Cafezinho 658 – Cachorro azul não voa

Pense assim: se você vê uma foto de um cachorro azul voando, sua mente rejeita imediatamente porque isso não faz sentido dentro das regras do mundo que conhecemos. Mas se você vê uma imagem de um político em um evento, ou de um famoso em um lugar inesperado, a coisa muda de figura. Parece plausível? Então, muitos aceitarão como verdade, mesmo que seja uma manipulação digital.

Plausibilidade é a qualidade de algo parecer verdadeiro, crível ou razoável dentro de um determinado contexto, mesmo que não necessariamente seja real. A mente humana determina o que é plausível com base em um conjunto de referências internas que construímos ao longo da vida. Essas referências são formadas por experiências, aprendizado, memória e padrões que reconhecemos no mundo ao nosso redor. Quando nos deparamos com uma informação nova – seja uma imagem, um vídeo ou uma história – nosso cérebro automaticamente compara isso com o que já sabemos e tenta avaliar se aquilo faz sentido dentro da nossa realidade conhecida. “Cachorro azul não voa. Aliás, cachorro nenhum voa.  Azul não é cor de cachorro…”

O problema é que essa “bússola da verdade” é frágil, porque depende da nossa capacidade individual de avaliar contexto, histórico e lógica. Antes, podíamos confiar na evidência visual como prova. Agora, não mais. O que nos resta é desenvolver um pensamento crítico cada vez mais apurado para não cair em armadilhas, pois a tecnologia avança muito mais rápido do que nossa capacidade de adaptação.

Isso significa que nossa única arma será o bom senso, a análise crítica, a capacidade de contextualizar as coisas. Capacidade de julgamento e tomada de decisão. Se uma imagem faz sentido dentro do que conhecemos do mundo, talvez seja verdadeira. Se parece deslocada, talvez seja uma fraude. Mas veja bem: talvez. O problema é que essa margem de dúvida já está contaminando tudo o que vemos.

E o pior? A tecnologia que cria essas imagens falsas avança numa velocidade muito maior do que a tecnologia capaz de desmascará-las. Estamos sempre um passo atrás. A IA já gera fotos perfeitas, vídeos hiper-realistas e até vozes idênticas às originais. Mas os dispositivos que usamos todos os dias ainda não vêm com ferramentas eficientes para detectar se o que estamos vendo é autêntico ou manipulado.

Ora, se a indústria da IA tem capacidade para criar essas imagens, por que não cria a ferramenta para identificá-las? Simples: não é prioritário para quem está no comando. O caos informacional é um ótimo negócio. E o resultado disso é uma crise de confiança sem precedentes. A partir de agora, sempre que você ver uma foto na internet, a dúvida será inevitável: isso aconteceu mesmo ou foi gerado por um algoritmo?

Pode parecer coisa de teórico da conspiração, mas não é. Esse é o novo normal. Se antes nos preocupávamos com fake news, agora precisamos nos preocupar com fake reality. O que acontece quando ninguém mais tem certeza de nada? A resposta é simples: o controle da verdade passa para as mãos de quem grita mais alto, de quem tem mais poder para dizer o que é real e o que não é. Dos melhores contadores de histórias.

O jogo mudou, meu caro. E se você não desenvolver sua capacidade crítica, vai ser engolido por ele.