Café Brasil 433 – Minha ideia, minha obra

Amigo, amiga, não importa quem seja, bom dia, boa tarde, boa noite. Este é o Café Brasil e eu sou o Luciano Pires. Olha só. Eu vou continuar naquela linha de discutir as pessoas que têm opiniões políticas contrárias às nossas e que, por isso, passamos a desprezar ou odiar ou até ignorar. E quando essa pessoa é um artista, como é que fica?

Posso entrar?

O podcast Café Brasil chega até você com o apoio do Itaú Cultural e do Auditório Ibirapuera que, como sempre, estão aí olha, a um clique de distância. www.facebook.com/itaucultural e www.facebook.com/auditorioibirapuera.

E o exemplar de meu livro NÓIS…QUI INVERTEMO AS COISA, acompanhado do apimentadíssimo kit DKT vai para….para….o Tiago Diesel, que escreve pra gente lá do Canadá… Mas Tiago,manda um endereço do Brasil, se não o molho fica mais caro que o peixe. O Tiago comentou assim o programa Ela é petista mas é minha amiga.

“Fala Luciano. Aqui é Tiago Dias falando do Canadá. Você lembra de mim? Eu te visitei aí no estúdio antes de vir pra cá e também sou migo da Ciça, eu achei bacana esse episódio que você fala do amigo petista, né. Ele é petista mas é meu amigo. eu queria te perguntar uma coisa. eu sempre fui muito fã de Chico Buarque, só um exemplo né. E depois de conhecer a opinião política dele, pra mim é um pouco difícil hoje em dia escutar as músicas dele, sem separar a criatura do criador. Queria que você comentasse um pouco a respeito, né. Como é que você separa isso? Foi uma delícia ouvir Trocando em miúdos, no último episódio. Um abraço”.

Boa Tiago, essa sua mensagem acabou inspirando este programa. Vamos nessa!

Muito bem. O Tiago ganhou, além do meu livro, um kit de produtos DKT com a marca Prudence! E todo mundo sabe que os produtos Prudence têm a mais completa linha de preservativos e géis lubrificantes do Brasil, que são distribuídos pela DKT , não é?  Quando você compra um produto PRUDENCE você apóia a DKT em suas iniciativas de promover programas de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis e também a motivação ao planejamento familiar! Acesse www.facebook.com/dktbrasil e conheça mais a respeito.

Na hora do amor, use PRUDENCE.

Ao pesquisar para escrever este programa, encontrei no blog da Nina Lemos no Yahoo uma opinião apaixonada, mas na mão contrária daquilo que o  Tiago disse. O título já é sugestivo. “Apelo: não briguem com o Chico Buarque em seus 70 anos!”

Aí ao fundo você ouve MEU CARO AMIGO, uma daquelas composições de Chico Buarque que fazem parte da vida da gente...

O texto da Nina é assim:

Brigar com a família nessa semana de eleições? Entendo. Bloquear amigos no Facebook? Tudo bem. Quase sair na porrada na rua por causa de um candidato? Que bobagem imensa, mas vá lá. O que essa blogueira realmente não consegue entender é como alguém pode brigar com o Chico Buarque, logo agora, no ano dos seus 70 anos. Brigar com a mãe ainda vai, normal, mas xingar o Chico Buarque? Não pode!

Chico é nosso herói gênio e digno. Está sempre quieto, na sua. Nunca dá entrevistas. Só se o jornalista for muito amigo e olhe lá. Chico mal faz show! Ele é o anti-herói da indústria das celebridades. Ele não faz o jogo, nunca. Não se expõe. Prefere caminhar na sua.

Mas de quatro em quatro anos, o compositor mais importante da musica brasileira vivo (junto com Caetano Veloso, nessa humilde opinião), aparece e apóia o PT. Chico é um militante antigo do partido. A política é super importante na sua carreira (só olhar para as suas canções de protesto) e sua atuação sempre foi muito, muito forte. Natural que Chico apareça em ano de eleição. O que não consigo achar natural: que as pessoas xinguem e parem de gostar do Chico Buarque por causa da sua postura politica, oras!

Chico não tem twitter, como alguns artistas. Também não tem coluna em jornal, como Caetano (que tem todo direito de escrever, escreve bem, tudo ótimo). Só estou dando esses exemplos para falar que Chico não incomoda ninguém nem faz barulho, só nos brinda com as suas músicas lindas de sempre.

Mas não. Nessa eleição sobrou até para o Chico Buarque! O cantor declarou seu voto e deu depoimento para o programa de Dilma Roussef, pronto. Começaram a xingar o Chico. Ele é chamado de petralha e tem gente que acha que ele apóia o governo para receber incentivo da lei Roaunet e…. parem! Respeitem o senhor!

