A mão peluda

Os defensores do controle da liberdade de expressão atuam por todos os meios, diretos e indiretos, para conseguir aprovar instrumentos de pressão sobre a imprensa que possam ser utilizados conforme os interesses dos dirigentes de plantão. Um desses instrumentos está sendo discutido neste momento. É um dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente que obriga as rádios e televisões a transmitir programação em horário determinado por classificação do governo. O PTB entrou com uma ação de inconstitucionalidade contra esse dispositivo, que está sendo julgada pelo STF. O Ministro José Dias Toffoli, relator da matéria, manifestou seu voto protagonizando um daqueles momentos em que se vislumbra uma justiça com a qual – pelo menos eu – sonhamos. Alguns pontos do voto do Ministro precisam ser ressaltados:

(…) não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. (…) É de se indagar, então: como compatibilizar a defesa da criança e do adolescente contra a exposição a conteúdos inapropriados veiculados em diversões públicas e programas de rádio e de televisão com a garantia constitucional da liberdade de expressão? Como já salientei, a própria Constituição Federal trouxe a solução para a composição destes valores. (…) No meu sentir, buscou a Constituição, em última ratio, conferir aos pais, como reflexo do exercício do poder familiar, o papel de supervisão efetiva sobre o conteúdo acessível aos filhos, enquanto não plenamente aptos a conviver com os influxos prejudiciais do meio social. (…) A autorização constitucional é para que a União classifique, informe, indique as faixas etárias e/ou horários não recomendados, e não que proíba, vede, ou censure. (…) Não deve o Poder Público, no afã de proteger suposto bem jurídico maior, intervir, censurar, ou dizer aos pais e aos responsáveis se determinada programação alcança ou não padrões de moralidade. Sem falar que, nesse ponto, os agentes administrativos do Ministério da Justiça que realizam a classificação indicativa são igualmente falíveis, tanto quanto às emissoras. Como já havia indagado Karl Marx, “as deficiências nacionais de uma imprensa livre não são iguais às deficiências nacionais dos censores?

E Toffoli termina dizendo que “chegou a hora do cidadão deixar de ser tutelado pelo estado. (…) É fundamental que a sociedade atraia para si essa atribuição, cabendo ao estado incentivá-la nessa tomada de decisão, e não domesticá-la.”

Toffoli, assim como muitos outros brasileiros, não quer a mão peluda do governo, manipulada por certas minorias defensoras de ideologias jurássicas, tolhendo a liberdade de expressão em nenhuma instância. Para isso já existe a lei maior, que só precisa ser cumprida.

Num tempo em que a única reação que se apresenta às manifestações das autoridades é a vergonha, fiquei feliz ao sentir orgulho do voto do ministro. Finalmente me vi sendo tratado como adulto.

Mas tem gente que odiou.

Fique esperto.

Luciano Pires

O voto completo do ministro pode ser visto aqui: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI2404DT.pdf