Café Brasil 182 – A briga na floresta

Bom dia, boa tarde, boa noite. É, moçada, não tem jeito… Vou continuar falando de política no Café Brasil. Acho que tenho uma missão aqui, sabe? Vários professores tem usado alguns programas para discutir temas importantes com seus alunos. E política tem sido um dos mais importantes. Tentarei desmistificar o tema, usando material de quem tem muito a dizer. Hoje vamos aprender sobre política com… bichos! E começamos com uma frase do novelista francês Barbey D’Aurevilly:

Nem os que amam a verdade, nem os que amam a beleza, podem interessar-se por política, à qual não interessam nem a beleza, nem a verdade das coisas.

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O programa de hoje aproveita mais uma parte dos textos de Rubem Alves, EXPLICANDO POLÍTICA PARA CRIANÇAS. Ao fundo ouviremos daquele CD maravilhoso chamado HISTÓRIA DA MPB PARA CRIANÇAS, o instrumental de SAMBA DO ARNESTO. Olha que delícia…

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Há uns tipos geniais que são capazes de ensinar a política não como malandragem, não como ciência, mas como literatura. É o caso de George Orwell. Um dos seus livros é o 1984. Quando ele o escreveu o ano de 1984 estava tão longe! Orwell percebeu como ninguém que o poder é um jogo no qual a peça mais poderosa é a linguagem. É através da linguagem que o poder domina as pessoas por dentro. A paixão por um partido é um caso de perturbação psicótica da linguagem. O apaixonado alucina: toma a linguagem por realidade. O que se ama é aquilo que a linguagem marcou dentro de mim. Não se vota num candidato. Vota-se naquilo que se diz sobre ele.  As CPIs são todas arenas onde se travam  batalhas da linguagem. É a linguagem que dá credibilidade ao poder. Mas Orwell  escreveu também um livrinho bem pequeno, uma fábula que até as crianças entendem,  Animal Farm ( em português A revolução dos bichos ) que é uma delícia de clareza, sutileza, humor e terror… É a estória dos bichos de uma fazenda, cavalos, porcos, vacas, cabritos, patos, gansos, cachorros…Cansaram-se de ser explorados pelo fazendeiro e resolveram fazer uma revolução. Juntos, unidos, expulsaram o fazendeiro aos coices e dentadas. Estava terminada a primeira fase da revolução.

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Segunda fase: Era preciso que as leis fossem claras e transparentes e que expressassem a vontade de todos os animais. Para o conhecimento de todos elas foram pintadas em letras enormes na parede de um paiol. A primeira lei era: “Todos os bichos são iguais”. Terceira fase: Quem serão os líderes? Terão de ser escolhidos democraticamente. E assim foi ( não vou contar quais foram os bichos escolhidos para líderes…) . Entretanto, depois que os líderes se assentaram no poder, coisas estranhas começaram a acontecer. Por exemplo: num belo dia, ao acordar, os animais viram que a primeira lei havia sido modificada. Estava lá escrito na parede do paiol: “ Todos os bichos são iguais. Mas alguns bichos são mais iguais que os outros…” Não vou contar o fim da parábola. O que importa é que  Orwell percebeu a armadilha do poder: depois que se dá a um grupo o poder para determinar as leis, não há formas de impedir que ele estabeleça as leis que lhe são convenientes. Os que eram antes oprimidos, de posse do poder, se transformam em opressores. Será essa a ironia da história, que cada luta pela liberdade se transforme sempre numa nova forma de opressão? Parece que só pode ser partido ético o partido que não está no poder. O poder cria imperativos de outra ordem.

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Vixe…você ouviu PALAVRAS REPETIDAS com Gabriel o Pensador e participação de Renato Russo. Eu gosto do Gabriel, acho até que ele é aparece pouco. Nem sempre a fraqueza que a gente sente quer dizer que a gente não é forte…

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Meninas e meninos: Às vezes, para explicar o comportamento dos homens, os escritores contam estórias. Pois hoje eu vou contar uma estória.

“Houve uma briga na floresta acerca da dieta a ser adotada por todos os bichos. De um lado estavam as vacas, as ovelhas, os patos, as galinhas, as girafas, os macacos, os bichos-preguiça, que diziam que a melhor dieta era a vegetariana, capim, folhas, flores, frutos. Alegavam que as coisas que cresciam da terra eram ricas em vitaminas e faziam bem à saúde. Do outro lado estavam as piranhas, as hienas, os gambás, os lobos, as onças que, ao contrário, afirmavam que o melhor mesmo era uma dieta de carne, porque a carne é rica em proteínas, que são fontes de energia. ‘Quem come carne é mais forte’,  diziam. A briga fez tamanha confusão que os bichos resolveram decidir o assunto por meio da coisa mais democrática possível. “Vamos fazer uma eleição!” Todos concordaram. “Pela eleição vamos escolher os bichos que vão decidir a questão, por meio de leis”.  Todos concordaram de novo.  E assim aconteceu. Formaram-se dois partidos. Os vegetarianos deram ao seu partido o nome de “Partido das Bananas”, porque as bananas, sem dúvida alguma, são as frutas que melhor representam a alma dos vegetarianos. Todo vegetariano gosta de banana. Além disso, há bananas em abundância na floresta. Ninguém ficará com fome. Os outros bichos se reuniram e pensaram que o nome do seu partido deveria ser “Partido do Churrasco”. Pois essa era a verdade: eles gostavam de comer carne. E o seu símbolo deveria ser uma linguiça. “Partido da Linguiça”: só de falar o nome a boca se enchia dágua…

