Amigo, amiga, não importa quem seja, bom dia, boa tarde, boa noite. Este é o Café Brasil e eu sou o Luciano Pires. O programa de hoje é uma homenagem. Uma homenagem a Rubem Alves, escritor, educador, poeta… Um cara que muito inspirou o Café Brasil.
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Olha, hoje não tem sorteio, não. Se eu pudesse eu daria os brindes para ele, o professor Rubem Alves.
Rubem Alves o professor.
Muito bem. O Café Brasil chega até você com o suporte da DKT, que também é assim uma espécie de professor, trabalha com educação. Sabe por que? A DKT distribui a mais completa linha de preservativos e géis lubrificantes do Brasil, mas também apoia diversas iniciativas educacionais de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis. E também ajuda no planejamento familiar! Acesse www.facebook.com/dktbrasil e conheça mais a respeito.
Atenção! Na hora do amor, use PRUDENCE.
E no sábado dia 19 de Julho de 2014 faleceu em Campinas o escritor Rubem Alves. Ele já vinha com problemas de saúde há bastante tempo, não pude dizer assim que a notícia foi propriamente uma novidade. A gente meio que estava preocupado, aguardando, mas quando a notícia chega sempre é um baque.
Quem ouve o Café Brasil sabe que Rubem era um de nossos “sócios”, sem dúvida o escritor cujos textos eu mais utilizei em nossos programas.
Conheci Rubem lá por 2001, por indicação de um leitor que sugeriu que eu lesse um livrinho chamado “Entre a ciência e a sapiência”. Fiquei curioso, comprei o livro e fui fisgado para a obra de Rubem. Comprei em seguida outro livro: “Por uma educação romântica”, que se transformou em meu livro de cabeceira, aquele que recomendo a todo mundo que pede que eu sugira um livro. O tema parece ser educação, mas é sobre como construir um mundo melhor, escrito com suavidade, por vezes quase como poesia, como era a característica de Rubem.
Eu fiquei tão impressionado que acabei ligando, consegui entrar em contato com ele, liguei pra ele em Campinas, marquei um encontro e fui almoçar e passei uma tarde conversando com Rubem na casa dele. Jogando conversa fora os dois, mas eu saí de lá com a cabeça a milhão.
Bem, não vou ficar aqui dando o currículo de Rubem Alves, o Google taí pra isso. Eu vou é neste programa trazer algumas falas e escritos dele.
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A trilha sonora é o CD Bach& Pixinguinha, de Mario Seve e Marcelo Fagerlande. Bach era citação constante nos textos de Rubem. E Pixinguinha, pô meu, Pixinguinha era um gênio. Fica sendo essa nossa homenagem.
Essa que você escuta aí ao fundo é SOFRES PORQUE QUERES.
Rubem Alves o hábito da leitura
E o Lalá colocou ali o CORAL DA CANTATA BWV 140, de Johann Sebastian Bach, para que eu continue com um texto de Rubem Alves que diz assim.
São os poetas que falam sobre os olhares. (Eu escrevi “São os poetas que sabem sobre os olhares”, mas logo corrigi. Todo mundo sabe sobre os olhares. Todo mundo observa atentamente os olhares, porque são eles, e não os globos oculares, que sinalizam a vida e, especialmente, o amor. Mas só os poetas sabem falar sobre eles.) Escrevo para mudar olhares. Isso não é ciência. É arte.
Há olhos perfeitos que são armas mortíferas. Jesus se referiu a esses olhos e sugeriu que deveriam ser arrancados. Os olhos, eles mesmos, são estúpidos. Eles não têm o poder para discriminar as coisas dignas de serem vistas das coisas não dignas de serem vistas. Para eles, tanto faz ver um programa idiota de televisão ou uma tela de Johannes Vermeer. A capacidade de discriminar não pertence aos olhos. Pertence ao olhar. Mas isso exige uma luz interior.
Se os olhos não serviram como metáforas, eu falarei sobre pianos. Mais precisamente, sobre os pianos Steinway, os mais perfeitos, que estão nas grandes salas de concerto do mundo. Os pianos Steinway são produzidos de forma absolutamente rigorosa e científica. Tudo neles tem de ter a medida exata. Todos tem de ser absolutamente iguais, para que o pianista não estranhe. Mas um piano, em si mesmo, é estúpido. Falta-lhes o poder de discriminação. Os pianos obedecem tanto ao toque de um macaco, de um louco ou de Nelson Freire. Os pianos não são fins em si mesmos. São ferramentas. São construídos para tornar possível a beleza da música.
