Café Brasil 295 – Harmonia

Bom dia, boa tarde, boa noite! Bem vindo a mais um Café Brasil, um programa feito pra quem quer, mais do que se acomodar, se incomodar. Já disseram que este é um programa de auto ajuda, mas eu não concordo. Acho que é um programa de auto atrapalhamento…. A gente aqui quer colocar uma pulguinha atrás da sua orelha. Incomodar, mesmo… O programa de hoje vai tratar de trabalho, mas especificamente de alguns choques culturais com os quais lidamos no dia a dia.

Pra começar, uma frase do escritor e guru Peter Drucker:

As únicas coisas que evoluem sozinhas em uma organização são a desordem, os conflitos e o baixo desempenho.

Este programa chega até você com o apoio de uma turma que sabe que é na cultura que estão as raízes para quem quer melhorar suas escolhas. Itaú Cultural. Acesse www.itaucultural.com.br e veja a programação de eventos, quem sabe tem algum perto de você…

[showhide title=”Continue lendo o roteiro” template=”rounded-box” changetitle=”Fechar o roteiro” closeonclick=true]

E o exemplar de meu livro NÓIS…QUI INVERTEMO AS COISA desta semana vai para…para…. Morgana Machea Duarte, lá do Centro de Educação Anália Franco – Cáceres – MT. Ela comentou assim o programa GERAÇÃO T:

“Às vezes eu penso se devo falar o que eu penso. Não é injusto ter de guardar para si aqueles pensamentos que revelam a nossa essência? Gritar aos ventos as minhas opiniões e convencer a todos que elas são de fato inovadoras. Senão inovadoras ao menos lógicas. Exibir o meu intelecto, mostrar meus conhecimentos e claro, discuti-los e argumentá-los.

Porque isso se tornou tão difícil na sociedade contemporânea? Porque somente uma minoria, a elite intelectual, se indigna diante da morbidez de ideias do próximo? E o primordial: porque as pessoas não percebem que isso as afeta como seres humanos e como cidadãos?

Li esta frase de Albert Einstein em uma prova na escola: “Os grandes espíritos sempre tiveram que lutar contra a oposição feroz de mentes medíocres”. As pessoas se ofendem e me tratam de esnobe, se dizem mais espertas.

Defina conhecimento e diferencie uma pessoa culta de uma medíocre, por favor. Conhecimento não se limita em decorar citações, bibliografias e datas. Conhecimento vai além, muito além. Porque perder tempo se existem computadores com incontáveis gigabytes de memória? O importante é aplicar as ideias. O que nos difere é a maneira como pensamos o mundo!

“Você não tem perguntas pra fazer/ Porque só tem verdades pra dizer/ A declarar”, cantou Raul Seixas. Que me desculpem os alunos nota 10, mas eu não acredito neles. Primeiro, porque se acham superiores, afinal eles chegaram ao topo onde ninguém mais consegue chegar, em um sistema formador de máquinas. E ele tem um diploma. Então, cheguei à conclusão de que formamos especialistas e doutores, e não mais cidadãos. A ideia de pensar por conta própria nem lhes passa pela cabeça. Logo, temos a política e o poder ainda monopolizados pelas elites, mas agora por uma elite com diploma e que resolverá as equações.

Evidente é o fato de que tudo é relativo. Afinal Sartre escreveu: “Eu comecei a minha vida como eu a acabarei sem dúvida: em meio aos livros”, e provou que o meio influenciou em seu desenvolvimento como pensador. Mas se uma criança cresce vendo o seu pai jogar latas de cerveja na rua, ouvindo-o ofender homossexuais e assistir o timão no domingo, pode-se deduzir o que sairá do molde? Será que a sociedade pode ajudá-la em tal ápice de ignorância?