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Mas os carnívoros eram espertos. Sabiam que a verdade nem sempre deve ser dita. Perceberam que nenhum membro do Partido das Bananas iria votar num candidato do Partido da Linguiça. Por uma razão simples: os bichos vegetarianos seriam aqueles que seriam transformados em churrasco. Os bifes das vacas, as lingüiças dos porcos, os peitos dos francos, os perus assados, as coxas dos avestruzes… Todas as pesquisas do IBOPE indicavam que os vegetarianos ganhariam as eleições, por serem em número muito maior que os carnívoros. Assim, astutamente, reuniram-se para saber o que fazer. Um camaleão chamado Duda, carnívoro, apreciador de rinhas de galo, o sangue sempre o excitava, pediu a palavra: “Companheiros”, ele disse, “guerras são ganhas enganando-se o inimigo. Essa é uma lição que aprendemos dos humanos. Os soldados se camuflam para chegar perto de suas presas. Vestem-se de forma a parecer árvores e folhagens. Quando os inimigos se dão conta é tarde demais. É assim que eu faço. Mudo de cor. Fico parecendo um galho de árvore. O inseto só me percebe quanto minha língua visguenta o lambe. Queria sugerir, então, que usassem a minha tática.

Se nos proclamarmos carnívoros os vegetarianos não votarão em nós. Vamos nos fantasiar de vegetarianos!”

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Todos aplaudiram a brilhante reflexão do camaleão Duda e resolveram dar ao seu partido um nome bem ao gosto dos vegetarianos: “Partido dos Abacaxis”. Todo mundo gosta de abacaxis, tão doces, tão perfumados, tão brasileiros. E assim foi. Iniciou-se, então, a campanha do Partido das Bananas contra o Partido dos Abacaxis. Os vegetarianos faziam comícios em que bananas eram distribuídas por todos. As galinhas, os patos e os perus  não perdoavam nem mesmo as cascas… Os carnívoros promoviam grande churrascos só que, ao invés de picanhas sobre as brasas, eram abacaxis sobre as brasas. Faziam churrasco de tudo quanto é vegetal. Além dos abacaxis, bananas, pinhões, batatas, mandioca, cebolas, tomates, pimentões. Assim, os dois partidos tinham o mesmo programa: dieta vegetariana para todos.

Os membros do Partido das Bananas sentiram, de longe, o cheiro bom dos churrascos dos Partido dos Abacaxis. E começaram a se aproximar. Perceberam que os membros do Partido dos abacaxis não eram tão maus quanto se dizia. Chegaram mais perto. Provaram. Gostaram. “É, churrasco de banana é mais gostoso que banana crua”, disseram. E até os macacos aderiram.

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Aí veio a eleição. É preciso não esquecer que eleições têm por objetivo escolher aqueles que terão o poder de fazer as leis. Eleitos democraticamente, decidiriam democraticamente a dieta de todos os bichos. As decisões dos representantes seriam leis para todos. Ao dar aos seus representantes o poder para decidir, os bichos estavam, com esse ato,  abrindo mão do seu direito de decidir. Depois de feitas as leis só lhes restava obedecer.

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Que tal essa? O REI DO GADO, de Tião Carreiro e Pardinho mas nas vozes de Roberto Carlos, Almir Sater e Sérgio Reis.

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Empossado o congresso, os representantes elegeram o seu presidente. O bicho que recebeu mais votos foi a Hiena, famosa por seu senso de humor: estava sempre dando risadas. Na sua posse ela fez um lindo discurso sobre as excelências da dieta vegetariana. E para terminar deu uma aula de filosofia. “Como disse o filósofo alemão Ludwig Feuerbach, nós somos o que comemos. Vacas e veados comem capim; portanto são capim. Macacos comem banana; portanto são bananas. Galinhas e  patos comem milho; portanto são milho. Pássaros comem alpiste; portanto são alpiste. Assim, onças que comem vacas e veados estão, na verdade, comendo capim. Uma cobra que come um macaco está, na realidade, comendo bananas. Um gambá que come galinhas está, na realidade, comendo milho. E um gato que come passarinhos está, na realidade, comendo alpiste. Assim sendo, e em cumprimento às promessas que fizemos no período eleitoral, proclamo a lei de que todos os animais terão de ser vegetarianos, cada um do seu jeito. Viva a República Vegetariana!”