Mas a beleza não é um objeto de conhecimento científico. Ninguém pode ser convencido a gostar de Bach por meio de raciocínios científicos. E não me consta que algum dos especialistas em construção de pianos da fábrica Steinway jamais tenha dado um concerto. Ciência eles têm. Mas falta-lhes a arte. Para que o piano produza beleza, há os pianistas. Mas os pianistas nada sabem sobre a ciência da construção dos pianos. O que eles sabem é tocar piano, coisa que não é científica…
Os fabricantes de piano moram na caixa de ferramentas. Os pianistas, na caixa de brinquedos.
Rubem Alves ferramentas e brinquedos.
E Rubem escreveu, muito, mas muito mesmo sobre memórias…
Aí ao fundo temos AINDA ME RECORDO de Pixinguinha.
Eu vivia na roça. Na roça todos os trem eram de pau. Pau mesmo, e não madeira. Madeira é palavra de gente da cidade. Houve a idade da pedra lascada, a idade da pedra polida, a idade dos metais… Por que não a idade do pau, hein? Pois devia. Dou testemunho: na roça não era nem pedra e nem metal: era pau. Na roça pau era, de fato, pau pra toda obra. Talvez essa seja a origem dessa expressão. A casa era de pau a pique. O fogo se fazia com paus de lenha. Tudo nos carro de boi era feito de pau (menos os bois…). A água se bebia numa vasilha de pau chamada cuia. As cercas se faziam com um pau oco chamado bambu. E até os canos se faziam com um pau chamado embaúba. Panela, lamparina, pratos e canecas coisas de metal eram seres de um outro mundo.
Aí aconteceu aquele dia quando o meu pai nos disse que íamos nos mudar para Lambari. E pra explicar como era Lambari ele disse apenas: Lá tem trem de ferro… E foi assim que, num único dia eu dei um salto de milhares de anos. Saí do mundo dos trem de pau e me mudei para o mundo do trem de ferro… Saí da roça. Me mudei para a civilização.
Como é que uma coisa ruim vira coisa boa, e só é boa se continuar a ser ruim? Não, não pensem que endoidei. Vou contar o que aconteceu. Esses dias de outono, céu muito azul, um friozinho gostoso, as cores mais brilhantes… Me lembrei, com saudade, da minha infância em Minas. Lembrei-me que, quando chegava o mês de julho, mês de férias, era o tempo de tomar Emulsão de Scott. Para quem não sabe, Emulsão de Scott é um fortificante à base de óleo de fígado de bacalhau. Branco, pastoso, difícil de engolir, malcheiroso, gosto ruim. Vinha a minha mãe com a colher de Emulsão de Scott numa mão e uma tampa de laranja na outra, prá tirar o gosto e o cheiro. Pois não é que fiquei com saudade da Emulsão de Scott! Pensei, então, que eu gostaria de tomar Emulsão de Scott para voltar, na imaginação, à minha infância. Fui à farmácia, comprei um vidro e preparei-me. Mas, oh! decepção! Os laboratórios estragaram a emulsão. Deixou de ser branca. Está cor de rosa! E o que fizeram com o gosto ruim de óleo de fígado de bacalhau? Estragaram-no com sabor doce de morango! Fracassou minha programada volta à infância! Porque Emulsão de Scott, para ser boa, para ter poderes mágicos, tem de ser ruim…
Agora você está ouvindo GARGALHADA, também de Pixinguinha.
Em tempos antigos, quando os reis se reuniam com seus ministros graves e sérios, havia o ministro do riso, o bufão, também chamado bobo da corte.
Esse ministro tinha prerrogativas especiais. Ele tinha permissão para fazer piadas do próprio rei. Conta-se que numa reunião do ministério de um reino distante o rei dava explicações esfarrapadas sobre uma besteira que havia feito, chegando mesmo a invocar urucubaca. Os ministros concordavam graves e sérios com medo de serem demitidos. Menos o bobo que interrompeu a arenga do rei e disse: Majestade, há explicações que são piores que uma ofensa. O rei ficou danado. Você tem até o fim do dia para explicar-se, sob pena de passar uma semana no calabouço… O bobo deu uma risadinha e saiu da sala. Ao fim do dia, dadas as explicações, terminada a reunião, o rei se dirigia sozinho para os seus aposentos, mergulhado em seus pensamentos, caminhando por corredores desertos, cheios de colunas.
Atrás de uma dessas colunas o bobo estava à espera de sua caça. Quando o rei passou, ele saiu detrás da coluna que o escondia e agarrou com força as majestáticas nádegas murchas. O rei deu um berro enfurecido e o bobo disse: Perdão Majestade, eu pensei que fosse a rainha…
Pois é… Há explicações que são piores que uma ofensa.
E Rubem Alves, aos 75 anos escreveu sobre vida e morte no livro Desfiz 75 anos. É o desfiz de desfazer mesmo, já que os 75 anos haviam se passado e o que restavam eram os anos do porvir.
