Café Brasil 206 – Amigos que perdemos

Fizemos um programa sobre amizades e a turma gostou. Neste aqui voltamos ao tema, inspirados pelo email recebido de uma ouvinte que falava de um amigo que perdeu. E Luciano Pires aproveita para homenagear um caro amigo que ele também perdeu. Acho que você pode até se emocionar, sabia? Na trilha sonora, Os Mutantes, Jards Macalé, Luiz Gonzaga, João Donato e Paulo Moura, Elba Ramalho e Rogério Caetano. Apresentação de Luciano Pires.

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O programa começa com uma frase da novelista britânica George Eliot .

A amizade é o conforto indescritível de nos sentirmos seguros com uma pessoa, sem ser preciso pesar o que se pensa, nem medir o que se diz.

Um de meus amigos mais queridos chamava-se Gustavo, um argentino que conheci em 1979, quando começava minha vida profissional na capital, aos 23 anos de idade.

Eu havia montado junto com alguns amigos um estúdio de arte e o Gustavo me foi apresentado pelo dono de uma gráfica.

Ele estava iniciando um negócio no Brasil e precisava de alguns trabalhos de artes gráficas. A relação de cliente/fornecedor logo transformou-se em amizade.

Um dia, três anos de amizade depois, quando eu estava definindo as coisas para me casar, fiz uma reunião de trabalho com o Gustavo, que vendo-me angustiado, perguntou o que se passava.

Eu disse que estava com problemas para alugar o apartamento, que o locador exigia um fiador ou adiantamento, aquelas coisas. O Gustavo imediatamente quis saber qual era o valor do adiantamento, fez um cheque  e me entregou. Em meio segundo resolveu meu problema e deu o pontapé para que eu iniciasse uma nova etapa na vida.

Mas o mais legal foi que naquele gesto generoso eu percebi no Gustavo uma felicidade inexplicável, a felicidade que a gente sente quando ajuda um amigo.

Nunca me esqueci da forma com que ele me cumprimentava, com um sorriso largo, um aperto de mão forte e o olhar dentro dos olhos, exprimindo a felicidade de me encontrar.  A amizade do Gustavo era um privilégio.

Nossos laços foram reforçados pelo tempo até o ponto em que tornamo-nos padrinhos de nossos filhos. Nossas esposas tornaram-se grandes amigas e as crianças cresceram juntas. Pois é… Eu amava o Gustavo.

Um dia, ao chegar em casa, encontro minha esposa apreensiva. Nossa amiga Branca, esposa do Gustavo, estava desolada. Gustavo, aquele argentino grandão e forte como um touro andava adoentado e preocupado. Um exame médico apontou a bomba. Gustavo estava com câncer intestinal, doença terrível que após um longo período de internações, levou meu amigo embora.

Acompanhei muito de perto os últimos dias do Gustavo. Todos sabíamos que o fim estava próximo. Mas nada me preparou para o momento em que liguei para o hospital e a telefonista disse: – Senhor, o paciente entrou em óbito.

Em 1997, aos 45 anos de idade, o Gustavo tinha morrido! O único pensamento que passou por minha cabeça foi: pô, tenho tão poucos amigos… e o melhor deles vai embora…

Quando Gustavo se foi, não perdi um parente. Perdi um amigo. Não sei explicar o que é, mas é diferente.

Balada do amigo 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           Se você quiser ser meu amigo

Eu preciso mesmo de um irmão
Mostre tua dor e teu sorriso
Eu lhe contarei meu coração
Quero sentir, posso falar
Talvez eu possa ajudar, Ah
Quando eu te olhar, te entender
As coisas podem mudar

Olha só! Eu queria escolher uma musica especial pra presentear a memória do meu amigo Gustavo Romano. E acho que encontrei a  BALADA DO AMIGO, de Túlio Mourão. Quem canta? Ninguém menos que os Mutantes em 1976.

Pois então…o Gustavo se foi, mas teve cabeça para deixar tudo organizado para sua família, que manteve nossa amizade até hoje. Mas ele ainda faz uma falta danada, sabe? Fiz outros amigos, mas jamais consegui repor a amizade que perdi…

Bem, mas o programa anterior sobre a amizade, TEQUINOLOGIA DO ABRAÇO rendeu comentários de muita gente. Como o da Mirian Maccari, primeiro pelo twitter e depois com um petardo que me chegou por email contando a história de um querido amigo que ela também perdeu.

Ao fundo vamos com AMIGOS, com Rogério Caetano

Olá, Luciano. Hoje, ao ouvir o seu podcast da semana, “Tequinologia do Abraço”, fiquei muito emocionada. Lembrei-me de um querido amigo que me deixou, sem avisar ou deixar qualquer sinal, deixando-me confusa e até mesmo incrédula, por alguns momentos, em relação ao acontecido.