Se Chico não vota como você, qual o problema? Você vai fazer isso com você, um absurdo como deixar de gostar das músicas dele? Jura? Em sua página no Facebook, um monte de gente se diz decepcionada e fala que não vai mais ouvir Chico Buarque. Mas, gente, como?

Chico, a essa hora deve estar gargalhando, assim como gargalhou em um vídeo ao falar do dia em que descobriu os “haters”, as pessoas que falavam mal dele na internet. “Eles falam, seu velho”, disse Chico em um vídeo, em meio um ataque de riso. Chico gargalha da cara dos “haters” e com certeza está fazendo isso agora. Mas eu, fã: peço, briguem com a mãe, mas não com o Chico. Deixem o moreno sambar em paz!

Você está ouvindo CÁLICE, composição de Chico Buarque com Gilberto Gil lançada em censurada em 1973. 41 anos depois eu ainda me emociono quando ouço essa canção…

Quando recentemente estourou aquela polêmica da proibição das biografias de artistas, alguns de nossos ídolos – entre eles o Chico – defenderam posições muito próximas da censura, vale reler um dos textos que publiquei em 2009 em meu livro Nóis…qui invertemo ascCoisa.

Almocei num restaurante que passava nas telas de plasma o show “Kaia na gandaia” de Gilberto Gil. O show é uma homenagem ao reggae de Bob Marley. Gil canta e encanta, dança e ilumina. Uma delícia. Mas… Tinha gente com cara feia na mesa.

– Odeio o Gil.

Gil era ministro aliado ao governo do PT, portanto tudo que fizesse devia ser execrado. Não interessa sua história como artista, seu valor como poeta, sua capacidade como músico e intérprete. Até quem não gosta dele reconhece sua importância na história da Musica Popular Brasileira.

Mas Gil estava contaminado. Por uma “ideologia”. E uso a palavra ideologia entre aspas, pois não sei se o circo político brasileiro tem algo que se possa chamar de ideologia.

Interessante essa dificuldade que a gente tem de separar a pessoa da obra da pessoa, não é? Basta que o poeta abra a boca para uma declaração política e pronto! Contamina-se.

Essa separação “ideológica” em grupos, tribos, castas, raças, pode ser um indicador da qualidade da inspiração, da obra, da arte das pessoas? Quando fala de saudades o comunista fala melhor que o capitalista? O amor do católico é melhor que o amor do muçulmano? Um músico negro toca pior que um branco? Um verso como “Ai, como essa moça é distraída / Sabe lá se está vestida / Ou se dorme transparente”, de Chico Buarque, ficou ruim depois que ele disse que adora Cuba ou que votou em Lula? Para mim, não. Apesar de discordar do Chico político, continuo tiete do poeta, que é o que realmente interessa.

Lembro-me da carreira de Wilson Simonal, destruída quando ele foi injustamente apontado como “dedo duro” pelas patrulhas que lutavam contra o governo militar. Repentinamente o carisma, o balanço e a simpatia do ídolo que arrastava multidões passou a não valer nada. Um rótulo ideológico destruiu o artista.

Tempos atrás tomei minha decisão. Quando o assunto é arte, só tenho reservas quanto a uma “ideologia”: o consumismo. Ouça bem: con-su-mis-mo. Quando a arte é absorvida pelo comércio, deixa de ser arte. Morre.

A arte está acima da política, mas precisa da política. No entanto, não consegue contaminar a política. É a política que contamina a arte. E então as pessoas passam a odiar o artista, transformado em objeto político. O coração pede pra amar, mas a consciência manda odiar. Louco isso, não é?

– Ah, mas artistas são personalidades públicas. Têm responsabilidades como formadores de opinião!

Também acho. Mas aí o papo é sobre política, não é mais sobre arte.

A arte é para ser apreciada com os olhos da alma. Poesia vem do coração, da alma, de lugares onde a política não se mete. E quando se mete, é para usar a arte, não raro, soando falsa. Populista. Você consegue reconhecer isso no riso amarelo do político com a criança miserável no colo, no horário eleitoral?

A política – ao menos essa que está aí – reduz a complexidade de nossas vidas e o valor de nossos sentimentos a meros instrumentos de troca.

Mas eu me vacinei. Aprendi a apreciar o que quero e não o que alguém quer. Rótulos, quem dá sou eu. E na música, só ouço o que gosto. E o que gosto, para mim, é música boa, com eleição ou sem eleição, com partido ou sem partido, com ideologia ou sem ideologia.