Essa desculpinha é velha e esfarrapada, meu caro! Em primeiro lugar a pessoa precisa admitir para si mesma que tem vivido nas trevas da ignorância. As informações estão a mil: livros, artigos, revistas, fotos, jornais internacionais, tudo a um clique de distância! E eu me pergunto: o que falta? Está tudo lá, mastigado e resumido, já acabou a era das grossas e empoeiradas enciclopédias. Sinceramente, não há empurrão mais forte do que o surgimento da internet e o acesso fácil às informações, assim como não há explicação para que as pessoas continuem nesse mesmo estado de indiferença. Ah! Que cruel é a palavra indiferença!

Curiosidade, prática e ousadia. Essas três palavras magníficas combatem com um só dedo a palavra indiferença. Luciano Pires simplesmente sintetizou o que todos os verdadeiros possuidores de conhecimento devem priorizar em seu processo de formação. Não existe essa de mentes brilhantes e mentes fracas. Tudo não passa de um conceito arcaico sobre aprendizado. Foi-se o tempo em que o conhecimento era limitado. Porém, o que é limitado nos dias de hoje é a vontade de aprender, de descobrir e desvendar todos os caminhos possíveis. Culpa da sociedade que cultua valores equivocados, eliminando toda a filosofia do que seria a essência de existir. Afinal, diferentemente de carros e roupas, a educação e a cultura não saem de moda.”

Vixe… Que sapatada, hein Morgana? Pois é… Gostei especialmente deste trecho: “Porém, o que é limitado nos dias de hoje é a vontade de aprender, de descobrir e desvendar todos os caminhos possíveis.” Só não acho que isso seja culpa da sociedade. A culpa é de quem se resigna com isso…

A Morgana ganhou o livro, com um comentário que ela enviou cinco meses atrás. Pensa que a gente esquece, é? Você já escreveu pra ver se ganha o seu?

Você está ouvindo aí ao fundo CIGARRAS, com o carioca Caíto Marcondes…

Comecei a trabalhar numa multinacional ainda jovem, aos 26 anos de idade. Quando entrei na empresa eu tinha certeza que meu talento bastaria para que eu galgasse rapidamente postos e conseguisse aquilo que todo jovem de 26 anos de idade quer: o sucesso. Não demorou muito para eu começar a entender que o jogo era muito diferente daquele que eu vivera até então.

Até mergulhar no universo profissional eu fui estudante e experimentei o trabalho em circunstâncias muito distintas. Na verdade comecei a trabalhar aos 15 anos de idade, mas nessa idade a gente ainda não consegue observar o jogo político que envolve essa coisa chamada ambiente profissional.

Logo percebi que havia um teatro cheio de regras que precisavam ser seguidas pelos personagens. Nem sempre dois mais dois dava quatro. Nem todas as coisas que me pareciam óbvias eram óbvias. E eu descobri que talento era só uma variável numa grande e complicada equação.

Para piorar, eu era o cara da comunicação dentro de uma indústria, rodeado de engenheiros, financeiros, controllers e todo tipo de ogro.

Durante aquele período uma coisa que sempre me incomodava eram as tribos internas. Havia a tribo da engenharia, a tribo do TI, a tribo do RH, a tribo da administração, a tribo da área comercial, a tribo de marketing. E um dia os caras começaram a dividir a turma entre produtivos e não produtivos nas reuniões de resultados.

Produtivos eram os cujas funções consistiam em produzir os produtos que seriam depois vendidos. Não produtivos eram os que desempenhavam outras funções. Entre eles eu: os caras que não fabricavam os produtos.

A minha tribo então, do marketing e comunicação, era considerada o cúmulo dos não produtivos. Nós éramos os caras que passavam o dia na flauta, arranjando um jeito de gastar o dinheiro que os outros penavam ganhar.

Ser não-produtivo passou a ser quase uma ofensa. E dá-lhe conflito. Conflito na negociação do orçamento, conflito nas solicitações de investimentos, conflito no estilo de gerenciamento, conflito nos horários de entrada e de saída. Era um saco. Conflitos! E não raro aquela discussão idiota sobre quem era mais importante: os produtivos ou os não produtivos. Por sorte (ou simancol) essa classificação foi caindo em desuso, tornando-se menos preconceituosa, insultosa e desagregadora.