Esse meu amigo tão especial do qual falo, era um professor meu de Português, na época em que eu ainda cursava o terceiro ano do Ensino Médio em um colégio particular. Seu nome era Nélson Conceição, ou simplesmente “Nérsão”, como ele fazia questão que o chamassem.

Neste colégio, que era o melhor da cidade, eu era bolsista. Ganhei a bolsa para cursar lá o terceiro ano. Recém vinda da zona rural da cidade e morando com meu avô viúvo, na época com 70 e poucos anos, eu era extremamente ingênua, chamava mangueira de manga e era muito, muito tímida. Nas mãos e nos pés, ainda carregava sinais da vida no campo.

Quando entrou aquele “negão”, como ele mesmo dizia, na sala, todo engraçado e simpático, vi que talvez não seria tão ruim de estudar lá. Mal sabia eu que naquele dia estava conhecendo uma das pessoas mais importantes da minha vida.

O tempo foi passando e nos tornamos grandes amigos. Estava preparando-me para o vestibular e estava cheia de dúvidas e angústias em relação a isso.

Falar com ele era tranquilizador, motivador. Era como um abraço. Ele só precisava falar para que nos sentíssemos imediatamente abraçados por sua palavras sábias e aquele humor que só ele tinha. Mas o bom mesmo era sentir-se envolvida naqueles braços compridos e tão amigos.

O terceiro ano acabou, as aulas também, não tínhamos mais aqueles três encontros semanais, mas a amizade continuou a mesma. Fui para a universidade e ele já não dava mais aulas naquele colégio. Trocávamos e-mails, telefones e às vezes almoçávamos juntos.

Lembro-me que logo no início da faculdade, tive que escrever um discurso e pedi ajuda a ele. Foi aí que descobri o que significava a palavra “inexorável”, que foi a última palavra do meu discurso, dando um toque mais do que especial. Você, Luciano, usou essa palavra no seu podcast. Não importo se ouço essa palavra em propaganda de chocolate ou em qualquer menção sobre amizade, lembro-me do Nélson. A saudade que sinto dele é inexorável.

A minha faculdade foi progredindo, encontrei-me e, finalmente, estava para me formar. Estava combinado que ele revisaria a minha monografia e iria na minha formatura. Eu dançaria uma das valsas com ele. Uns cinco meses antes, comecei a mandar e-mails, mensagens no celular e ele não respondia.

Não me preocupei tanto pois às vezes ele demorava para responder. Todos os dias, no entanto, eu olhava até mesmo o lixo eletrônico procurando um e-mail dele. Comecei a estranhar a ausência dele no meu aniversário, quando ele não me ligou. Ele sempre me ligava. Insisti outras vezes o contato e todas as vezes sem sucesso. Apresentei a minha monografia, chegou o dia da minha formatura e segui a vida.

Chegou a data do aniversário dele, mandei um e-mail parabenizando-o e implorando para que entrasse em contato comigo. Poucos dias depois, no meu trabalho, resolvi ter a estúpida idéia de entrar no orkut. Encontrei um depoimento de uma amiga minha contando-me que ele havia falecido em Porto Alegre, de infarto fulminante, enquanto visitava alguns familiares. O Nersão residia em Ponta Grossa-PR e, como era divorciado, a ex-mulher  não fez questão de sepultá-lo na sua cidade, deixando com que fosse sepultado em Porto Alegre mesmo.

A data da morte dele, segundo a minha amiga, foi entre o Natal e o Ano Novo.

Como podemos sentir tanta saudade de uma pessoa? A gente nasce, cresce, faz grandes amigos, doa um pedaço da nossa vida para esses amigos, combina coisas com essas pessoas e, de repente, uma delas não está mais lá. Você deixou ela lá, quietinha, no mesmo lugar de sempre e, de repente, ela não está mais lá.

Como o nosso meio de comunicação mais comum era o e-mail, mandei para o endereço de e-mail dele a seguinte mensagem:

Onde está você, meu amigo? Tenho tanta novidade para compartilhar com você. Você tá ouvindo? Apareça novamente nos meus sonhos.

Um grande beijo, um abraço apertado e muitas lágrimas de saudade dessa sua amiga que não te esquece, que não te tira da mala.

Nina.

Minutos depois voltou uma mensagem do servidor de e-mails da uol, dizendo que o destinatário não foi encontrado. É… infelizmente ele não estava mais do outro lado da linha para receber a minha mensagem.

