Talvez você não saiba, mas desde 2016 tenho no Telegram uma Confraria onde assinantes dos vários planos do Café Brasil se encontram diariamente para discutir assuntos diversos. Ela é ótima. Mas ontem de madrugada escrevi nela um texto que quero compartilhar com você aqui.
“Se minha memória não falhar, hoje foi a primeira vez, desde que esta Confraria foi fundada, que perdemos um Confrade por morte. E foi um confrade querido, o Tom Sarti. O Tom já não estava tão ativo por aqui, andava com problemas de saúde e com os negócios, mas era um lutador. Noventa por cento do podcast Saindo da Bolha era ele. E até onde sei, se deu bem com as pessoas aqui no grupo, não é?
Provavelmente quem mais teve contato com ele, fui eu. Ele me visitou, fizemos algumas ações juntos. Ele lançou seu e-book e livro na minha loja, eu estava tentando convencê-lo a gravar um LíderCast, mas um infarto fulminante destruiu todos os planos.
Recebi a notícia já perto da hora do velório e enterro, fui até lá na correria, fechando mais um capítulo de um conhecido. Não deu nem tempo de pensar em coroa.
Aqui na Confraria tivemos algumas reações quando eu trouxe a notícia, avisado pela Bárbara, que foi avisada por uma ex-confreira. Mas, passados alguns minutos, a vida voltou ao normal e retomamos a discussão sobre a Janja e a taxação do Trump.
Houve um tempo em que a Confraria se mobilizava de forma inacreditável sempre que algum Confrade tinha algum problema. Temos histórias incríveis. Era um engajamento de fazer inveja a outros grupos. Mas aos poucos os grandes engajados foram saindo, as pessoas foram perdendo o interesse, a vida foi nos atropelando e hoje, quando um Confrade morreu, a vida voltou ao normal em minutos.
Eu não sei como isso pode parecer a vocês, mas perceber que damos mais atenção e tempo de vida à discussões políticas, à gente desprezível como Dilmo e Janja, quando um ciclo da vida de um colega termina, parece ser uma demonstração de que estamos anestesiados.
A polarização política, o medo enfiado em nossas cabeças, a indignação com a classe que nos dirige e nos ameaça, entorpeceu nossas emoções, nossa empatia. E isso me parece ser um microcosmo que representa o estado atual da sociedade brasileira.
Não por acaso, publiquei um Café Brasil ontem, o 986, chutando as canelas dos ouvintes que não se engajam. Mas estou concluindo que o brasileiro só se engaja com coisas que permitam uma fuga da realidade, como comento no episódio.
E não posso me furtar a um detalhe. Tom Sarti foi enterrado num túmulo simples, sem lápide, apenas com uma plaquinha. Bem numa das extremidades do Cemitério da Paz, no Morumbi. Debaixo de uma muralha verde gigantesca de bambus. Um lugar bonito. E isso imediatamente me trouxe uma reflexão lá mesmo, no cemitério.
Sobre réquiem.
Réquiem é uma composição musical — geralmente clássica — escrita para ser executada durante funerais ou cerimônias em memória dos mortos. Algumas obras famosas são o Réquiem em Ré menor de Mozart, o Réquiem Alemão, de Brahms, o Réquiem de Verdi…
Essas obras misturam solenidade, melancolia e espiritualidade, e são marcos da música sacra.
O Cemitério da Saudade não fica na parte nobre do Morumbi. Na verdade, ali já é meio periferia, e durante todo o enterro, o que se ouvia era um bar ou uma casa ou um boteco, tocando funk (brasileiro) nas alturas. O réquiem do Tom Sarti, um batalhador pelos valores, pela verdade, pela cultura, foi ao som de funk, meus caros. E quando percebi isso, senti que era o destino sendo irônico. Ou talvez tenha sido apenas o som amargo da realidade se impondo.
Hoje, na verdade ontem, foi um dia triste.
Então publiquei no post um link para Réquiem em Ré menor – Lacrimosa – de Mozart.