Pois quer saber de uma coisa? No auge das discussões lembrei de uma historinha que eu ouvia e ouvia e ouvia quando era bem criança, no toca discos da casa de meu avô. E acho que ela cabe muito bem aqui. Segure as lágrimas aí, ô marmanjo, que essa é do seu tempo. Ou do tempo do seu pai. São seis minutos pra você saborear.

Olha só.Se você tem algo em torno de 45, 50 ou 60 anos, deve ter ficado com os olhos cheios de lágrimas. Você acaba de ouvir A CIGARRA E A FORMIGA, do jeitinho que está gravada na coleção Disquinho que a Continental lançou em 1960. Aqueles disquinhos coloridos eram o equivalente aos videogames de hoje.

As músicas eram compostas e adaptadas por João de Barro – o Braguinha – e orquestradas por ninguém menos que Radamés Gnattali, e as histórias maravilharam crianças nos últimos 60 anos. Os disquinhos eram produzidos em vinil colorido, que fascinava as crianças. Cara, que medo eu tinha do lobo mau do disquinho dos três porquinhos…

Prestou atenção na história da Cigarra e da Formiga? É uma fábula de Esopo, um contador de histórias grego que viveu no século VI antes de Cristo. A história foi recontada pelo poeta e fabulista francês Jean de La Fontaine lá por 1670. Sacou a lição que a história traz sobre a questão dos produtivos e não produtivos?

Então, mas agora mudando de pato pra ganso, mas ainda dentro dessa questão das tribos que se odeiam, vou com mais uma fábula. Na verdade uma historinha, de Rubem Alves. O nome é O SONHO DOS RATOS (ou será “a grande coincidência?).

Ao fundo você está ouvindo a Ária das Bachianas Brasileiras de Villa Lobos, numa levada de chorinho pela Camerata Brasileira.

Era uma vez um bando de ratos que vivia no buraco do assoalho de uma casa velha.

Havia ratos de todos os tipos: grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, da roça e da cidade.

Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em torno de um sonho comum: um queijo enorme, amarelo, cheiroso, bem pertinho dos seus narizes.
Comer o queijo seria a suprema felicidade…

Bem pertinho é modo de dizer. Na verdade, o queijo estava imensamente longe, porque entre ele e os ratos estava um gato … O gato era malvado, tinha dentes afiados e não dormia nunca. Por vezes fingia dormir. Mas bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para fora do buraco para que o gato desse um pulo e, era uma vez um ratinho…

Os ratos odiavam o gato. Quanto mais o odiavam mais irmãos se sentiam. O ódio a um inimigo comum os tornava cúmplices de um mesmo desejo: queriam que o gato morresse ou sonhavam com um cachorro…

Como nada pudessem fazer, reuniram-se para conversar. Faziam discursos, denunciavam o comportamento do gato (não se sabe bem para quem), e chegaram mesmo a escrever livros com a crítica filosófica dos gatos.

Diziam que um dia chegaria em que os gatos seriam abolidos e todos seriam iguais. “Quando se estabelecer a ditadura dos ratos”, diziam os camundongos, “então todos serão felizes”…

– O queijo é grande o bastante para todos, dizia um.

– Socializaremos o queijo, dizia outro.

Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções. Era comovente ver tanta fraternidade.

Como seria bonito quando o gato morresse!

Sonhavam. Nos seus sonhos comiam o queijo. E quanto mais o comiam, mais ele crescia.Porque esta é uma das propriedades dos queijos sonhados: não diminuem:  crescem sempre.

E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando: ” o queijo, já!”…

Sem que ninguém pudesse explicar como, o fato é que, ao acordarem, numa bela manhã, o gato tinha sumido.