Saudade

Tudo acontece na vida
Tudo acontece a todos nós
Sempre uma dor, um ai de amor
E, de um infeliz, se ouve a voz
Sinto saudades, tristezas
Bem dentro de mim
Coisas passadas, já mortas
Que tiveram fim
Tenho meus olhos parados
Perdidos, distantes
Como se a vida lhe fora
O que era antes
Cartas, palavras, notícias
Não vêem sequer
E a certeza me diz
Que ela era o meu bem
O que dói profundamente
É saber que felizmente
A vida é aquilo que a gente não quer

Hummm, que tal Dorival Caymmi pra falar de saudade? Você vai ouvir, no podcast, SAUDADE, na interpretação deliciosa de Jards Macalé.

Na noite seguinte, enquanto dormia, o Nélson apareceu nos meus sonhos. Ele estava bem vestido, iluminado, com um sorriso enorme. Lembro-me que fiquei de frente para ele com uma cara incrédula, “Não pode ser você”, pensava. Ele, sorrindo, disse-me: “Está esperando o quê? Me abraça, pô!”. E eu o abracei… primeiramente, com cuidado, com medo de que ele se transformasse em fumaça e partisse, mas aquele abraço foi tão real, que o abracei mais forte e revivi, nos meus sonhos, o abraço do Nélson. Pude até sentir a sua barriga enchendo-se de ar contra o meu estômago.

Depois do abraço, e eu sem conseguir falar quase nada, ele ainda disse “Continue me escrevendo, eu sempre leio tudo!”.

Acordei no meio da madrugada chorando e sorrindo. Quando saí da cama, olhei pela janela e o cumprimentei e sorri. Alguma coisa, não sei porquê, me diz que ele está sempre por perto, mas mesmo assim dói não vê-lo.

Obrigada, Luciano, pela sua atenção e sensibilidade com essa história.

Uau! Que história emocionante Mirian! Obrigado por compartilhá-la conosco, aposto que muita gente vai se identificar com você. Mas pra agradecer, mando um poema chamado A HORA DO DESCANSO. De Carlos Drummond de Andrade.

Ao fundo você vai ouvir  A SAUDADE MATA A GENTE, de Antonio Almeida e João de Barro, o Braguinha. Quem toca? João Donato e Paulo Moura, o Paulo Moura que se foi recentemente…

O poema de Drummond diz assim:

As coisas que amamos
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra maneira se tornam absoluta
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho eterno fica esse gozo acre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.

Amigos novos e antigos

As frases e as manhãs
são espontâneas
Levantam do escuro
e ninguém pode evitar
Eu tento apenas
mostrar cantando
O lado oculto do meu coração
Eu tenho às vezes
no olhar tardes de chuva
E sons percorrendo
alamedas na memória
Eu tento apenas
mostrar cantando
O que há nos lagos
do meu coração

“Quando para mucho
me amore de felice corazon
Mundo paparazzi me amore
chika ferdy para sol
Questo obrigado tanta mucho
que can eat it carrosel”

Alguém entrou no
meu peito agora
Mas só depois
vou saber quem é.

Ufa… Esse foi, viu? É sim, aquela Vanuza que você só conhece por causa do Hino Nacional –  Vanuza com AMIGOS NOVOS E ANTIGOS, de João Bosco pra homenagear os amigos

Quer saber? Eu não perdi a amizade com o Gustavo, assim como a Miriam não perdeu a amizade com o Nersão. Nossa amizade permanece…

E como o programa de hoje foi pesado, eu quero mudar as coisas aqui no final. Vamos celebrar as amizades que jamais morrem e sabem com quem? É claro: com Luiz Gonzaga e AMIGO VELHO, de Rosil Cavalcante

Amigo velho

Ô amigo velho, como vai, como passou?
Pedi notícia sua, porém você não mandou
Ô amigo velho, como vai, como passou?
Pedi notícia sua, porém você não mandou

Me diga como vai sua distinta família
Como vai aquela jóia que é sua linda filha
Como vai seu filho, tipo do rapaz perfeito
E sua senhora, lhe transmito meu respeito

Amigo velho foi prazer ter lhe encontrado
Eis aqui um forte abraço desse seu menor criado

Você está mais forte, bem disposto e humorado
Parece vender saúde, deve andar bem sossegado
Logo que cheguei, pretendia lhe avistar
Porém lhe vendo agora, quero lhe cumprimentar
Amigo velho depois eu falo consigo
Dê licença a seu amigo, que ele tem que trabalhar

Com Lalá Moreira na técnica, Ciça Camargo na produção e eu, Luciano Pires, na direção e apresentação.

Quem esteve conosco? Claro, o velho Lua, Jards Macalé, Carlos Drummond de Andrade, Miriam Maccari, João Donato e  Paulo Moura, Elba Ramalho, Rogério Caetano e Vanuza.

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E pra terminar, uma frase do poeta Mario Quintana: 

Se me esqueceres, só uma coisa, esquece-me bem devagarinho…

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