Passeando por Recife fui conhecer a Oficina Brennand. Os Brennand são uma família rica e Francisco que se revelou um talentoso desenhista, pintor, escultor e ceramista dedicou-se por mais de 30 anos a um sonho. Transformou a velha olaria que seu pai fundou em 1917 num complexo artístico chamado Oficina Brennand. Saí de lá sem fôlego… A velha olaria arruinada foi aos poucos reformada. Muitas áreas ainda mostram o estado de abandono original, mas agora qual uma ruína grega é um abandono conservado, como que para servir de testemunha da história. Francisco Brennand é chamado de Mestre dos Sonhos.
Sua oficina é gigantesca: são mais de 10 mil metros quadrados de grandes áreas de exposição com centenas de esculturas, uma mais instigante que a outra. São sonhos, pesadelos, piadas, críticas, símbolos fálicos, formas eróticas em meio a jardins projetados por Burle Marx. No meio da oficina, uma capela sombria. Em seu interior um ambiente sagrado, com música clássica ao fundo e nenhuma imagem sacra. Nenhuma cruz. Nenhum anjo. Nenhuma santa. Nenhum cálice. Apenas esculturas, formas orgânicas, objetos indefiníveis. Fascinante! O sagrado está lá, na atmosfera, sem precisar de ícones.
Brennand está com oitenta anos e isso fica claro quando apreciamos sua produção. Naquele lugar uma vida se apresenta diante de nós. Só o tempo permite construir algo como o que vi por lá. A integração perfeita entre arquitetura, paisagismo, escultura, pintura, desenho… A oficina de Francisco Brennand é uma demonstração de como a sensibilidade pode mudar a realidade. Caminhando pelos corredores, a mente entra em ebulição. Ganha um sopro de frescor. A oficina de Brennand é um spa mental. Saímos de lá provocados, motivados, inspirados, com a sensação de que estivemos em outro planeta. O planeta Brennand. O arquiteto Fernando de Barros Borba definiu com perfeição a arte de Brennand: …Mas para quê descrever? Palavra alguma pode dizer a arte de Brennand. A literatura é inútil. Ele escreve com a cerâmica.
Quer ver? Acesse www.brennand.com.br e tente descrever o que vê…
Pois é… Saí de lá embriagado de arte, em direção à loja-lanchonete, cuja decoração segue a do conjunto. Pedi uma deliciosa empadinha, um suco diferente, comprei um catálogo maravilhoso, uma peça de cerâmica e sentei-me para curtir o que acabara de ver.
E então percebi que algo estava errado.
No espaço daquela lanchonete bonita, onde a arte comanda a arquitetura, as garçonetes colocaram como trilha sonora um disco de pagode. Fui escarrado para fora do planeta Brennand, direto para o Brasil. Pagodinho enjoativo, insuportável pagodinho. Daqueles gravados ao vivo com o povo cantando junto. Se fosse o Pagode com Pê maiúsculo do grupo Fundo de Quintal… Mas não. Era um daqueles conjuntinhos de acrílico… Aquilo foi uma heresia. Fui falar com a gerente e ela me disse tristemente:
Cuido da loja, não cuido da lanchonete. E esse som, quem coloca são as meninas de lá. É um horror…
Pronto. Lá estava eu mais uma vez diante da contradição chamada Brasil. De um lado a arte em sua mais pura expressão, tocando nossas almas. De outro, escolhido pelo povo, o comércio das gravadoras, distorcendo e explorando a arte em seu mais baixo nível. Um retrato do Brasil. Mas como sou elite, tenho que cuidar para evitar esse meu preconceito contra o popular…
Olha, nada disso tira o brilho do que vi em Recife. Estando por lá, não perca a oportunidade de visitar a Oficina Brennand e abrir sua alma para a sublime experiência da arte.
E o pagode? Bem, talvez essa praga um dia desapareça, esgotada em sua mediocridade. Mas o gênio de Francisco Brennand, lá em Recife, ficará. Mas ficará para poucos. Para uma elite. O povo estará mais atento ao pagode. É pra isso que ele está sendo treinado.