O queijo continuava lá, mais belo do que nunca. Bastaria dar uns poucos passos para fora do buraco.

Olharam cuidadosamente ao redor. Aquilo poderia ser um truque do gato. Mas não era. O gato havia desaparecido mesmo. Chegara o dia glorioso, e dos ratos surgiu um brado retumbante de alegria. Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum.

E foi então que a transformação aconteceu. Bastou a primeira mordida.

Compreenderam, repentinamente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados. Quando comidos, em vez de crescer, diminuem.

Assim, quanto maior o número dos ratos a comer o queijo, menor o naco para cada um. Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se fossem inimigos. Olharam, cada um para a boca dos outros, para ver quanto do queijo haviam comido. E os olhares se enfureceram. Arreganharam os dentes.

Esqueceram- se do gato.

Eram seus próprios inimigos.

A briga começou. Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas. E, ato contínuo, começaram a brigar entre si. Alguns ameaçaram a chamar o gato, alegando que só assim se restabeleceria a ordem.

O projeto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos:

“Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus proprietários para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono”.

Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a ficar esperando…

Os ratinhos magros, de dentro do buraco escuro, não podiam compreender o que havia acontecido. O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos fortes, agora donos do queijo. Tinham todo o jeito do gato, o olhar malvado, os dentes à mostra.

Os ratos magros nem mais conseguiam perceber a diferença entre o gato de antes e os ratos de agora. E compreenderam, então, que não havia diferença alguma. Pois todo rato que fica dono do queijo vira gato. Não é por acidente que os nomes são tão parecidos.

Negro Gato
Leiber/Stoler
Getúlio Cortes

Eu sou um negro gato
de arrepiar
Essa minha história
é mesmo de amargar
Só mesmo de um telhado
aos outros desacato

Eu sou um negro gato

Minha triste história

vou Ihes contar
e depois de ouvi-la
sei que vão chorar
Há tempos
que eu não sei
o que é um bom prato

Eu sou um negro gato

Sete vidas tenho
para viver
sete chances tenho
para vencer
mas se não comer
acabo num buraco

Eu sou um negro gato

Um dia lá no morro
pobre de mim
queriam minha pele
para tamborim
apavorado desapareci no mato

Eu sou um negro gato

E aí? Você é gato ou rato? Você é formiga ou cigarra? Não importa o que você é, bote uma coisa na cabeça, o dia que você mudar de lado, vai mudar de visão, de atitude, de opinião. É assim que funciona. O segredo é reconhecer que os outros são diferentes, respeitar essas diferenças e fazer de tudo para que, em vez do conflito e do confronto, exista harmonia.

Não é fácil, viu?

E é assim, ao som de Denise Reis com o NEGRO GATO de Getúlio Cortes que o Café Brasil de hoje vai embora. Ah, esse trumpete aí a Denise faz com a boca mesmo…

Com o gato Lalá Moreira na técnica, a cigarra Ciça Camargo na produção e eu, este pobre rato – ou poderia ser formiga – Luciano Pires na direção e apresentação.

Estiveram conosco a Morgana Machea Duarte, Rubem Alves, Caíto Marcondes, Camerata Brasileira, Denise Reis e a Cigarra e a Formiga da Coleção Disquinho!

Este programa chega até você com o apoio do Auditório Ibirapuera, um tempo dedicado à boa música que está instalado dentro do Parque Ibirapuera em São Paulo. Lá formam-se músicos e ouvintes e especialmente uma coisinha que anda em falta, chamada bom gosto… Acesse www.auditorioibirapuera.com.br para conhecer a programação.

Este é o Café Brasil, um programa ouvido por gente que quer um pouco mais do que aquilo que se ouve por aí, se é que você me entende.

Pra terminar, uma frase de ninguém menos que o filósofo e matemático grego Pitágoras:

O universo é uma harmonia de contrários.

[/showhide]

[fcomment lang=en_US]