Discutir religião não é fácil. Discutir religiosidade e espiritualidade é mais. E é isso que faremos neste programa, a partir de reflexões de Rubem Alves e de Ed René Kivitz. E o programa começa com uma frase de um anônimo, que é uma porrada:Deus está vivo. Só não quer se envolver….
Não importa se você é católico, judeu, hindu, muçulmano, budista, xintoísta, evangélico, umbandista ou corinthiano. Este programa foi feito para sua alma.
Na trilha sonora, desta vez menos caótica, amúsica de Gilberto Gil, Ivette Matos, Moacyr Franco, Vanuza, Vozes das Gerais, Arthur Moreira Lima e Rubi. Apresentação de Luciano Pires.
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Bom dia, boa tarde, boa noite. Vários leitores e ouvintes já me escreveram perguntando porque eu falo tão pouco de religião, de Deus, se sou agnóstico ou ateu. Falando de política, eu já arrumo sarna pra me coçar, imagine falando de religião… Hoje vou tirar o atraso. O Café Brasil de hoje trata de religiosidade.
Pra começar, uma frase de um anônimo:
Deus está vivo. Só não quer se envolver…
Hummmm….e ao som delcioso de Se eu quiser falar com Deus, de Gilberto Gil, vamos ver quem é o sortudo ganhador do prêmio da semana.
Desta vez será um exemplar do livro Iscas culinárias, do meu amigo Minás.
Quem ganhou…. foi o abençoado Alfredo Oliveira, que comentou o podcast Cassando Lobato. Aliás, um comentáriozão… lá vai:
Olá Luciano, eu assistí a notícia sobre a proibição de Monteiro Lobato nas escolas primeiro no “Bom dia Brasil” e logo em seguida lí na “Folha de São Paulo” e descobri que a minha capacidade de me surpreender continua tão infinita quanto o universo ou a estupidez humana. O melhor comentário que ouvi sobre esta notícia foi você que deu ao colocar na sonoplastia o som de uma descarga.
É impressionante como a intolerância e medo e cagaço se unem para produzir a aprovação da tese deste cidadão de mente estreita e rasteira.Nunca consegui entender o “politicamente correto”.
Mesmo usando palavras consideradas corretas, basta escolher uma entonação e contexto adequados para parecer que saiu da boca cheia de ódio de um militante da Ku-Klux-Klan.
A definição final do seu podcast de que o “politicamente correto” na verdade organiza o ódio é tristemente verdadeira.
A beleza da tolerância que sempre tivemos entre negões (ou neguinhos segundo o porte), alemães (qualquer loiro grande), galegos (qualquer branquelo pequeno e/ou loiro), turcos ( qualquer árabe ou assemelhado, incluindo judeus), japas (qualquer um de “olhos rasgados”), baianos (qualquer um com sotaque nordestino ou gosto duvidoso em se vestir) como dizíamos na infância nunca trouxe nenhum problema entre os minimamente inteligentes que conheci.
E isso perdurou acho que até a faculdade de engenharia, onde simplesmente não importava mais e naturalmente fomos abandonando os hábitos de infâcia mesmo sem a ajuda das patrulhas do politicamente correto.
Era mais ou menos como beijar uma menina no rosto ao cumprimentá-la: era um protocolo social reservado às amigas com alguma intimidade, igualmente qualquer outra denominação somente usávamos entre negões, galegos, turcos e japas conhecidos e não indiscriminadamente, ou em resumo, usava a boa educação que minha mãe (sergipana) me deu e igualmente faziam os meu colegas minimamente inteligentes.
Correndo o risco de ser caçado como você, acho tudo isso do politicamente correto de uma idiotice atroz e nivela por baixo o padrão de comportamento social. Um saco…
Um abraço do Alf, e certamente esse podcast entra para minha lista de favoritos juntamente com aquele sobre o “cagaço”.
O Alfredo ganhou o livro pois comentou o podcast no www.portalcafebrasil.com.br. E você?