Na hora de lidar com a arte, minha ideologia é meu coração.

Você ouve A NOIVA DA CIDADE, outra daquelas delícias composta pelo Chico Buarque que me interessa.

Muito bem, mas a coisa não é assim tããããããããão simples… É claro que quero cobrar de meus ídolos uma coerência. Separo muito bem as coisas, mas não posso deixar de achar no mínimo esquisito que Chico Buarque, que se notabilizou pelas composições de duplo sentido que defendiam a liberdade nos anos de chumbo, sempre na defesa da liberdade e combate à ditadura, apareça defendendo Cuba, por exemplo. É muito estranho, muito incoerente. Mas o que é que posso fazer, se as músicas dele me encantam?

Bem, posso definir o que é que eu vou fazer com elas. Que sentido darei a elas.  As músicas que falam de amor, não precisam de muita reflexão sobre o que fazer com elas. É curtir, se deliciar e imagina as situações por ele criadas. Já as que falam de política, ah, essas dão um bom caldo. Eu posso ouvi-las, entender a mensagem e – atenção que agora é que vem o truque – aplicá-las ao contexto que interessa.

Quer um exemplo? Imagine então Fidel Castro com seu charutão e você cantando assim pra ele:

Viu só? Apesar de Você, foi composta pelo Chico em 1970. Por lidar implicitamente com a falta de liberdades durante a ditadura militar, foi proibida de ser executada pelas rádios brasileiras pelo governo do general Emílio Garrastazu Médici.

Mas quando eu canto pensando em Fidel Castro, que é admirado por Chico, a canção me serve perfeitamente…

Outro exemplo?

Pense nas lambanças que o PT tem feito no Brasil nos últimos 12 anos, na roubalheira e escândalos diários, na forma como tratam você de idiota diariamente… enquanto ouve esta aqui:

Ouviu? Pense lá na rataiada enquanto canta essa letra… Entendeu? Chico é petista, é amigo dos caras, mas a música que ele fez me serve perfeitamente para fazer uma crítica pesada às pessoas que ele admira.

Ficam aqui então as dicas:

Primeiro: antes de tirar a obra do artista de seu contexto histórico, pesquise para saber quando ela foi produzida, sob quais condições, quais eram as pressões. Entendendo o contexto, você terá uma percepção correta sobre o valor da obra.

Segundo: quando tirar a obra de seu contexto histórico, apodere-se dela. Dê a ela o sentido que você acha que deve dar, utilize a mensagem no contexto que você definir, e não naquele em que o autor a produziu.

Quer ver? Ouça A BANDA  pensando na Ditadura Militar. Ou pensando nos milhões de brasileiros que foram às ruas em Junho de 2013. Ou ainda, nos brasileiros que têm ido às ruas pedindo o fim da corrupção. Imagine que a Ditadura, ou o povo nas ruas representam a tal da Banda.

Percebeu? A banda, lançada em 1960, pode representar ironicamente o início da ditadura militar. Ou então pode representar o povo indo às ruas pela moralização da política em 2014, não pode?

Apesar de você, composta em 1970, representa o período mais duro da ditadura militar, com Médici e o AI 5. Mas pode também representar um grito a favor da liberdade, independente se o ditador de plantão for de esquerda, de direita ou de centro.

Vai passar, lançada em 1984, no final da ditadura militar, cantando a vitória dos que foram às ruas pela liberdade de expressão, pelas diretas já. Também pode ser um hino cantado como um aviso aos corruptos que tomaram de assalto o estado brasileiro…

E assim eu vivo em harmonia com a obra do Chico que, a esta altura, não é mais dele.

É minha.

Muito bem, é assim então, ao som de BASTIDORES, obra prima de Chico Buarque que para mim é mais que música, é cinema, que vamos saindo.

Tá dado o recado? Na hora de lidar com a arte, minha ideologia é o meu coração.

Com o enebriado Lalá Moreira na técnica, a lacrimosa Ciça Camargo na produção e eu, que antes do artista, amo a obra, Luciano Pires na direção e apresentação.

Estiveram conosco o ouvinte Tiago e ele, Chico Buarque.

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Este é o Café Brasil, que chega a você com o apoio do Itaú Cultural e do Auditório Ibirapuera. De onde veio este programa tem muito mais. Visite para ler artigos, para acessar o conteúdo deste podcast, para visitar nossa lojinha… www.portalcafebrasil.com.br.

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Para terminar, repito a frase de Ezra Pound que já usei em outro programa:

Podeis reconhecer um mau crítico porque ele começa por falar do poeta e não do poema.