempo — quando o medo se tornou rotina, quando mães se ajoelham pedindo para o filho não virar estatística, quando o crime passou a ditar moda, gíria e moral.
Durante décadas, a sociedade foi empurrada contra a parede por uma cultura que glorifica o bandido e ridiculariza o policial. Que transforma traficante em “influencer” e vê o fuzil como acessório de status. A ode ao crime invade a cultura, a música, o cinema. E os espaços políticos. Até que um dia, uma parte do Estado, cansada de apanhar, morde de volta.
É disso que se trata a retaliação: o limite da paciência coletiva. O “chega” de um povo que não suporta mais ser refém do medo, da covardia institucional e da inversão de valores.
Não, não é bonito. Mas é humano. É o grito da Lei de Talião ecoando no século XXI — “na mesma moeda”.
Não por prazer, mas por saturação.
E pra quem acha que pior que tá não fica, vem aí o Deputado Oruam…
O cinema entendeu há muito tempo o fascínio que a Lei de Talião exerce sobre o público. Basta olhar para as bilheterias e as plateias em delírio com Clint Eastwood como Dirty Harry com o “Make my day”… Em Gladiador, quando Maximus vinga a família assassinada. Em John Wick, exterminando, um a um, os que ousaram matar seu cachorro — símbolo de seu último afeto. O Conde de Monte Cristo, Desejo de Matar, Rambo, Um Dia de Fúria, Tropa de Elite… todos exploram o mesmo instinto primitivo: o prazer em ver o mal sendo punido com a própria moeda. É o espectador dizendo, no escuro da sala, aquilo que não pode gritar na vida real: “enfim, justiça!” — mesmo que o preço dessa justiça seja a perda da própria humanidade.
Pensando bem, o que devia nos envergonhar não é a retaliação em si, mas o fato de termos deixado o crime chegar tão longe a ponto de torná-la inevitável.
E pra você? O que aconteceu no Rio de Janeiro foi justiça ou vingança?