Se eu quiser falar com Deus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar
Olha só… a Yvette Matos, de quem já falei aqui no Café Brasil, numa interpretação deliciosa da música de Gil… E você, hein? Quer falar com Deus?
Bem, sou Católico Apostólico Romano. Minha mãe é o que costumamos chamar de carola. Ela vai à missa todo domingo, participa das ações da igreja, de procissões e recebe em casa a Santa que fica ali na sala, com a velinha acesa. Ela me fez ir à missa todo domingo, até eu completar meus 18 anos. Fiz tudo que um católico tem que fazer: sou batizado, fiz o catecismo, crisma, participei daqueles grupos religiosos para jovens que foram uma febre nos anos setenta e até curso pra noivo eu fiz na igreja.
Reconheço que a formação cristã que recebi é responsável por muitos dos valores que ajudaram a que eu me tornasse quem sou. Com o tempo amadureci e um dia achei que não precisava de todos aqueles rituais para professar a minha religiosidade. Aliás, comecei a questionar essa tal religiosidade, essa coisa de fé no que não se pode ver. E me afastei da igreja, não mais freqüentando as missas, não confessando, não comungando e deixando meu lado espiritual de lado.
Fui cuidar das coisas materiais…
Mas uma coisa eu fiz, e fiz de forma séria: jamais abandonei os valores cristãos e nunca tive qualquer preconceito com pessoas religiosas, seja de que vertente forem. Para mim, religião é algo pessoal, cada um age como quiser e só vou me incomodar se o maluco quiser explodir um ônibus, arrancar dinheiro dos ingênuos ou aproveitar-se de sua posição pastoral para obter vantagens pessoais.
No fundo eu pensava o seguinte: quando chegar a hora eu retorno às minhas raízes e vou professar a fé de alguma forma.
Reza
Lá vou eu
chorar mais uma vez de amor
Já sei que vão dizer
que eu não sei do amor
me defender
Melhor assim
Azar de mim!
Lá vou eu
perder mais uma vez no amor
Que eu sei
Me leva uma canção
falando de perdão e muita dor
Mas lá vou eu
Rezem por mim!
Lá vou eu
chorar mais uma vez de amor
Já sei que vão dizer
que eu não sei do amor
me defender
Melhor assim
Azar de mim!
Lá vou eu
perder mais uma vez no amor
Que eu sei
Me leva uma canção
falando de perdão e muita dor
Mas lá vou eu
Rezem por mim!
Mas lá vou eu
Rezem por mim!
Mas lá vou eu
Rezem por mim!
Sabe quem cantou no podcast? A Vanuza, claro, com Reza, de Sérgio Bittencourt e Sílvio Silva. Essa moça cantava, viu? Pena que vai ser lembrada por aquele vacilo do Hino Nacional…
Bem, ainda estou esperando que chegue a hora de cuidar de meu lado espiritual, mas por enquanto me delicio com as colocações que Rubem Alves faz sobre religião. Quer ver só?
Ao ler as escrituras comportamo-nos como um artista que seleciona cacos para construir um mosaico ou como um compositor a compor sua sonata. Os cacos das Escrituras Sagradas existiram por muito tempo como estórias que eram contadas oralmente, antes de serem transformados em textos para serem lidos. O registro escrito dessa tradição oral trouxe uma vantagem: as estórias continuam a existir mesmo depois da morte do contador de estórias.
Cada religião é um mosaico, um jeito de ajuntar os cacos.
Tudo o que vive é pulsação do sagrado. As aves dos céus, os lírios dos campos… Até o mais insignificante grilo, no seu cricri rítmico, é uma música do Grande Mistério. É preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-lo sem nome no assombro da vida.
