A casa é paupérrima. No quintal sem muro, o mato domina. Terra e piso de chão batido. Janelas descascadas não sabem o significado da palavra tinta. Ferrugem e abandono. Faltam gás, comida, energia, telefone. O tijolo descascado e as portas corroídas pelo cupim fazem do local sinônimo do abandono. Mas neste ambiente hostil à vida, existe um diferencial: a semelhança do Palácio de Hollywoodhouse. Ali mora uma rainha. Nobre, pertencente à mais alta estirpe, mulher diferenciada. Alheia a tudo e a todos que a cerca. Para ela, a miséria à sua volta não existe. Diante de seus olhos, há apenas súditos e vassalos.
É o contraste da vida existente em um mesmo lote. A mãe é doméstica; o pai, foragido; a filha é rainha. A ela sempre o que há de melhor. Celular de última geração, roupas de marca, cosméticos importados e a dignatária cara de “nojinho” que jamais comeria algo requentado ou que não fosse digno do paladar de uma nobre dama.
A Bastilha da nobreza na França tinha mais misericórdia que nossa rainha. Qualquer contrariedade ou gosto pessoal não satisfeito recebe a total falta de misericórdia, o calabouço, a tortura e, por que não, a morte? Rainhas de mau humor e contrariadas são perigosas.
Em contrapartida a água do palácio foi cortada. As crianças, chamadas de irmãs, não podem ir à escola por falta de sapatos. E a refeição, um pão murcho, recebe um nariz torcido. A falta de consciência, de noção de realidade, a chamada belle indiference, e uma criação sem limites, fazem parte deste caldo de existência. Some-se a isto uma boa pitada de preguiça e uma vida hedônica para termos todos os ingredientes para criarmos uma rainha ou rei do lixo. Pessoas folgadas, extremamente preocupadas com sua vaidade, desconectadas da realidade, e que por egoísmo submetem os que estão à sua volta a situações semelhantes à escravidão.
Muitas pessoas com essas características não mantêm-se trabalhando. Primeiro por que não dedicam-se ao estudo. Estudar é coisa de vassalos. Segundo por que jamais vão se permitir ganhar mal, jamais vão iniciar por baixo, exigindo um ganho elevado, digno de sua vivência de realeza. E pobre do pai ou mãe ou familiar que falar algo… Duzentas chibatadas e calabouço para este infiel!
Vi, em minha vida profissional como analista e psicólogo clínico, várias famílias vivendo esse caos, em várias classes sociais. Pessoas mimadas e desconectadas que não sabem o sentido da palavra esforço, em especial para o bem comum. Mas esta nobreza muito sofre, por que, em verdade, são escravos da sua própria vaidade e arrogância.