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Se vocês argumentarem que as conclusões filosóficas da Hiena estão erradas direi que vocês estão com toda razão. Mas é preciso que se aprenda uma outra regra da política: ‘Na política quem tem razão não é quem tem razão. É  quem tem o porrete maior…’

O discurso da Hiena foi saudado com uma grande salva de palmas, seguido por um festival gastronômico em que hienas, onças, lobos, cães vadios, cobras, gambás e gatos churrasqueavam vacas, veados, macacos, galinhas e passarinhos. “Pois Feuerbach não disse que somos o que comemos?  A lei é clara:  todos os animais são  vegetais transformados..”.

Aí os membros do Partido das Bananas perceberam que haviam caído numa armadilha. Leis são armadilhas. Uma vez feitas não podem ser desrespeitadas, a menos que sejam revogadas por aqueles que as fizeram, os representantes eleitos.

Mas quem teria poder para revogar essa lei? Olhando para seus  gordos representante no Congresso era claro que nenhum deles estava disposto a trocar costeletas, lombos e lingüiças por alface, couve e cenoura… Concluíram, então, que com aquele congresso de carnívoros a reforma política jamais seria realizada. O Ganso, metido a intelectual, repetiu então uma frase que havia lido num livro em inglês:  “might makes right”… É o Poder que estabelece o Direito.

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Eêeeee, que falta faz o Bezerra da Silva, que falava a verdade pro mundo saber. Você ouve TODO PODEROSO, que demonstra mesmo que é o poder que estabelece o direito…

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Foi então que um leitão rechonchudo chamado Alfred Hitchcock pediu a palavra. Ele já havia experimentado a dor da perda de sua mãe, comida por uma onça que falava enquanto comia: “Que deliciosa é essa porca! Ela é milho, é abóbora, é mandioca, é batata! Como é boa a dieta vegetariana!” Pois bem. O dito leitão ponderou:  “Eu não posso enfrentar a onça. As galinhas não podem enfrentar os gambás. Os cordeiros não podem enfrentar os lobos! Mas os pássaros! Milhares de pássaros em seus vôos rasantes e  bicos pontudos! Que poderão fazer as onças, os gambás e os lobos contra o ataque de milhares e pássaros?  Vamos chamar os pássaros! Eles são vegetarianos! São nossos aliados!””  E assim aconteceu. Vieram então, em bandos que tapavam o sol, milhares de andorinhas, pássaros pretos, sabiás, pardais, tico-ticos, periquitos…  Invadiram o edifício do Congresso. Foi um pandemônio. O espaço escureceu. O barulho dos pios e dos gritos dos pássaros  era ensurdecedor. Milhares de bicos bicando sem parar em mergulhos certeiros. Além disso, por onde iam soltavam seus excrementos moles e fedidos que escorriam pelas caras dos excelentíssimos. Os representes gritavam histéricos: “Isso é conspiração! Estão tentando desestabilizar o governo!” Mas os pássaros nem ligaram. Continuaram a fazer o que estavam fazendo. Os gambás, onças, lobos, cães vadios e hienas fugiram e nunca mais voltaram, com medo de que os pássaros lhes furassem os olhos…”

Agora, meninos e meninas: é hora de chamar os pássaros…

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Hummmm… essa estória de Rubem Alves é perigosa, não é? Ela prega uma revolução? E quem é que gosta de revolução? Só quem ainda não está no poder, não é? Que quando assume o poder… Bem, isso o Rubem já disse.

Em todo caso, temos que aprender com a história dos vegetarianos enganados pelos carnívoros. A única forma de empatar o jogo é não se deixando enganar pelos discursos profissionais, pelas palavras bonitas, pelas promessas dos camaleões. E como é que se faz isso? Melhorando seu repertório, lendo mais, pesquisando, debatendo… Nada de novidade.

E é assim, ao som de PÁSSARO, com Gutemberg Guarabyra, que foi até censurada, que este Café Brasil dos bichos vai embora. Qualquer semelhança com a realidade não é coincidência, viu?

Com Lalá Moreira na técnica, Ciça Camargo na produção e direção e apresnetação de eu: Luciano Pires.

Estiveram conosco Rubem Alves, Roberto Gnatalli, Roberto Carlos, Almir Sater e Sérgio Reis, Gutemberg Guarabyra, Bezerra da Silva e Gabriel o Pensador com Renato Russo.

E pra terminar, uma frase do historiador francês Jules Michelet.

Qual é a terceira parte da política? Educação. E a segunda? Educação. E a terceira? Educação!