Paixão e fé
Já bate o sino, bate na catedral
E o som penetra todos os portais
A igreja está chamando seus fiéis
Para rezar por seu Senhor
Para cantar a ressureição
E sai o povo pelas ruas a cobrir
De areia e flores as pedras do chão
Nas varandas vejo as moças e os lençóis
Enquanto passa a procissão
Louvando as coisas da fé
Velejar, velejei
No mar do Senhor
Lá eu vi a fé e a paixão
Lá eu vi a agonia da barca dos homens
Já bate o sino, bate no coração
E o povo põe de lado a sua dor
Pelas ruas capistranas de toda cor
Esquece a sua paixão
Para viver a do Senhor
Você está ouvindo Paixão e fé, Tavinho Moura e Fernando Brandt, numa interpretação deliciosa do Vozes das gerais que está num CD imperdível chamado Paixão e fé na canção brasileira. Curte mais um pouquinho aí…
Pois é… em minha jornada tenho encontrado pessoas realmente especiais entre os religiosos.
Um deles, ED RENÉ KIVITZ, pastor da Igreja Batista de Água Branca em São Paulo, teve uma inspiração divina para tratar do tema religião e espiritualidade.
No dia 1°/Abr/2010, o elenco do Santos campeão paulista de futebol foi a uma instituição para distribuir ovos de Páscoa para crianças e adolescentes, a maioria com paralisia cerebral. Mas uma parte dos atletas não saiu do ônibus. Robinho, Neymar, Ganso, Fábio Costa, Durval, Léo, Marquinhos e André teriam alegado motivos religiosos, pois a instituição era o Lar Espírita Mensageiros da Luz, de Santos-SP, cujo lema é Assistência à Paralisia Cerebral.
Constrangido, o técnico Dorival Jr. tentou convencer o grupo a participar da ação de caridade, sem sucesso. Outros jogadores participaram da doação dos 600 ovos, entre eles, Felipe, Edu Dracena, Arouca, Pará e Wesley, que conversaram e brincaram com as crianças.
Pois meu amigo Ed René Kivitz escreveu a respeito um texto chamado No Brasil, futebol é religião,
que você vai ouvir tendo ao fundo PROCISSÃO, também do Gil, mas com o piano de Arthur Moreira Lima…
“Os meninos da Vila pisaram na bola. Mas prefiro sair em sua defesa. Eles não erraram sozinhos. Fizeram a cabeça deles. O mundo religioso é mestre em fazer a cabeça dos outros. Por isso, cada vez mais me convenço que o Cristianismo implica a superação da religião, e cada vez mais me dedico a pensar nas categorias da espiritualidade, em detrimento das categorias da religião.
A religião está baseada nos ritos, dogmas e credos, tabus e códigos morais de cada tradição de fé. A espiritualidade está fundamentada nos conteúdos universais de todas e cada uma das tradições de fé. Quando você começa a discutir quem vai para céu e quem vai para o inferno ou se Deus é a favor ou contra a prática do homossexualismo ou mesmo se você tem que subir uma escada de joelhos ou dar o dízimo na igreja para alcançar o favor de Deus, você está discutindo religião.
Quando você começa a discutir se o correto é a reencarnação ou a ressurreição, a teoria de Darwin ou a narrativa do Gênesis, e se o livro certo é a Bíblia ou o Corão, você está discutindo religião. Quando você fica perguntando se a instituição social é espírita kardecista, evangélica, ou católica, você está discutindo religião.
O problema é que toda vez que você discute religião você afasta as pessoas umas das outras, promove o sectarismo e a intolerância.
A religião coloca de um lado os adoradores de Allá, de outro os adoradores de Yahweh, e de outro os adoradores de Jesus. Isso sem falar nos adoradores de Shiva, de Krishna e devotos do Buda, e por aí vai. E cada grupo de adoradores deseja a extinção dos outros, ou pela conversão à sua religião, o que faz com que os outros deixem de existir enquanto outros e se tornem iguais a nós, ou pelo extermínio através do assassinato em nome de Deus, ou melhor, em nome de um deus, com d minúsculo, isto é, um ídolo que pretende se passar por Deus.
