A beleza da futilidade

Para ser belo hoje em dia é necessário primeiramente ter dinheiro. Um banho de loja, várias cirurgias plásticas, roupas da moda, até trocar o cabelo é possível com grana. E se não for possível, você vira uma pessoa simpática. Várias roupas de marca e um pouco de marketing pessoal deixam qualquer criatura fashion. Nossos jogadores de futebol tornam-se lindos quando estão numa Ferrari, num Porshe, numa Mercedes, dizem as mulheres. O detalhe de ser vesgo, ter dentes de ratinho ou qualquer outra questão anatômica some diante de uma conta bancária milionária. Quem não tem dinheiro, tenta, por sua vez, na sobrevivência do culto à imagem, improvisar. Fazer book com várias fotos tiradas pela própria pessoa diante do espelho ajuda.

Falsificações, genéricos de marcas, produtos de estética, além, claro, das cirurgias estéticas, que tentam dar à pessoa a bunda inexistente em forma e volume. Até que um dia a calça cai! A criatividade para tentar mostrar o que não existe. As tinturas de cabelo, as canetas e celulares da moda, as marcas de roupa tão cultuadas e apresentadas em público, no ser outdoor que se pretende alguém e a ilusão da vida abastada na roda dos créditos e eternos endividamentos assombram qualquer travesseiro. É o susto diante do espelho quem é esta pessoa? E a dúvida persiste: “como ser o que não sou?” A crise psicológica da pós modernidade na ruptura da identidade aparece, no ser produto de fachada, da alma plastificada.

Alguns leitores questionariam: tenho de ser feio para agradar este colunista? Não. O problema é ver beleza onde ela não existe. Querer viver apenas de aparência sem ter conteúdo. Ser apenas uma vitrine sem mais a oferecer. Até por que a questão de beleza varia de indivíduo para indivíduo, de cultura para cultura. E a beleza da beleza de cunho estético é que ela passa, como toda moda, como todo objeto de consumo. Na Idade Média ser gordinha era cult. Nos anos 60 era lindo ter costeletas, calça boca de sino cor-de-rosa era chique. Quantas modas do passado não nos fazem sentir cafona? Nossa, eu não vestia isso!

Ser belo não pode ser visto jamais como ser fútil. Futilidade hoje na sociedade beira a idiotia, o retardo mental, a massificação, a alienação, a burrice. Futilidade quebra a qualidade de vínculos sociais, deixando o espírito aprisionado em suas ilusões enquanto que o relógio da vida acelera. Neste sentido, a beleza da futilidade é seu estado perecível. Os modismos passam e se você não tiver conteúdo, vai passar com eles.

Lembrei-me de um amigo médico que conheceu uma linda mulher. Belíssima! Sonho de consumo! Ideal para bailes e apresentações públicas. O que tinha de bela, tinha de calada. Até que um dia, após umas cervejas, a língua soltou-se e a beleza da estética deu vazão a idiotia, nos fazendo crer piamente que existe uma ligação direta entre o intestino e a boca. Tão bela calada! O namoro com a beldade logo tornou-se tédio, não existia assunto, diálogo, e a vitrine logo envelheceu, exigindo do produto perecível sua substituição.

É necessário investir, além da estética, em cultura. Beleza representa estado de graça, simpatia, inteligência,  alegria e para que isto ocorra é necessário conteúdo. Em raros momentos da vida conheci pessoas fúteis com carisma. Ao contrário: os fúteis são chatos, presunçosos, são os que nos olham de lado e por vezes são os que tentam, em sua insignificância, mostrar à força que são alguém: “Sabe com quem você está falando?” Sua alienação por vezes é tamanha que não percebem o quanto é grande o papel ridículo que fazem, criando a tribo do nada. Educação só por conveniência. E são justamente os que mais adoecem na velhice e a partir dos 50 anos. Seu espírito escravo da vaidade e do orgulho tenta fugir da consciência o quanto pode, mas suas pernas são curtas. E o vazio da vida fútil gera o vazio da alma. ansiedade, depressão, drogas, autodestrutividade são apenas alguns dos sintomas que aparecem nestes casos. Especialmente quando a vitrine já não chama mais a atenção, porque passou. O belo e o sublime devem andar juntos. A isto chamamos graça. A simpatia, a alegria, o riso fácil e a inteligência são para nós o genuíno charme da beleza, são o complemento que dão carisma ao indivíduo comum.