Seguem alguns pensamentos de Rubem sobre a morte.
as crianças falam sobre a morte com naturalidade. Não são como os adultos que não sabem o que fazer com a palavra e procuram sempre não dizê-la. (
)
Todos os homens devem morrer. Todo mundo sabe disso. A única dúvida é sobre o quando. Mas os grandes não querem e não sabem falar sobre a morte porque todos têm medo dela.
Esses todos que devem morrer se dividem em dois grupos.
Primeiro é o grupo daqueles que vão morrer, mas vivem como se fossem viver para sempre. Esses são os tolos. O outro é o grupo, daqueles que vão morrer, sabem que vão morrer e, por isso mesmo, cuidam do tempo de vida que lhes resta. Esses ficam sábios.
E então a neta de Rubem faz uma pergunta: … mas, vovô, qual é a vantagem de conversar sobre a morte? E ele responde: A morte é nossa eterna companheira.
Está sempre à nossa esquerda, à distância de um braço ( ). O que se deve fazer quando se é impaciente é virar-se para a esquerda e pedir conselhos à sua morte. Você perderá uma quantidade enorme de mesquinhez se a sua morte lhe fizer um gesto, ou se a vir de relance, ou se, ao menos, tiver a sensação de que sua companheira está ali, vigiando-o. ( )
A morte me informa sobre o que realmente importa. Me daria ao luxo de escolher as pessoas com quem conversar. E poderia ficar em silêncio se o desejasse. Perante a morte, tudo é desculpável.
Creio que não mais leria prosa. Com algumas exceções. Nietzsche, Camus, Guimarães Rosa. Todos eles foram aprendizes da mesma mestra. E certo que não perderia um segundo com filosofia. E me dedicaria à poesia com uma volúpia que até hoje não me permiti. Porque a poesia pertence ao clima de verdade e encanto que a morte instaura.
E ouviria mais Bach e Beethoven, além de usar meu tempo no prazer de cuidar do meu jardim.
A morte é a única conselheira sábia que possuímos, ( ) Ela lhe dirá que nada importa realmente, além do toque dela. Sua morte lhe dirá: Ainda não o toquei. A morte nunca fala sobre si mesma. Ela só fala sobre a vida. Basta pensar nela para que a gente ouça a sua voz silenciosa nos perguntando: E a sua vida como vai? O que você está fazendo com o tempo que lhe resta? Quem ouve essa pergunta está a caminho de tornar-se sábio.
Muito bem. Tinha que ser ao som de CARINHOSO né, pra este Café Brasil que saúda um amigo, sair de mansinho.
Com o Lalá Moreira na técnica, Ciça Camargo na produção e eu, Luciano Pires na direção e apresentação.
Estiveram conosco o ouvinte, Mario Seve com Marcelo Fagerlande, Bach, Pixinguinha e… Rubem Alves, cujas falas eu reretirei de um vídeo do Cabal de Youtube Espaço Leitura.
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Este é o Café Brasil, que chega a você com o apoio do Itaú Cultural e do Auditório Ibirapuera.
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Bem. Rubem Alves sempre escreveu que no seu velório ele não queria tristeza. Ele queria alegria. E ele pediu aos seus filhos numa carta escrita em 2005, que no seu velório fossem lidas algumas poesias. E também pediu aos filhos que suas cinzas deveriam ser despejadas em uma cerimônia posterior, aos pés de um ipê amarelo, provavelmente na fazenda Santa Elisa, em Campinas.
Alguns trechos da carta inédita que Rubem deixou aos seus filhos dizia o seguinte:
“Sou grato pela minha vida. Não terei últimas palavras a dizer. As que tinha para dizer, disse durante a minha vida. Recebi Muito. Fui muito amado. Tive muitos amigos. Plantei árvores, fiz jardins. Construí fontes, escrevi livros. Tive filhos, viajei, experimentei a beleza, lutei pelos meus sonhos. Que mais pode um homem desejar? Procurei fazer aquilo que meu coração pedia.
Não tenho medo da morte, embora tenha medo do morrer. O morrer pode ser doloroso e humilhante, mas à morte, eis uma pergunta. Voltarei para o lugar onde estive sempre, antes de nascer, antes do Big Bang? Durante esses bilhões de anos, não sofri e não fiquei aflito para que o tempo passasse. Voltarei para lá até nascer de novo.”
As grandes perguntas… a gente está sempre diante da dúvida. Pode ser assim… pode ser assim… pode ser assim… pode ser assim…
E você sabe, que esse não saber é que dá tesão, porque se você não tiver essa dúvida, a busca cessa. E se a busca cessar, cessa a vida.
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