Mas, quando você concentra sua atenção e ação, sua praxis, em valores como reconciliação, perdão, misericórdia, compaixão, solidariedade, amor e caridade, você está no horizonte da espiritualidade, comum a todas as tradições religiosas. E quando você está com o coração cheio de espiritualidade, e não de religião, você promove a justiça e a paz.
Os valores espirituais agregam pessoas, aproximam os diferentes, faz com que os discordantes no mundo das crenças se deem as mãos no mundo da busca de superação do sofrimento humano, que a todos nós humilha e iguala, independentemente de raça, gênero, e inclusive religião.
Em síntese, quando você vive no mundo da religião, você fica no ônibus. Quando você vive no mundo da espiritualidade que a sua religião ensina ou pelo menos deveria ensinar, você desce do ônibus e dá um ovo de páscoa para uma criança que sofre a tragédia e miséria de uma paralisia mental.
Ed René Kivitz, cristão, pastor evangélico, e santista desde pequenininho.
E é Rubem Alves quem diz:
Angelus Silesius, pseudônimo do poeta polonês Johannes Scheffer, disse um dia que o olho através do qual Deus me vê é o mesmo olho através do qual eu vejo Deus. E assim Deus virou vingador que administra um inferno, inimigo da vida que ordena a morte, eunuco que ordena a abstinência, juiz que condena, carrasco que mata, banqueiro que executa débitos, inquisidor que acende fogueiras, guerreiro que mata inimigos, igualzinho aos pintores que o pintaram. E aqui estamos nós diante desse mural milenar gigantesco onde foram pintados rostos que os religiosos dizem ser rostos de Deus. Cruz credo. Exorcizo.
Deus não pode ser assim tão feio…
Oração do anjo
Não permita Deus que eu morra
Sem ter visto a terra toda
Sem tocar tudo que existe
Não permita Deus que eu morra triste
Dai – me a graça de viajar de graça
Por essa esfera afora
De virar uma linda senhora
Uma linda lenda
Tecer cada fio da renda
Contar cada cacho
De cabelo de anjo
Transformá-lo num bonito arranjo
Da mais bela canção
Não permita Deus que eu me vá
Sem sorver esse guaraná
Sem espalhar meu fogo brando
E acalmar a brasa do mundo
E aquecer mais uma vez
O coração do universo
Nas contas do meu terço
Nas cordas do meu violão
E é assim, ao som de Oração do anjo, de Ceumar e Mathilda Kóvak, na voz deliciosa de Rubi que nosso Café Brasil religioso sai de mansinho…
Deu pra entender? Cada um trata da religião como acha que deve ser.
Respeito os que tem, os que não tem, os que rezam e os que não rezam, os que temem e os que não temem. Respeito quem acha que existe vida após a morte e quem acha que morreu, fedeu. Católicos, judeus, hindus, muçulmanos, budistas, xintoístas, evangélicos, umbandistas…
Não importa o rótulo. Minha religião é aquela que prega: não faça para os outros aquilo que você não gostaria que fizessem com você. E isso basta.
Com Lalá Moreira rezando na técnica, Ciça Camargo pregando na produção e eu, Luciano Pires, aqui no confessionário dirigindo e apresentando.
Estiveram conosco Ed René Kivitz, Rubem Alves, a música de Gilberto Gil, Ivette Matos, Moacyr Franco, Vanuza, Vozes das gerais, Arthur Moreira Lima e Rubi…
Quer mais? Visite o www.portalcafebrasil.com.br, você tem a minha bênção!
E pra terminar, mais Rubem Alves…
Deus é como o ar.
Quando a gente está em boas relações com ele, não é preciso falar.
Mas quando a gente está atacado de asma, então é preciso ficar gritando por Deus. Do jeito como o asmático invoca o ar.
Quem fala com Deus o tempo todo é asmático espiritual.
É por isso que anda sempre com Deus engarrafado em Bíblia e noutros livros e coisas de função parecida.
Só que o vento não pode ser engarrafado...
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