Cafezinho 686 – A Falácia da Régua Simétrica – Apontar o dedo para um só lado é necessidade moral.

Vivemos tempos curiosos. Gente que não consegue manter a própria vida em ordem agora se apresenta como fiscal da coerência alheia. E uma das armas mais comuns dessa patrulha é a régua simétrica: uma exigência disfarçada de virtude, que obriga o sujeito a criticar “os dois lados” com a mesma intensidade — não importa se um está cometendo crime e o outro apenas tropeçando nas próprias falas.

A lógica é simples, rasteira e sedutora: se você criticou o indivíduo X por corrupção, é obrigado a criticar o indivíduo Y com o mesmo peso, ainda que ele esteja apenas atrapalhado na comunicação. Caso contrário, será imediatamente rotulado de parcial, desonesto, militante.

Mas veja bem: exigir simetria na forma é fingir que há simetria no conteúdo.

Vou repetir: exigir simetria na forma é fingir que há simetria no conteúdo.

Quem vive cobrando “coerência” aos gritos normalmente está mais interessado em defender sua própria narrativa do que em buscar justiça. Para essa gente, o verdadeiro problema não é a corrupção, o autoritarismo ou o desprezo pela liberdade. O problema é você não criticar o meu inimigo do mesmo jeito que critica o meu aliado. Não é questão de ética, é questão de torcida.

A régua simétrica é um instrumento de controle. Um modo elegante de calar a crítica legítima. Uma chantagem emocional embalada em papel de presente. Afinal, quem quer parecer imparcial precisa distribuir bordoadas em doses iguais, mesmo quando a realidade grita que os pesos são diferentes.

Mas o mundo é assimétrico. As pessoas são assimétricas. E os erros nem sempre têm o mesmo tamanho, a mesma motivação ou a mesma consequência.

Um jornalista comete uma falha de apuração. Um propagandista de regime autoritário espalha mentiras sistemáticas. Mas se você critica só o segundo, dizem que está “sendo parcial”. A ideia de que intenção, impacto e contexto importam fica para quem pensa — e esse pessoal anda em extinção.

Faz sentido?

Quem cobra simetria a qualquer custo tem raciocínio preguiçoso, que se contenta com a aparência de justiça. O problema é que esse tipo de cobrança afasta o pensamento crítico e atrai a covardia. Ao exigir que toda crítica venha acompanhada de seu “contraponto equivalente”, transformamos o debate público numa gincana de neutralidade artificial. E aí ninguém fala o que realmente pensa — só o que não vai parecer “tendencioso”.

Não, obrigado. Eu não entrei nesse jogo para parecer justo. Entrei para ser honesto. E, às vezes, ser honesto é assumir que tem gente fazendo mais besteira que outra. Que tem um lado mais perigoso que o outro. Que, num país onde o cinismo é política de Estado, apontar o dedo com força para um só lado não é falta de isenção — é necessidade moral.

Crítica boa não se mede pela régua simétrica dos covardes.